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Mulheres e homens são iguais e as crianças são prioridade absoluta segundo os artigos 5º e 227 da Constituição Federal. No entanto, não é isso que observamos. São frequentes distorções na divisão do trabalho doméstico, com mulheres em chamada “dupla jornada”, na qual elas trabalham fora e acumulam tarefas de cuidado com filhos e com a casa. Os homens se responsabilizam por menos de 20% dessas tarefas. E as mulheres além de terem mais atribuições, ganham salários 30% menores em média, no Brasil.

A desigualdade não é fruto do acaso, mas resultado de práticas históricas e respaldada por leis e por declarações públicas. Até 2015, um homem tinha direito a 3 a 4%  da licança para estar com bebês recém nascidos, 5 dias diante de 4 meses. A justificativa é de que as mulheres precisam amamentar a criança. É correta, mas não leva em consideração aspectos psiquicos do desenvolvimento infantil ou a criação de distorções no mercado de treabalho. São encontradas declarações de políticos de que as mulheres devem receber salários menores por engravidarem ou de que homens não devem ter licença-paternidade porque “ficam no bar enchendo a cara, atrapalhando mais ainda a mãe”.

É evidente que uma das maneiras de combater essa desigualdade é com a implementação de medidas que ampliem a responsabilização dos homens pelas tarefas domésticas e familiares, como o cuidado com filhos. A presença paterna também gera benefícios de saúde ao bebê, aumentando o período de aleitamento da mulher, diminuindo a incidência de depressão pós-parto e acelerando o processo de recuperação quando a criança nasce prematura. São encontrados benefícios também para o pai  que passa a cuidar melhor da saúde, tem autoestima melhor e trabalham mais.

O Marco Legal da Primeira Infância, como é conhecida a lei 13.257 de 8 de março de 2016, tenta enfrentar essa questão. Prorroga para 20 dias a licença-paternidade para participantes do programa empresa cidadã, valendo também para adoção. São abonadas, a partir da lei, até 2 faltas para acompanhar a mãe no pré-natal e 1 falta por ano para acompanhar consultas do filho até os 6 anos. Posteriormente o beneficio foi estendido para os servidores públicos federais.

Ainda são muitos os desafios a serem enfrentados. É necessário que a ampliação da licença-paternidade seja estendida a todos os trabalhadores da CLT, como direito e não como benefício. É necessário que ela seja ampliada ainda mais, se aproximando da licença-maternidade. E é imprescindível enfrentar as questões culturais do cuidado masculino. No Grupo Hospitalar Conceição, a primeira empresa a adotar a ampliação da licença-paternidade, 30% dos pais não pediram ampliação da licença. Preferiram voltar a trabalhar depois de 5 dias.

Que essas mudanças sejam apenas o começo de uma mudança de mentalidade, por uma sociedade mais igualitária entre homens e mulheres e que coloque as crianças como prioridade absoluta.

*Rubens Bias, analista de políticas sociais, foi conselheiro do CONANDA (Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente), e trabalhou na Coordenação Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno (CGSCAM), no Ministério da Saúde.

Ninguém nasce pronto para ser pai, torna-se um

Por Petter Ricardo de Oliveira*

Já ouvi dizer que “um pai nasce quando nasce sua criança”. Mas não. Creio que o nascimento de um pai dá-se quando ele começa a ver-se como um. Comigo não foi diferente. Quando me vi desejando ser pai várias coisas foram acontecendo para tornar isso possível. A primeira preocupação que tive foi, claro:, “serei eu um bom pai?” A segunda era: “mas qual mãe vou escolher para a minha filha? As preocupações ficam muito sérias quando se deseja ser pai. E é nesse momento que uma jornada infinita de aventuras se inicia…   Um dia sua mulher te prepara uma surpresa (que foi maravilhosa, mas não é o caso falar sobre ela aqui) e informa que você agora, de fato, é pai. Nesse mesmo momento surge um novo relacionamento também entre o casal. A empatia e cumplicidade começam a se tornar, mais do que nunca, necessárias para o relacionamento. Durante a gestação da minha filha, minha esposa e eu firmamos um novo “contrato”, além daquele matrimonial, o de sócios paritários na criação da nossa menina.

Então sempre fizemos tudo junto, consultas, exames, compras, obras, adaptações etc. A mãe sempre é obrigada a acompanhar a filha nas consultas e exames pré-natais, lógico, mas para o pai isso é opcional. No entanto, escolhi que isso seria obrigatório para mim também, e estive presente em todos os eventos pré-natais da minha filha, tendo inclusive que enfrentar a família e chefe para fazer isso. Nas consultas e exames pude vê-la e ouvi-la pela primeira vez. Senti-la por meio das minhas mãos sobre a barriga de minha esposa só foi possível mais tarde e foi como senti-la se mexendo dentro de mim, não na barriga, mas dentro do peito, mas nas consultas e exames pré-natais eu podia materializar o que já sentia no coração e tornar real aquela criança imaginaria de anos atrás. Outro pai surgiu ai, o protetor. Troquei dei médico por não me sentir confortável com ele, troquei de clinica de exames, pois a profissional não me tratava como pai, e nunca voltei em outra só por terem me chamado de “paizinho”, pensei comigo: “nunca use diminutivo quando for me referir como pai!”. Surge também um pai medroso por ouvir algo ruim dos médicos ou os exames indicarem algum problema, eram os momentos mais tensos da nossa gestação.

Quando as trinta e tantas semanas chegaram, só pensávamos no nascimento. Somos adeptos do parto normal, mas, se necessária, a cesariana seria bem vinda, o que importava era a segurança das minhas mulheres. Imaginávamos todos os dias como seria o nascimento, se como nos filmes hollywoodianos ou nos documentários da Discovery Channel. Procuramos uma Doula para nos orientar e nos preparar para o parto, pois tínhamos muitas dúvidas e medos sobre como seria. Particularmente, eu queria saber como de fato ajudar durante o parto, não apenas estar presente. Aprendi exercícios para fazer na minha esposa antes do parto, posições para apoiá-la, massagens para redução da dor e etc., só não me ensinaram a como não arrebentar a minha lombar fazendo isso, mas ficou de dica para próximos cursos. Fizemos tudo, sempre juntos. Contei 24h desde o rompimento da bolsa a até o primeiro olá da Nina, passando por ida à obstetra, caminhadas, chocolates, exercícios, medicações, sopros, força, força de novo, mais força… Qual foi o parto que tivemos? Os dois. Como queríamos, começamos com o parto normal, mas complicações fizeram com que terminássemos com a cesariana. Apesar de cansativo e tenso, foi interessante ter as duas experiências de uma vez e valeu muito a pena, mas nada como, enfim, ouvir aquele choro bem agudo e que todos estamos bem, isso é o que importa no final.

A primeira coisa que falei quando minha filha nasceu foi: “caramba!” (bem, não foi isso, mas foi parecido), depois olhei para minha esposa e a descrevi como “a mais linda”, não que os bebês nasçam lindos, mas o amor que toma um pai nesse momento me fez vê-la como sempre imaginei e como a vejo hoje. Mas logo depois, o sentimento que me tomou foi o de responsabilidade. O médico me chamou para segurá-la enquanto ele examinava. Não prestei atenção em nada que ele falava só ficava me apresentando para ela e falando tudo o que eu ia fazer por toda sua vida. Logo depois dos exames iniciais e o médico liberar para levá-la ao quarto junto com minha esposa a enfermeira que nos acompanhava nos guiou até o quarto e chegando lá falou: “agora é com você”. Nesse dia sim, surgiu o pai que sempre quis ser. Entendi que de fato, agora ser pai e exercer a paternidade que eu queria, só dependia de mim, de fato ela tinha razão “agora é comigo”.

O primeiro mês eu chamaria de “Sobrevivência”. São tantas as responsabilidades que se tem com um recém-nascido que até hoje não sei como sobrevivi. Tivemos dificuldades para amamentar, então eu as levava toda vez ao banco de leite para treinarmos a mamada e as técnicas compensatórias de suplementação. Tivemos que fazer translactação e isso foi uma as coisas mais fantásticas no primeiro mês, pois como pode seu feita por qualquer pessoa, eu  junto ou sozinho para que minha esposa pudesse descansar. Por isso digo sempre que “eu amamentei minha filha”. Outra coisa bem complicada no primeiro mês foram as cólicas. Fora isso, minha mulher se recuperava de uma cirurgia e também aprendia a ser mãe. Ela também precisava de muito suporte e apoio. Sem alguém ao lado de uma “recém-mãe” fica difícil manter a sanidade.

Quando me tornei pai, descobri e aprendi muitas coisas incríveis sobre a vida que me fizeram uma pessoa bem diferente da que eu era antes. No entanto, também descobri que é necessário muito esforço e insistência. Quando me tornei pai, percebi o quanto, de fato, o mundo é machista e ainda resiste à figura do pai presente. Tive que conquistar meu espaço de pai quando precisava negociar hora extra no trabalho para acompanhar o pré-natal, ou durante o parto e depois no quarto a todo o momento, ou quando queria trocar frauda, por para dormir etc. sempre aparecia alguém, querendo ajudar, mas que me colocava como “não é necessário que você faça isso”. Bem, a paternidade não é um direito, não é um cargo, não é uma fase, é uma conquista diária. Nós pais de hoje queremos exercer uma paternidade plena, mas sofremos resistências jurídico-sociais de tempo de licença, atestados de acompanhamento, reconhecimento etc.

Hoje, se me perguntam quem eu sou, a primeira coisa que digo, depois de dizer o meu nome, é que sou o Pai da Nina. Aprendo a cada dia a como ser pai dela. O mais interessante disso tudo é que a criança te ensina o pai que ela precisa que você seja, basta você  percebê-la. Ela te dá os sinais. Aprender a ter empatia com minha filha foi a mais importante habilidade que desenvolvi. Das dúvidas que eu tinha quando apenas desejava ser pai só tenho hoje certeza de uma: de que escolhi bem a pessoa mais importante da vida da minha filha, agora quanto à de se seria um bom pai, bem, depois de pouco mais de dois anos, digo que continuo tentando.

*Petter Ricardo de Oliveira é Coordenador-Substituto de Saúde e Qualidade de Vida no Trabalho na ANVISA. (CSQVT/ANVISA) e pai da Nina de Oliveira, de 2 anos

Cuidados compartilhados, salários equivalentes e crianças sendo prioridade absoluta
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