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Da gastronomia à arte, pessoas que foram obrigadas a deixar seus países de origem transformam seus negócios para se adequar ao período de isolamento social no Brasil

A venezuelana refugiada Yilmary de Perdom

Segundo o relatório Tendências Globais – Deslocamento Forçado em 2019, o número de pessoas forçadas a se deslocar em todo mundo chegou a 79,5 milhões, quase o dobro do registrado há uma década. Desse total, cerca de 30 milhões são considerados refugiados ou estão em processo de solicitação desse status. Os dados foram apresentados pela ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) e dimensionam a urgência em construir formas de inclusão nos países em que essas pessoas são acolhidas, pois elas tendem a ficar ainda mais vulneráveis devido à pandemia causada pelo coronavírus.

Para Federico Martinez, representante adjunto da ACNUR no Brasil, é importante entender o conceito de refugiado. “É uma pessoa que sai de um país por perseguição política ou violações de direitos humanos, está relacionado a conflitos e situações de guerra. Diferenciar o refugiado deoutros estrangeiros é muito importante, porque envolve o direito a pedir proteção e não ser devolvido de onde saiu”, explica.

Luis Fernando Godinho, representante da ACNUR no Brasil, ressalta que o novo coronavírus vai mostrar a necessidade do fortalecimento das pessoas e das comunidades para construirmos um futuro melhor. Além disso, ele vê como prioridade a resolução de conflitos de longa duração.

Além de trazer um panorama sobre o impacto global do deslocamento forçado de pessoas, a divulgação do relatório marca também o Dia Mundial do Refugiado, data que homenageia quem deixou tudo para trás com a esperança de um futuro mais seguro.

Reconstrução por meio do empreendedorismo

Há cerca de quatro anos no Brasil, a venezuelana refugiada Yilmary de Perdomo, terapeuta ocupacional de formação, achou na gastronomia um meio de recomeçar a vida. Começou com a venda de bolos na rua e hoje tem o Tentaciones da Venezuela, que a levou a participar até mesmo de feiras gastronômicas. Para ela, cada refugiado carrega uma mala cheia de bagagem cultural que lhes dá ferramentas para prosseguir.

“Quando vendemos comida não é só um lanche ou um suco, pois tudo isso leva uma história de superação. A pandemia mudou de novo a nossa vida e nos faz refletir que todos somos iguais”, afirma Yilmary. As saídas pensadas para não deixar o negócio parado devido o isolamento social envolvem investir em delivery, na venda de produtos congelados e no desenvolvimento de aulas online de gastronomia típica.

O negócio de Yilmary foi um dos destaques na página Empreendedores Refugiados, que surgiu na esteira de desafios trazidos pela Covid-19. Segundo Miguel Pachioni, assessor de informação pública da ACNUR, a iniciativa da agência dá visibilidade e permite a sobrevivência de pequenos negócios.

A cada semana são listadas no site as histórias de cinco empreendedores refugiados. A construção contou com um processo de escuta envolvendo quem empreende e variados profissionais voluntários que doaram seu tempo para promover capacitações e ajudar na adaptação ao uso das redes sociais. Além da gastronomia, do qual o Tentaciones de Venezuela faz parte, outros segmentos, como a arte, também ganham espaço.

O artista plástico Lavi Israël deixou o a República Democrática do Congo em 2015, chegando ao Brasil sem sequer falar português. Fugindo de um conflito armado em seu país, o sétimo em número de deslocados no mundo, conseguiu se colocar no mercado de trabalho com ajuda da ONG Estou Refugiado. Atualmente, ele sente que o trabalho ficou limitado com a exposição apenas por meios digitais, como as redes sociais.

“Está muito difícil para todos os artistas no mundo. Na galeria, é uma interação diferente, porque as pessoas nos veem. Sem a pandemia já é difícil. Se você tiver 10 mil seguidores, talvez dois ou três vão querer comprar o seu trabalho”, afirma o artista congolês.

Foto da obra do artista plástico Lavi IsraëlObra do artista plástico Lavi Israël

Outra importante ação tomada pela ACNUR para este período emergencial é facilitar, com ajuda de instituições financeiras, o acesso a crédito pelos refugiados. A preocupação é garantir direitos básicos, como alimentação, e o pagamento de contas essenciais, como aluguel.  Nesse sentido já foram disponibilizados R$ 1,4 milhão a cerca de 900 famílias, a maioria chefiadas por mulheres.

“É um gargalo no qual a gente tem trabalhado para fazer com que esses pequenos empreendedores possam ter acesso a crédito, independentemente, de sua nacionalidade ou do perfil de registro aqui no Brasil. Com a chegada da pandemia, intensificamos o contato com instituições financeiras”, aponta o assessor Miguel Pachioni.

Resiliência e esperança no futuro

Outro exemplo de negócio em transformação é o Open Taste, idealizado pela refugiada síria Joanna Ibrahim e que sempre se propôs a unir saberes e cultura de refugiados à gastronomia. Depois de passar por alguns formatos desde 2016, tornou-se um espaço físico para chefs de diferentes nacionalidades cozinharem, proporcionando geração de renda e capacitação profissional.

Com a pandemia e a impossibilidade de receber clientes, as operações estão em dois formatos: aulas online de gastronomia e serviço de delivery. Por meio do site da iniciativa, o interessado escolhe qual prato típico deseja aprender a fazer, agenda um horário e tem acesso ao conteúdo da aula. Já o serviço de entrega de comida será inaugurado no início de julho por meio de aplicativos convencionais de entrega.

Para a empreendedora, o momento é de se reinventar para se manter no mercado, já que muitas pessoas enfrentam dificuldades no ramo com a suspensão de eventos e a paralisação do setor de serviços em geral. “Está havendo essa troca de ideias, tem uma resiliência e as pessoas estão inovando. Não é fácil ficar nesta situação, mas muitas pessoas estão se mobilizando e tentando fazer o seu melhor”, analisa Joanna.

Em fala que emocionou quem acompanhava a palestra da ACNUR, a empreendedora venezuelana Yilmary de Perdomo resumiu o espírito de luta dos refugiados e foi emblemática em relação a este momento de constante transformação: “nunca mais vamos voltar ao que era considerado normal, mas quero lutar por um mundo onde possa se viver sem fugir. Sem que ninguém precise sair de um país para começar uma vida do zero”.

Empreendedores refugiados se reinventam durante a pandemia do coronavírus
Empreendedores refugiados se reinventam durante a pandemia do coronavírus