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ECA: ARTIGO 19 / LIVRO 1 – TEMA: CONVIVÊNCIA FAMILIAR

Comentário de Maria do Rosário Leite Cintra
Pastoral do Menor/São Paulo

Entre os direitos fundamentais da criança elencamos, ao lado do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à liberdade, à proteção no trabalho, o direito a ser criado e educado (a) no seio da família, (b) excepcionalmente, em família substituta, (c) assegurada a convivência familiar e comunitária, (d) em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de entorpecentes ( cf. art. 19).

a) Realmente, a família é condição indispensável para que a vida se desenvolva, para que a alimentação seja assimilada pelo organismo e a saúde se manifeste.

Desabrochar para o mundo inclui um movimento de dentro para fora, o que é garantido pelos impulsos vitais vinculados à hereditariedade e à energia próprias do ser vivo. Mas este movimento será potenciado ou diminuído, e até mesmo obstaculizado, pelas condições ambientais: 60%, dizem os entendidos, são garantidos pelo ambiente. Não basta pôr um ser biológico no mundo, é fundamental complementar a sua criação com a ambiência, o aconchego, o carinho e o afeto indispensáveis ao ser humano, sem o que qualquer alimentação, medicamento ou cuidado se torna ineficaz.

O ideal é que os filhos sejam planejados e desejados por seus pais e que estes possam garantir-lhes a sobrevivência nas condições adequadas. E fundamental, pois, que os adultos que geraram a criança a assumam e adotem.

A família é o lugar normal e natural de se efetuar a educação, de se aprender o uso adequado da liberdade, e onde há a iniciação gradativa no mundo do trabalho. É onde o ser humano em desenvolvimento se sente protegido e de onde ele é lançado para a sociedade e para o universo.

É fundamental ao Estado entrar para cooperar neste papel, que, embora entregue à família, é função de toda a sociedade, e sobretudo dos que detêm a gestão da coisa pública.

É indispensável, pois, que os recursos públicos cheguem diretamente aos membros da família para lhes garantir as condições de alimentar, proteger e educar o ser em desenvolvimento.

É o que garante o art. 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente quando afirma que “a falta de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder” – devendo, no caso, “a família” ser incluída em programas oficiais de auxílio. Essas medidas são citadas também no art. 129, I a IV.

Muito antes, porém, o espírito do art. 19, ao assegurar à criança o direito de ser educada na família, quer, acima de tudo, supor que os membros adultos da mesma (pais, irmãos mais velhos ou, até mesmo, tios ou avós), dentro de uma política econômica e social (que leve em conta os direitos humanos), tenham garantidas as condições essenciais de salário para uma sobrevivência digna do núcleo familiar. Assim sendo, as crianças e adolescentes poderão dedicar-se ao estudo, à iniciação profissional e ao lazer sem necessitarem precocemente ser introduzidos na dura luta pela auto manutenção, numa insustentável e absurda condição de precisar gerar renda antes mesmo de desabrochar para a vida.

Outra realidade igualmente contemplada no art. 19 é que o recolhimento de crianças em internatos contraria o direito fundamental, aqui reconhecido, da convivência familiar e comunitária, cujos benéficos efeitos acima salientamos.

Os dois extremos, portanto – precisar garantir muito cedo a sobrevivência nas ruas, ou receber tudo pronto na instituição fechada – são situações prejudiciais ao desenvolvimento adequado do ser humano. A rua, como se apresenta hoje, especialmente na cidade grande, é, para a criança (sobretudo se rompeu os vínculos familiares), extremamente desumana, cruel: aponta descaminhos com difícil retorno, que desafiam a dedicação e a capacidade criativa dos educadores de rua. De fato, a vivência nas ruas desenvolve enormemente as habilidades e a criatividade indispensáveis para enfrentar os desafios e imprevistos do espaço aberto, mas dificulta a percepção de certos limites que a vida em sociedade requer, potencializa a impulsividade desregrada e inconseqüente.

No extremo oposto, o adolescente que, desde a infância, vive enclausurado sofre um terrível trauma ao ser lançado – mal aponta a maioridade – na sociedade, que se lhe apresenta como um espaço cheio de atrações, mas depois é fonte de desilusões e desenganos. Isto ocorre sobretudo no que diz respeito à automanutenção, ao uso do dinheiro, à administração da própria existência. O assumir a vida com autonomia é difícil em todas as situações, particularmente o é para o adolescente que cresceu recolhido na instituição, sem poder participar e entender como se provê às necessidades da vida desde a alimentação, a limpeza, as condições de trabalho até as opções de lazer, impedido de se adaptar gradativamente às exigências da vida social.

É no dia-a-dia da vivência no pequeno núcleo familiar e no círculo mais amplo das relações de vizinhança, de bairro e de cidade, na escola e no lazer que a criança e o adolescente vão-se abrindo para o mundo e assimilando valores, hábitos e modos de superar as dificuldades, de formar o caráter e de introduzir-se na vida social. O dia-a-dia massificado da grande instituição despersonaliza as relações, torna artificial a convivência e impede a experiência capilar das rotinas familiares, que dificilmente são comunicadas teoricamente em aulas e exercícios.

b) Na hipótese de realmente ser impossível à criança a permanência no seio da família biológica, é natural que se lhe garanta, então, excepcionalmente, a família substituta. Esta também será capaz de lhe ministral- experiências positivas, porque acolher, adotar, é como gerar de novo, é estabelecer laços, é assumir uma forma autêntica de filiação e paternidade. É só com este aspecto que se admite a função supletiva de guarda-tutela ou adoção.

c) Admite, ainda, o Estatuto (art. 101, VII e parágrafo único) que a criança poderá ser acolhida temporariamente em abrigo. Recomenda-se, ou, melhor, exige-se, pelas condições estabelecidas no art. 92, que ele tenha as características mais próximas da realidade de uma família e com uma dinâmica própria de intercâmbio com a comunidade. Estas exigências querem reafirmar que a situação normal e natural está na família e que a ela precisam ser garantidas todas as condições de criar e educar o ser em desenvolvimento. Em torno dela para servi-la e complementá-la, estão a escola, a iniciação ao trabalho e os programas de proteção.

d) O art. 19 prevê, no entanto, que o direito da criança e do adolescente a uma vida familiar e comunitária requer “um ambiente livre de pessoas dependentes de entorpecentes”. Supõe-se, em outras palavras, um ambiente sadio. Para isto, prevê-se, igualmente, o dever do Estado e da sociedade de garantir também aos pais e responsáveis condições de reeducação e apoio para superação de eventuais desvios, como falam os arts. 129, I a VII, e 136, 11.

Acima de tudo, porém, deve estar uma sociedade que, através de uma política de distribuição da renda e da administração pública, dê prioridade às políticas sociais básicas que garantam a vida e sobrevivência digna do ser humano, em função do qual tudo deve ser planejado.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

ARTIGO 19/LIVRO 1 – TEMA: CONVIVÊNCIA FAMILIAR

Comentário de Silvio Rodrigues
Universidade de São Paulo

Obs. 1: A fonte do dispositivo é o capuf do art. 227 da CF de 1988, muito mais amplo do que tudo preceituado na legislação anterior. A regra constitucional impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação etc., inclusive à convivência familiar e comunitária, colocando os a salvo de toda a forma de negligência, violência, crueldade etc.

Obs. 2: A norma apresenta-se como uma declaração de princípios,uma orientação para o legislador ordinário, ordenando-lhe o mister de seguir o propósito do constituinte.

Obs. 3: O artigo em comentário proclama alguns direitos da criança e do adolescente derivados daquela orientação constituição constitucional. Diz que a criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família ou excepcionalmente em família substituta.

Obs. 4: O direito consignado no art. 19 do Estatuto, em rigor, é inexigível a não ser de seus pais, naturais ou adotivos; na verdade, o exercício de tais direitos pelo menor abandonado dependerá, sempre, da vontade terceiro que pleiteará sua doação, sua guarda ou sua tutela, pois é a própria lei que declara que a colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção (art.28). Ora, nas três hipóteses que grifei o recolhimento do menor em seu novo lar depende da iniciativa do guarda, do tutor ou do adotante.

Obs. 5: A locução “em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”, que não constava do projeto original, havendo resultado de emenda da Câmara dos Deputados, é supérflua. Na exegese do Estatuto da Criança e do Adolescente é necessário ter sempre em vista uma constante. O intuito do legislador é o bem do menor, que deve ser, sempre, a inspiração do intérprete. Assim, é óbvio que confiar o menor á guarda, pó-lo sob a tutela, ou permitir que ele seja adotado por um viciado se apresenta como inadmissível.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

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ECA comentado: ARTIGO 19 / LIVRO 1 – TEMA: Convivência familiar
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