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ECA: ARTIGO 33 / LIVRO 1 – TEMA: GUARDA
 
Comentário de Yussef Said Cahali
Universidade de São Paulo
 
 1- Tendo o Código Civil disciplinado a guarda como um dos atributos do pátrio poder (arts. 23, IV, e 384, II e VI do CC 1916; arts.1.566, IV e 1.634, II e VI do CC 2002), durante muito tempo seus textos foram interpretados no sentido de vincular o direito de guarda do menor ao pátrio poder, de tal modo que o titular do pátrio poder teria um direito quase absoluto à guarda do menor; paulatinamente, porém, a partir dos anos 50, este conceito foi sendo abrandado, passando a ser vista a guarda como sendo não da essência, mas apenas da natureza do pátrio poder, a se permitir a concessão da guarda do menor a terceiros mesmo contra a vontade do titular do pátrio poder, se isto melhor atendesse ao interesse do menor.
2. O Código de Menores de 1927 havia-se limitado, a respeito da guarda, ao dispositivo do art. 27: “Por encarregada da guarda do menor entende-se a pessoa que, não sendo seu pai, mãe, tutor, tem por qualquer título a responsabilidade de vigilância, direção ou educação ele, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia”.
O Código de Menores de 1979 substituiu o conceito de guarda por responsável, dispondo, em seu art. 2°, parágrafo único, que “entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação do menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial”, ao mesmo tempo em que procurou disciplinar de maneira mais completa o instituto da guarda (arts. 17, II,19,24 e 25) Coma Constituição Federal
de 1988 assegurou-se, no art. 227, à criança e ao adolescente, como dever da família, da sociedade e do Estado, o direito à “convivência familiar e comunitária”, com a mesma garantia que o direito à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à liberdade.
Daí ter procurado o Estatuto aprimorar o instituto da guarda do menor, buscando tornar efetivo o seu direito fundamental à convivência familiar e comunitária, o que, aliás, antes já havia sido afirmado no art. 19: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária”.
 3. Tem-se ressaltado que a guarda dos filhos não é da essência, mas tão-somente da natureza do pátrio poder; em outros termos, a guarda é um dos atributos do pátrio poder, mas não se exaure nele nem com ele se confunde; em condições tais, a guarda pode existir sem o pátrio poder, como, reciprocamente, este pode ser exercido sem a guarda.
O símile da posse e propriedade é posto em confronto pela doutrina: assim como a posse é o exercício de fato de alguns dos poderes inerentes ao domínio, mas com este não se confunde, assim também a guarda do menor é o exercício de fato de um dos atributos inerentes ao pátrio poder, mas não se confunde com este, podendo ambos, também aqui, ser exercidos concomitantemente por pessoas diversas; o exercício da posse não extingue o direito de propriedade, assim como a concessão da guarda do menor a terceira pessoa não elimina o pátrio poder do respectivo titular.
Também por isso a guarda não se confunde com a tutela do menor, nem o guardião se investe da mesma autoridade que o tutor; enquanto a guarda deferida a terceiros é compatível com a titularidade e o exercício do pátrio poder pelos genitores, diversamente ocorre com a tutela, que, segundo reiterado entendimento jurisprudencial, não pode coexistir com o pátrio poder, provocando, quando menos, a sua suspensão.
4. A guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente (art. 33, primeira parte): a guarda transfere ao guardião, a título precário, o atributo constante do art. 384: I do CC no sentido de que lhe compete dirigir a criação e educação do menor; como também lhe compete exigir que o menor lhe preste obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição (art. 384: VII, do CC); no dever de assistência material do menor sob sua guarda, entende-se que o guardião sujeita-se à obrigação legal de alimentos em favor daquele, sem prejuízo da obrigação de prestá-los o titular do pátrio poder.
5. O art. 33, segunda parte, confere ao detentor da guarda do menor o direito de opor-se a terceiro, inclusive aos pais: transfere-se, assim, ao titular da guarda atributo do pátrio poder constante do art. 384: II e VI, do CC, reconhecendo-se-lhe o direito de ter o menor em sua companhia e de reclamá-lo de quem ilegalmente o detenha; o Estatuto enfatiza a oponibilidade desse direito para compreender expressamente também os pais do menor, o que, de resto, já constituía entendimento assente na jurisprudência.
6. O Direito sempre tomou em consideração certas situações de fato, levando em  consideração, por esse motivo, tembém a “guarda de fato”, capaz de fazer gerar alguns efeitos jurídicos, como se alguém toma a seu cargo, sem intervenção do juiz, a criação e educação do menor; a guarda “jurídica”a que se refere o § 1° do art. 33 destina-se a regularizar essa posse de fato.
7. Embora o § li! do art. 33 se refira à concessão da guarda, “liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção”, é certo que a guardado infante pode ser objeto de simples medida provisória deferida pela autoridade judicante, ao ensejo de abertura do procedimento de colocação em família substituta (art. 167), antecedendo à guarda definitiva (art. 168).
Na interpretação conjunta do citado § 1° com o disposto no art. 165, I,tem-se que o Estatuto não discrimina a pessoa do guardião no que diz respeito ao seu estado pessoal ou familiar; a única restrição diz respeito ao estrangeiro residente ou domiciliado fora do país, ao qual é vedada a guarda ou a tutela, pois, a teor do art. 31, “a colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade de adoção”.
8. O § 2° prevê duas situações a serem consideradas, embora englobadas no mesmo dispositivo.
Na primeira parte o preceito cuida da concessão da guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares, como nos casos de guarda requerida por parentes próximos, com a concordância dos pais;ou da guarda especial, quando inexistente fundamento legal para a suspensão ou destituição do pátrio poder e visando a suprir a falta eventual dos pais ou responsáveis, ou falecidos ou com paradeiro ignorado.
Na segunda parte do preceito insere-se o direito de representação,  como novidade introduzida pelo Estatuto, uma vez que, nos termos do art. 84 do CC, a representação competia exclusivamente aos pais, tutores ou curadores.
Mas esta representação, diversamente do que ocorre com aquela outorgada o titular do pátrio poder, não é plena e geral, mas tem em vista a prática de certos e determinados atos; daí por que deverá a autoridade judiciária especificar quais os atos que poderão ser praticados pelo guardião.
A “representação” a que se refere o texto tem sentido amplo, compreendendo também a “assistência”. 
9. A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.
A referência à condição de dependente previdenciário é apenas exemplificativa, já que a dependência o é “ para todos os fins e efeitos de direito”, assim para efeitos de indenização, no caso de homicídio, a que se refere o art 1.537 do CC, o menor tem sua legitimidade para a ação indenizatória reconhecida por lei.
 
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

 

ARTIGO 33/LIVRO 1 – TEMA: GUARDA
Comentário de Maria Josefina Becker
Assistente Social/Porto Alegre, RS
 
A medida de colocação em família substituta sob a forma de guarda é bastante flexível e oferece alternativas de proteção à criança e ao adolescente em diversas circunstâncias. Não é demais acrescentar que a guarda é uma prática altamente difundida entre as famílias das classes populares, fruto da solidariedade humana existente no seio desses segmentos sociais. E a vizinha que toma conta das crianças enquanto a mãe vai para o hospital, a tia que cuida dos sobrinhos quando a irmã entra em crise, e assim por diante. 
É, também, uma forma provisória de regularização da posse de fato nos casos que culminarão com a tutela ou a adoção da criança ou do adolescente.
A excepcional idade a que se refere o § 2°do art. 3°, para atender a situações peculiares, será tanto mais freqüente quanto menos se organizarem e implementarem programas de assistência à família de baixa renda (v. art. 23). Na prática, a situação econômica precária, embora não seja causa para a perda ou a suspensão do pátrio poder, impede, muitas vezes, pelo menos eventualmente, o exercício efetivo da guarda dos filhos de pais que trabalham todo o dia e não contam com equipamentos comunitários ou públicos, como creches e pré-escolas. Nos casos de desemprego ou subemprego, acresce-se a falta concreta de alimentos e até mesmo de habitação. Não é demais sublinhar que, nesses casos extremos, deve ser dada preferência à guarda por pessoas do grupo familiar ampliado ou do mesmo ambiente cultural e social da família natural, para que se preservem a identidade da criança ou do adolescente bem como seus vínculos com os pais biológicos.
 
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

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