Programas de voluntariado empresariais traçam novos caminhos para manter suas ações diante dos desafios provocados pela Covid-19
A crise causada pelo coronavírus traz uma série de mudanças que afetam o campo social e econômico, e, consequentemente, também a forma com que se organiza o voluntariado corporativo. Segundo dados da Rede de Pesquisa Solidária, 83,5% dos trabalhadores passam por um momento de vulnerabilidade no mundo. Neste cenário, que ainda envolve isolamento social, é preciso rever estratégias para chegar a quem precisa.
No caso do programa de voluntariado que conta com a participação de colaboradores do Grupo Telefônica em 29 países, foi necessário mudar toda a dinâmica, que antes era baseada em ações presenciais, para que todos continuem ajudando. Na Espanha, por exemplo, os colaboradores foram incentivados a se engajar, ao lado de amigos e familiares, em campanhas para entidades como a UNICEF e em doações para bancos de alimentos.
“Aprendemos que a tecnologia pode ser um fator de solidariedade, pois nos permite chegar mais rápido e a mais pessoas, com maior mobilização de recursos”, afirma Carlos Ignacio Palacios, responsável global pelo Programa de Voluntários da Fundação Telefônica Espanha.
Em debate produzido pelo GEVE (Grupo de Estudos de Voluntariado Empresarial), ele reforçou que será preciso romper a barreira digital evidenciada pela pandemia. “Muitos ficarão excluídos por não terem acesso a dispositivos. A digitalização do voluntariado veio para ficar”, complementa.
No Brasil, o Programa de Voluntariado da Fundação Telefônica Vivo chegou, em 2019, a 184 mil pessoas por meio de 19,5 mil voluntários. Este ano, o voluntariado digital está sendo fortalecido por meio, por exemplo, do Game do Bem, plataforma gamificada e colaborativa que disponibiliza missões online em apoio a causas sociais. Ao realizarem as missões, os colaboradores acumulam pontos e moedas virtuais, que podem ser trocadas em ações dentro do jogo. Neste período de pandemia, as missões cumpridas são revertidas em doações para instituições parceiras.
Os colaboradores também podem se inscrever no Portal dos Voluntários para participar de outras ações por meios digitais, como ligações telefônicas a idosos e pessoas com deficiência. Com as visitas suspensas nas instituições, esse contato carinhoso faz muita diferença. Os voluntários são orientados antes de cada participação.
“O grande desafio é criar soluções que façam sentido localmente. O nosso país é muito grande, são realidades e contextos muito diferentes. Há uma necessidade de quebrarmos paradigmas. É importante que a gente escute as pessoas, instituições e nos permitamos inovar”, aponta Luanda de Lima Sabença, gerente sênior de Comunicação e Voluntariado da Fundação Telefônica Vivo.
Para Maria Fernanda Giordani, voluntária no Núcleo Barcelona do Grupo Mulheres do Brasil e na Federación Catalana de Voluntariat Social – instituição que reúne 350 organizações sociais federadas que impactam direta e indiretamente em 80 mil voluntários na região espanhola, é preciso pensar na continuidade depois da crise que estamos vivendo.
“Muitas empresas agiram contra a Covid-19, então, por que não tornar isso uma estratégia permanente? Visão global e ação local também são desafios que temos. Não adianta pegar um modelo baseado em um país ou cidade específica e só replicar, porque cada lugar tem as suas especificidades”, afirma a especialista em administração e terceiro setor.
O voluntariado corporativo em transformação
Em um webinar promovido pelo Conselho de Voluntariado Empresarial (CBVE), uma rede formada por grandes empresas e institutos empresariais da qual a Fundação Telefônica Vivo faz parte, a secretária-executiva Paula Lobo também falou sobre a importância do diálogo.
Para ela, é o momento de erguer pontes entre corporações e sociedade civil na busca de novos arranjos para acelerar caminhos de reconstrução. “Diante da urgência humanitária, é necessário fortalecer os mais vulneráveis e não só no enfrentamento da doença, mas também das consequências socioeconômicas que isso tudo deixará de legado por alguns anos”, declarou a executiva.
O evento intitulado Pela voz das favelas e periferias: como o voluntariado corporativo pode fortalecer o enfrentamento à Covid-19 abriu espaço para discutir o que está sendo feito no campo social e como empresas podem repensar caminhos para promover ações voluntárias relevantes em meio a tantas mudanças.
O bate-papo teve como protagonistas Preto Zezé, rapper, ativista, empreendedor e presidente global da CUFA (Central Única de Favelas), e Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis e coordenador nacional do G10 Favelas.
União e mobilização permanente
“Não temos um retrovisor para olhar o que já aconteceu de parecido na história e agora convivemos com a incerteza para planejar a longo prazo”, afirma Preto Zezé, da CUFA, presente em todos os Estados brasileiros e em 17 países, que atua pelo empoderamento de territórios e pauta parcerias com o setor privado há mais de 20 anos.
Para o gestor, as empresas têm um papel importante ao tirar a periferia da invisibilidade e podem continuar auxiliando com mobilização permanente e dando escalabilidade às ações.
Iniciativa e protagonismo nos territórios
Durante, a pandemia, as sedes da CUFA tornaram-se centros de distribuição com mais de 100 mil pessoas construindo pontes com quem precisa, sendo que já foram movimentados cerca de R$ 100 milhões em diversas formas de transferência de renda, como o projeto Mãe das Favelas, voltado para mulheres.
Já em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, o G10 Favelas criou o conceito de presidente de rua, em que um morador voluntário que fica responsável por cuidar de 50 famílias com o objetivo de mapear necessidades e fazer os recursos chegarem a todos. A ideia já foi replicada em Manaus, no Pará e no Rio, em comunidades como Rocinha e Morro do Alemão.
“Só reduzimos desigualdades ampliando oportunidades. O desafio agora para o voluntariado está na presença e mobilização, pois estamos em isolamento social e vamos ter de inovar nessa prática. Queremos manter essa parceria entre sociedade civil e setor privado”, pontua o presidente global da CUFA.
Gilson Rodrigues, do G10 Favelas, lembra que o cenário, antes marcado por otimismo e investimentos, decaiu com a pandemia e evidenciou antigos problemas, como a falta de acesso a saneamento básico e à alimentação. “As pessoas e os voluntários têm tomado as rédeas da pandemia. Sem a sociedade civil organizada, a situação estaria pior”, acredita.
Para Preto Zezé também é o momento de pensar em inovação com foco no social. Ele lembra que uma das maiores necessidades neste momento é viabilizar a educação a distância em lugares em que o acesso a computadores e à internet é restrito.
“Teremos de desenvolver tecnologia juntos, transformar as coisas juntos. Como faremos para desenvolver expertise, sistematizar o uso da tecnologia para podermos aplicar ações em grande escala? É um momento de muito aprendizado e união também”, conclui.