A maior avaliação de estudantes do mundo mostra que o Brasil está estagnado entre os países com o pior nível de educação básica. O que podemos aprender com isso?
O Brasil está estagnado entre os piores índices de aprendizado medidos pelo Pisa 2018, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes. Os dados divulgados na última terça-feira (03) mostram que 43% dos estudantes brasileiros não aprendem o básico em Leitura, Matemática e Ciências.
Conduzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a cada três anos, a última edição do maior exame de estudantes do mundo foi realizado por 78 países e regiões.
Cerca de 11 mil estudantes brasileiros com idades entre 15 e 16 anos, de escolas públicas e privadas de todo o país, participaram do Pisa 2018. No ranking mundial, o Brasil ocupa as posições 57º em Leitura, 70º em Matemática e 64º em Ciências.
Em Leitura, 50% dos alunos não atingem o nível de proficiência mínimo. Em Ciências e Matemática a porcentagem aumenta para 55% e 68%, respectivamente. Na outra ponta, apenas 2% dos brasileiros atingiram os níveis mais altos de proficiência em pelo menos uma das disciplinas avaliadas (a média de países da OCDE é de 16%).
Na prática, isso significa que a maioria dos estudantes brasileiros não consegue compreender a leitura de textos longos, lidar com conceitos abstratos e diferenciar fatos e opiniões. Também não resolvem problemas matemáticos complexos e não são capazes de mobilizar de forma criativa seus conhecimentos sobre Ciências para as situações do dia a dia.
Na avaliação de Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, os resultados do Brasil no Pisa 2018 refletem a dificuldade de criar novas políticas educacionais e reorientar as já existentes. O descumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE) é outro fator determinante, uma vez que é um importante instrumento de planejamento educacional.
Ele defende, porém, que o Pisa é um critério limitado para uma avaliação da qualidade mais certeira. “O melhor seria o Sinaeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), que analisa não só a aprendizagem dos estudantes, mas também as condições de oferta do ensino e a localidade das escolas. Instituições de ensino localizadas em bolsões de violência, por exemplo, não conseguem entregar bons resultados”.
Os quatro tópicos abaixo foram formulados a partir de resultados extraídos do Pisa 2018 e ajudam a pensar a educação brasileira para encontrar caminhos que melhorem os índices de aprendizagem dos estudantes. Acompanhe:
Investimento no professor é prioritário
Quem ocupa o topo do ranking do Pisa 2018 tem em comum alto grau de profissionalização e prestígio da carreira dos professores.
“Os países que mais avançam em termos de aprendizagem são aqueles que optaram por uma estratégia que centraliza o investimento no professor. É ele o principal determinante da qualidade do ensino”, avalia Priscila Cruz, presidente do Todos pela Educação.
Por exemplo, Singapura, o segundo colocado, oferece salários competitivos e status privilegiado na sociedade, o que é fundamental para atrair e reter talentos.
Em entrevista ao G1, Camila de Moraes, analista de Educação da OCDE, avalia o quadro na mesma direção: “após entrarem na carreira, os professores têm acesso a desenvolvimento profissional contínuo. Além disso, existe uma cultura forte de mentoria, com professores mais experientes ensinando e motivando os mais novos”.
O peso da desigualdade socioeconômica
A variação de desempenho entre estudantes de diferentes contextos sociais, escolas e regiões foi também avaliada pelo Pisa 2018. Em todos os países que participaram do exame, o status socioeconômico teve influência no desempenho em Matemática e Ciências. No Brasil, esse fator explicou 16% da variação entre os piores e melhores alunos.
Em Leitura, os alunos de nível socioeconômico mais alto superaram os mais pobres em 97 pontos. Entre 2009 e 2018, a distância geral entre o desempenho dos mais ricos e dos mais pobres aumentou em 13 pontos, provando que a falta de equidade é ainda um grande desafio.
A boa notícia é que cerca de 10% dos estudantes de baixa renda conseguiram pontuar entre os índices mais altos do desempenho em Leitura, prova de que a desvantagem econômica não determina o destino dos estudantes.
Contudo, é fundamental insistir em políticas públicas que reduzam as desigualdades e incentivem os estudantes a seguirem com os estudos. O relatório da OCDE mostrou ainda que 1 em cada 10 alunos do grupo de alto desempenho e baixa renda não tem expectativa de concluir o ensino superior. Em relação aos estudantes de maiores níveis socioeconômico, o número muda: apenas 1 em cada 25 estudantes não deve concluir o ensino superior.
Ambiente escolar influencia o desempenho
O Brasil só perde para a Argentina no critério indisciplina em sala de aula. Em um webinário sobre o relatório do Pisa 2018 promovido pela Jeduca, em parceria com a OCDE, a especialista Camila Moraes comentou sobre isso:
“Este índice está relacionado ao bem-estar dos alunos. No Brasil, a diminuição de uma unidade no índice de indisciplina está associada a um aumento considerável nos níveis de leitura”, apontou.
Cerca de 40% dos estudantes brasileiros relataram que durante as aulas o professor precisa esperar muito tempo para que os alunos se acalmem. 57% disseram que os estudantes competem entre si e 13% concordam que se sentem sozinhos na escola.
O bullying é também elevado por aqui: 1/3 dos estudantes relata que já sofreu esse tipo de agressão e 85% consideram importante ajudar os colegas que não sejam capazes de se defender.
Senso de pertencimento e cooperação entre os alunos foram relacionados à maior propensão a sentimentos positivos em todos os países avaliados. A baixa prevalência desses fatores nas escolas brasileiras pode ajudar a explicar os números de bem-estar do Brasil, assim como a falta de comprometimento com os estudos: 50% dos estudantes faltaram pelo menos um dia e 44% chegaram atrasados às aulas na quinzena que antecedeu o Pisa 2018.
“Sabemos que alunos que sofrem bullying, por exemplo, tendem a faltar mais às aulas. Com isso, perdem conteúdo e confiança para realizar os testes”, complementa Camila Moraes.
É preciso superar a disparidade de gênero
Alcançar equidade de gênero na educação é um desafio para todos os países que realizaram o Pisa 2018. Enquanto meninas pontuam melhor em Leitura, meninos se destacam em Matemática.
Entre os estudantes brasileiros, as meninas superaram os meninos em 26 pontos em Leitura. Já os meninos tiveram 9 pontos a mais do que as meninas em Matemática. Em Ciências, os dois grupos tiveram desempenhos semelhantes.
Entre os alunos de alto desempenho em Matemática ou Ciências, cerca de 1 a cada 3 meninos espera trabalhar como engenheiro ou cientista aos 30 anos. Em relação às meninas, o número é de 1 para 5.
Vale pontuar que em quase todos os sistemas educacionais do mundo, incluindo o do Brasil, as meninas expressam maior medo do fracasso do que os meninos. Essa diferença de gênero foi consideravelmente maior entre os estudantes com melhor desempenho escolar.