Conheça o trabalho de voluntariado executado para preservar a linguagem da população indígena e como isso influencia na melhoria da qualidade de vida.
O ensino na língua nativa é essencial para a manutenção e sobrevivência da cultura guarani em São Paulo.
Dentro da casa de reza da aldeia Tekoá Pyau, em São Paulo, quase não se escuta o som das crianças que brincam lá fora. O educador Tupã Mirim, antes de começar a entrevista, debate com os outros líderes sobre o que irá falar em sua língua guarani. Quando fazemos a primeira pergunta, sobre como se formou a aldeia, ele abre um sorriso tímido e avisa que a resposta será longa. Contar a história de sua aldeia é falar também da trajetória dos indígenas no Brasil.
Calcula-se que na época da colonização portuguesa, o número de línguas indígenas faladas ultrapassava a casa dos mil. Hoje, são cerca de 150 as que resistem, constituindo-se como oralidade de uma cultura que luta contra a delapidação e destruição de seus costumes. A educação jesuíta dos portugueses também contribuiu para minar os processos de aprendizados próprios dos povos nativos. Quando catequizavam, não respeitavam sua religiãoe nem suas tradições, impondo os preceitos da religião católica.
Mais de meio século depois, ainda são lentos os passos para a preservação das línguas indígenas. Mesmo sendo consideradas patrimônios imateriais pela UNESCO, elas só podem sobreviver se continuarem a ser faladas. Em São Paulo, terra dos guaranis, a resistência se faz por meio da educação. Preocupados em preservar sua fala e cultura para as gerações vindouras, as lideranças das aldeias Krukutu, Tekoá Pyau e Tenondé Porã projetaram os CECI, Centro de Educação e Cultura Indígena: “É bonito ver nossas crianças falando a língua guarani, valorizando seu sangue”, diz Tupã Mirim.
Todas, a partir de 10 dias de idade, já estão automaticamente matriculadas na escola, que fica também dentro da aldeia. Meninas e meninos de cabelos pretos e pés descalços começam suas rotinas escolares com uma cerimônia dentro da casa de reza, que é o canto das crianças. Logo depois são divididos em grupos pelos educadores para aulas de manejo de arco e flecha, reconhecimento de plantas, artesanato tradicional e também informática. Elas são ensinadas em outro tempo, priorizando a oralidade, com todas as atividades realizadas na língua guarani.
“A nossa língua mostra a identidade da nossa população. Temos que valorizar cada aspecto da nossa cultura. Não podemos nascer índio e depois seguir só pelo conhecimento do branco, sendo que na veia corre o sangue indígena. Aqui, a gente ensina nossas crianças a não serem melhores uma que as outas, mas valorizar o seu próximo, trabalhar juntos e pela comunidade”, explica Tupã. Para ele, a escola não é só o CECI Jaraguá e sim todo o território da aldeia. Fazem parte do aprendizado também as orações, as brincadeiras e as histórias contadas pelos mais velhos.
A grande preocupação dos líderes é que a educação contempla apenas as crianças de até seis anos. Depois, elas são encaminhadas para escolas públicas fora da aldeia, o que pode ocasionar um grande choque cultural. Daniel Puri Righi, coordenador do CECI Jaraguá, explica que a criação do CECI incitou o desejo de que a educação indígena seja estendida a todas as idades. É um processo complexo, pois enquanto os CECI são geridos por órgãos municipais, a criação de EMEF seria uma questão orçamentaria do governo do Estado.
O caminho para a melhora da educação indígena é a autonomia. Daniel está trabalhando para que cada vez mais sejam os indígenas da comunidade quem gerenciem a escola. Quando ouvimos as crianças respondendo a um bom dia com um jaVY ju, saudação guarani, ou sentadas em roda com os dedos trançando cestas, estamos olhando para uma persistente resistência. Cada língua é um universo, cada aldeia também e sua sobrevivência depende da sua independência e do orgulho com que Tupã Mirim nos diz que, apesar de não ter dinheiro e nem carro, não há nada que o alegre mais do que ser índio.