Inovação educativa, trabalho socioemocional e proteção de dados na escola foram alguns dos principais assuntos discutidos por participantes do maior congresso de educação e tecnologia da América Latina.
O Bett Educar, o maior congresso anual de educação e tecnologia da América Latina, lançou luz ao tema Construindo a educação que o Brasil precisa. A edição de 2019 levou gestores, educadores e visitantes a refletirem sobre inovação educativa, cultura maker, proteção de dados e uso da tecnologia para proporcionar novas experiências de ensino e aprendizagem.
Realizado em São Paulo, o congresso aconteceu de 14 a 17 de maio e contou com mais de 22 mil participantes do setor educacional todo o Brasil. A seguir, confira cinco temas que emergiram das discussões da Bett Educar 2019:
1 – A educação do século XXI é uma evolução do que conhecemos
Doutor em educação e coordenador da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, o norte-americano Tucker Harding desmistificou a ideia de que a educação no século XXI é diferente de tudo o que vimos até agora. Segundo ele, compartilhamento entre pares, novos espaços de ensino e cultura mão na massa são conceitos há muito tempo validados por especialistas.
“É um aprimoramento daquilo que descobrimos no século XX. Durante muito tempo nós colocamos limites artificiais para o desenvolvimento humano e começaram a estudar maneiras de reverter isso”, declarou Tucker à plateia.Ele recorre à História para lembrar que as grandes transformações da sociedade foram acompanhadas por mudanças na comunicação, que passou de oral à escrita, passou pela prensa, o telégrafo, o rádio, a televisão e, finalmente, chegou à internet.
O especialista reforçou a necessidade de reflexão sobre que tipo de pessoa emerge de um modelo educacional intermediado profundamente pela tecnologia, pela internet e por computadores. “Nós temos uma oportunidade de aprendermos mais sobre nós mesmos, de estabelecermos mais conexões com a vida, de encontrar formas de se desenvolver mais e se tornar um cidadão melhor”, diz Tucker Harding.
2 – Na era do algoritmo, ter senso crítico é indispensável
Já parou para pensar como o Google elenca os resultados de pesquisa? Como o Netflix sugere filmes, ou como o Facebook indica publicidade de forma personalizada? As implicações de ter a vida mapeada pela tecnologia também foram tema da Bett Educar.
Os algoritmos comandam as tecnologias desenvolvidas hoje em dia e carregam um determinado conjunto de valores e finalidades. “Quando a gente começa a confiar no algoritmo para resolver problemas e guiar decisões, temos que, no mínimo, conhecer muito bem o funcionamento e a lógica por trás dele”, afirmou Lúcia Dellognelo, diretora-presidente do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), no painel Currículo Referência em Tecnologia e Computação na Educação Básica.
O alerta da especialista é para que professores e, principalmente estudantes, aprendam a fazer uso crítico da tecnologia: “Os nativos digitais, nossas crianças, são basicamente consumidores de tecnologia, não sabem como ela influencia em suas decisões, na sua participação em sociedade e até no diálogo democrático. Isso é grave!”.
Luciano Meira, professor na Universidade Federal de Pernambuco e colaborador do C.E.S.A.R. (Centro de Estudos e Sistemas Avançados de Recife), fez alerta parecido no painel Novos cenários de aprendizagem para um mundo em transformação digital.
“A valorização da cultura digital tem que estar fundada em processos humanísticos. É essencial fazer mergulhos digitais, ou seja, aprender como funcionam os artefatos e os serviços da cultura digital. Você já sabe que seu telefone escuta você, mas como ele lhe escuta? Precisamos abordar isso na escola”, declarou Luciano Meira.
3 – A escola tem de discutir proteção de dados
Em agosto de 2018, o Brasil passou a integrar o grupo de países que contam com uma legislação específica para a proteção de dados e da privacidade de seus cidadãos. Mas o que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) tem a ver com a escola? Este foi o tema da palestra de Juliana Abrusio, doutora em filosofia do direito e advogada da Opice Blum, que atua na área do direito digital.
Juliana Abrusio, doutora em filosofia do direito e advogada da Opice Blum, que atua na área do direito digital explicou que a lei enquadra escolas como agente de tratamento de dados pessoais, uma vez que lidam com o recolhimento, acesso e armazenamento de dados de alunos, famílias e funcionários. “O tratamento de dados de criança e adolescente é ainda mais sensível e exige um cuidado maior sobre a finalidade e o uso”, explica Juliana.
A discussão chega num momento em que a inteligência artificial é cada vez mais usada para identificar pessoas, mesmo que desejem permanecer anônimas, descobrir informações confidenciais e tomar decisões a partir da coleta de dados.
A advogada reforça que a partir de agosto de 2020, quando a lei entrará em vigor, as escolas precisarão estar preparadas para usar os dados de maneira responsável. “Por isso, é bom começar agora o mapeamento de dados para levantar riscos e lacunas para se adequar à lei”.
4 – A tecnologia deve ajudar a diminuir desigualdades
A preocupação com as desigualdades que podem ser aprofundadas pela tecnologia é latente. Na mesa Como transformar a escola convencional em inovadora, o professor José Moran, orientador de projetos de transformação da educação com metodologias ativas e modelos híbridos, afirma que estamos criando dois Brasis: um com condições financeiras e de infraestrutura para acompanhar mudanças na educação e outro, sem.
A observação também foi feita pela especialista do CIEB: “Nós estamos criando uma nova desigualdade entre os que podem usar tecnologia de forma livre e aqueles que têm uso restrito. A escola deve promover equidade”, disse Lúcia Dellognelo.
Além de investir em conectividade e no ensino da cultura digital, é preciso que os educadores mudem o mindset. “O mundo atual procura por educadores que apoiam a experimentação e o erro, que trabalham com o compartilhamento de práticas, que dividem dificuldades de aprendizagem e ensino e contam como foram superadas”, complementa José Moran.
5 – Como ajudar adolescentes a carregarem seus elefantes
A prevalência de males ligados à saúde mental de adolescentes está aumentando consideravelmente, agravada por uma sociedade baseada em número de likes, seguidores e medida por rankings. A situação foi explorada no painel Cérebro adolescente: potências e fragilidades, realizado pela neurocientista Carla Tieppo.
A especialista falou sobre a janela de vulnerabilidade que se abre aos mais jovens. “Nossos adolescentes estão no mundo com o pé atrás. Se por um lado eles têm uma motivação para correr riscos, buscar novos desafios, por outro, tudo o que vivem é marcado por situações de muita insegurança. Eles têm medo do julgamento da rede social, da violência, da discriminação, de ser quem são”, alerta.
Para Carla, é possível aproveitar esse quadro de maneira positiva e aprender com novas experiências emocionais. Para isso, contudo, é preciso afastar o preconceito em demonstrar emoções e estimular processos de autoconhecimento a partir dos 12 anos.
“Em vez de ter emoções controladas, a criança e o adolescente precisam ser estimulados a entender o sentem, como sentem, por que sentem e discutir isso com seus pares, pais e educadores”, incentiva Carla Tieppo.
Como fazer isso? A neurocientista usou a metáfora da criança que carrega seu próprio elefante, símbolo da potência emocional: “Promovam nos seus alunos o encontro com suas emoções. Proponham que cada um leve seu elefante para passear, que se tornem íntimo dele com conversas ao pé do ouvido. Pode ficar triste, feliz, brincar, chorar, mas o mais importante é estar o tempo todo com seu elefante”.
A Fundação Telefônica Vivo também participou da Bett Educar 2019 com o workshop para gestores O Futuro Chegou: por uma educação mais inovadora.
Além disso, no painel A formação do profissional do futuro: o que já conseguimos e quais os próximos desafios, Mila Gonçalves, gerente de programas sociais, apontou caminhos para a inovação educativa.
“É preciso arriscar, acreditar, imaginar futuros possíveis, ter resiliência, tirar do erro a aprendizagem. O medo da crítica impede que a gente proponha o diferente. O Brasil precisa de confiança”.