Andrew Meltzoff, codiretor do Institute of Learning and Brain Sciences em Seattle, diz que a criança é capaz de assimilar os preconceitos que afetam seus sonhos sobre o futuro.
As evidências científicas sinalizam que as primeiras experiências de vida nos ajudam a determinar o adulto que seremos. Essa afirmação foi feita pelo psicólogo americano Andrew Meltzoff, codiretor do Institute of Learning and Brain Sciences da Universidade de Washington (EUA), em entrevista durante a sua participação no enlightED 2019, evento de educação realizado em outubro de 2019, em Madri, na Espanha, onde falou sobre os estereótipos sociais que afetam as crianças na primeira infância.
Segundo ele, que é uma das maiores autoridades mundiais no estudo da infância, a criança aprende sobre si mesma por meio da observação e da interação com outras pessoas, de maneira que o cérebro é profundamente afetado pelas interações sociais e físicas. “Em uma sociedade que diz que matemática é mais para meninos, é natural que as meninas se sintam menos conectadas com as disciplinas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia, Matemática) antes mesmo de começarem a calcular”, afirma Andrew.
Pesquisas demonstram que julgamentos e preconceitos já podem ser assimilados a partir dos 15 meses de idade. Uma delas, realizada na Universidade de Washington, constata que 70% das meninas de dois anos de idade já assimilaram a ideia de que garotos se dão bem com matemática ou ciências, e garotas não.
“Combater os estereótipos é importante para que as crianças não os interiorizem de modo que sua aprendizagem, seus desejos e sonhos sejam afetados. O papel dos pais, dos professores e da sociedade é mostrar que elas podem ser boas naquilo que quiserem”, acredita o especialista.
Conte um pouco sobre as pesquisas que o Institute of Learning and Brain Sciences desenvolve e o que elas dizem sobre os estereótipos.
Andrew Meltzoff: Fazemos dois tipos de pesquisa que são muito interessantes: uma é sobre educação em idades escolares das crianças e a outra é sobre o desenvolvimento cerebral durante os três primeiros anos de vida. Nessa primeira pesquisa, nosso trabalho sobre educação parte de uma premissa de que meninos são bons para matemática, engenharia e física e meninas são boas em literatura ou em artes. É fascinante como esse estereótipo entra na cabeça das crianças e fica marcado na mente delas.
Nós descobrimos que a partir do segundo ano escolar, as crianças já acreditam nisso, o que acaba influenciando o senso de identidade delas e do que podem ser no futuro. Por isso, é muito importante estudar estereótipos sociais sobre disciplinas acadêmicas e como eles afetam nossas crianças.
E quais são os principais efeitos desses estereótipos para as crianças?
Andrew Meltzoff: Eles afetam a aprendizagem, os desejos e sonhos delas. Isso é especialmente relevante nas meninas, pois acaba persuadindo algumas delas a não cursar as disciplinas STEM porque sentem que não pertencem a essas áreas. Estamos interessados em como mudar isso.
Por que o senhor acredita que a formação em STEM ainda é escassa?
Andrew Meltzoff: Existem muitas razões, algumas relacionadas à educação e às habilidades. Existe um estereótipo que trata de uma inteligência natural, que você nasce bom para estudar essas disciplinas, que você precisa ser brilhante. E, na verdade, é possível aprender a ser bom em STEM, estudando e com tarefas práticas. Mas como existe esse modelo mental de que você precisa ser um Bill Gates, um Mark Zuckerberg. Os estudantes acham que não vão atingir esse modelo e pensam “eu não sou essa pessoa”.
Quando os estudantes querem ser médicos, advogados ou jornalistas, eles pensam: eu posso ir à escola e aprender, trabalhar, ser bem-sucedido. Mas quando eles pensam em STEM, é diferente, não se trata de educação, eles pensam “eu nasci bom nisso?”. Precisamos mudar essa perspectiva.
Quais os caminhos possíveis para começar essa mudança de mentalidade?
Andrew Meltzoff: Na psicologia trabalhamos com os termos “conserto de mindset” ou “crescimento de mindset“. O primeiro significa que você acredita que só é bom em algo se nasceu para isso. Já o segundo significa que você está aberto a novas experiências e a aperfeiçoar suas habilidades. Precisamos mudar o mindset das crianças sobre STEM. Você não precisa nascer bom pra ser um programador, você pode aprender a programar, pode ser educado para isso.
Outra coisa que está mantendo as crianças distantes de STEM é a ideia de que essa área não é social. Eles pensam na imagem do programador, homem, sozinho, trabalhando em casa. Na verdade, ser bem- sucedido nessa área envolve colaboração, comunicação, resolução de problemas em equipe. Mas os estudantes não sabem disso e precisamos ajudá-los a entenderem que essa pode ser uma profissão sociável, e que inclusive pode ajudar outras pessoas. A aprendizagem STEM é muito importante, mas os alunos precisam estar entusiasmados com isso. Eles precisam pensar: “eu pertenço à STEM”.
Quais são as iniciativas mais inovadoras que vocês estão estudando nesse momento?
Andrew Meltzoff: Descobrimos que meninas e meninos podem se interessar muito por matemática antes do primeiro ano do fundamental, se pensarem que é uma prática mais social. Criamos algumas equipes e dissemos que elas poderiam fazer parte daquele time. E quando medimos quanto tempo elas precisam para resolver problemas, mesmo que falhem e persistam por muito mais tempo, elas entendem que fazem parte de um grupo.
Um segundo programa que desenvolvemos mostra às meninas que elas podem programar em seus smartphones. Construímos um robô e fizemos um caminho que esse robô poderia percorrer. O que descobrimos é que quando começamos com as meninas de seis anos e do primeiro ano do fundamental, elas dizem: “Apenas meninos fazem robôs. Eu não posso programar, eu sou apenas uma garota”. Mas mostramos que elas podem usar o smartphone para fazer o seu robô de estimação se mexer e atingir certos objetivos. As garotas ficaram muito empolgadas, elas queriam testar, elas sorriram. Portanto, acreditamos que ter uma experiência inicial com STEM, mesmo no primeiro ano do ensino fundamental, pode mudar a trajetória do interesse das crianças por essa área e ajudar a derrotar alguns desses estereótipos sociais.