Dona Eda Luiz é exemplo do potencial transformador de um pedagogo na sociedade e sua trajetória mostra como dá para melhorar práticas pedagógicas
“Fui professora durante 35 anos de todos os níveis escolares e de várias disciplinas. Quando tive o desafio de participar de um programa de educação para jovens e adultos, fui fazer pedagogia”. Foi assim que surgiu a pedagoga Eda Luiz, hoje uma referência na área e grande responsável pelo projeto educacional do CIEJA Campo Limpo, escola de Ensino Fundamental da rede municipal, localizada na periferia de São Paulo e fundada em 1998.
“Tinha apenas magistério e fui estimulada a fazer pedagogia para assumir o projeto. Já tinha um olhar diferenciado para o ensino, mas a oportunidade surgiu mesmo com esse programa”, relembra. No projeto, dona Eda Luiz foi responsável durante cinco anos pelos setores pedagógico e administrativo do estabelecimento. “Foi interessante incentivar uma gestão diferente”, afirma.
Mas qual é o trabalho de um pedagogo? As possibilidades são amplas e atuar na área administrativa é apenas uma delas, segundo a atual presidente do Conselho da Associação Cidade Escola Aprendiz.
Apesar de boa parte estar em escolas, pedagogos e pedagogas (elas são maioria nos cursos) têm a possibilidade de trabalhar na assistência à comunidade, em empresas e, inclusive, em hospitais, auxiliando na execução de projetos educacionais, sociais e culturais.
A seguir, dona Eda Luiz fala sobre sua trajetória, explica as diferenças entre pedagogo e professor e traz exemplos de práticas pedagógicas que fizeram a iniciativa do CIEJA Campo Limpo, que também integrar o Movimento de Inovação na Educação – apoiado pela Fundação Telefônica Vivo, ser reconhecida pela UNESCO como referência mundial em educação.
Quando e como começou sua trajetória como pedagoga?
Dona Eda Luiz: Fui professora durante 35 anos de todos os níveis escolares e de várias disciplinas. Quando tive o desafio de participar de um programa de educação para jovens e adultos, fui fazer pedagogia para assumir o projeto.
Já era formada em Artes, e a pedagogia viria para complementar meu cargo de coordenadora pedagógica e geral no CIEJA. Durante 5 anos cuidei do lado administrativo e do lado pedagógico. Foi interessante incentivar uma gestão diferente de jovens e adultos, pois demanda um olhar específico para adolescentes, adultos e idosos.
Não se pode repetir para eles o que fazemos no Ensino Fundamental para crianças. Fizemos algo bem diferenciado. Tudo de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases. Conseguimos fazer dar certo: o CIEJA tem hoje 1.752 alunos que estudam em três turnos diferentes (manhã, tarde e noite).
Qual seria a melhor definição para um profissional de pedagogia?
Dona Eda Luiz: As pedagogas têm formação em curso de Pedagogia e podem atuar em escolas, empresas, hospitais, projetos sociais… São responsáveis pelo processo educativo em diferentes fases da vida, níveis e modalidades. Pedagogo é o profissional especializado em educação que atua em processos relacionados ao ensino e aprendizagem, um especialista em educação que associa o aprendizado às questões sociais e à realidade em que o estudante se encontra. Dessa forma, o pedagogo contribui para o processo de ensino e de aprendizado, fortalecendo a construção do conhecimento, servindo de apoio ao professor.
Quais são as diferenças entre pedagogos e professores?
Dona Eda Luiz: Pedagogos e professores são responsáveis pelo processo educativo. Porém, no caso da pessoa que é pedagoga, além de poder atuar como professora na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, pode também ocupar cargos administrativos, como coordenadora pedagógica – responsável por orientar, acompanhar e construir coletivamente o Projeto Político Pedagógico de uma unidade escolar.
Além dessa possibilidade de atuação, quais outras oportunidades de trabalho um pedagogo tem no ambiente escolar?
Dona Eda Luiz: A pedagoga pode trabalhar em escola pública e particular como professora, dando aulas na Educação Infantil e do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Também é possível atuar como gestora administrativa, orientadora educacional, coordenadora pedagógica e também na assistência à comunidade. Já em empresas e hospitais, por exemplo, podem ser responsáveis pelos projetos educacionais, sociais e culturais.
Como a pedagogia influencia o dia a dia de uma escola?
Dona Eda Luiz: Os pedagogos são responsáveis pelo cuidado e gestão de material pedagógico, pelo planejamento da rotina escolar, atua também no atendimento aos alunos, comunidade escolar e parceiros e ainda na formação de professores.
De que forma o CIEJA Campo Limpo inovou seus conceitos pedagógicos?
Dona Eda Luiz: Primeiro, é uma escola de portões abertos, literalmente. O portão abre às 7h e fecha somente às 23h. Todas as pessoas podem usar os espaços coletivos, como biblioteca e laboratórios de informática, além de frequentar cursos livres que oferecemos.
Em relação à aprendizagem, temos módulos que reúnem alunos que tenham níveis de conhecimento equivalentes, com base em suas trajetórias pessoais e aprendizados anteriores. Também trabalhamos com uma proposta construtivista na qual os alunos trazem questionamentos, os professores agregam seus conhecimentos e, ao final, os alunos apresentam pesquisas e resultados que respondem aos questionamentos anteriores.
Procuramos acolher os estudantes e entender sua relação com a comunidade. Atuamos com parceiros para resolver as questões que se apresentam na escola, afinal ela recebe diversas demandas e não consegue resolver sozinha. Com parcerias, conseguimos fazer coisas interessantes, trabalhando ideais de um bairro educador.
Atuamos ainda na formação e desenvolvimento de professores. Semanalmente, nos reunimos para dividir as alegrias, dúvidas e medos dos profissionais. Também reunimos todos da escola, desde funcionários até parceiros, docentes e alunos, semanalmente, para conversar. Temos o café terapêutico, onde discutimos inclusão com pais, alunos e simpatizantes. Temos cursos de gastronomia, de formação de pensadores e várias outras áreas de conhecimento. Debatemos em rodas de conversa temas como a questão indígena, de gênero, étnico-racial, animal… Temos várias ações que acontecem diariamente.
Por que o CIEJA é considerado um exemplo para pedagogos?
Dona Eda Luiz: O principal do CIEJA é que ele está atento à realidade local e ao território. Além disso, produzimos conhecimento, não só reproduzimos. Os alunos precisam produzir para ter a chance de pensar na transformação de sua realidade.
Lá dizemos que é tudo junto e misturado, já que problemas da escola e de fora da escola estão interligados. Logo, produzimos ideias e soluções para os problemas da realidade. Matérias como Matemática, Artes ou História são apresentadas de um jeito que possam contribuir para a resolução de problemas e no atendimento às necessidades dos alunos.
O que precisa mudar para que pedagogos e educadores possam trabalhar melhor em suas áreas de atuação?
Dona Eda Luiz: Normalmente, a queixa dos pedagogos é que eles apenas “apagam incêndios”. Resolvem problemas da direção e do comportamento dos alunos em vez de focar na formação dos alunos e na qualidade do ensino e aprendizagem.
Os problemas que surgem nas escolas públicas não deveriam ser tratados apenas pelos pedagogos. O profissional precisa ter a chance de focar totalmente no ensino e na aprendizagem de cada um dos estudantes.
Existem práticas pedagógicas consideradas ideais para um pedagogo trabalhar?
Dona Eda Luiz: O pedagogo e a escola inteira precisam ter claro que esse profissional será quem respeitará a aplicação do projeto político-pedagógico da escola. Ele precisa acompanhar isso. Também deve acompanhar as dificuldades dos alunos para perceber o que está acontecendo que pode atrapalhar a aprendizagem.
Não deve se afastar da execução do planejamento pedagógico e de sua avaliação posterior. O pedagogo é quem avaliará se o que foi planejado deu certo ou errado.
Quais outros pedagogos podem ser exemplos para outros profissionais?
Dona Eda Luiz: Paulo Freire [mundialmente reconhecido pelo método de alfabetização de adultos e pela visão de que educação é conscientizar o educando], Darcy Ribeiro [que defendeu a educação de qualidade e a escola pública democrática, destacando-se também pela atuação com indígenas] e Maria Nilde Mascellani [que atuou pela integração entre escolas e território, com um olhar atento da educação para as potencialidades de cada sujeito, além de ser responsável pelo desenvolvimento de práticas pedagógicas consideradas inovadoras ainda hoje].
Se cada pedagogo acreditar que a educação é transformadora, as coisas já começarão a mudar, é só não desanimar.