Estudo Juventudes e Conexões aponta que jovens não se sentem representados por formas tradicionais de participação social e acreditam que a comunicação na internet está marcada por agressividade e opiniões radicais
A tecnologia se apresenta como importante ferramenta de busca de informações e de contato com pessoas que têm interesses em comum para participar da sociedade. Ao mesmo tempo, é um ambiente que acirra a agressividade e agrava opiniões radicais.
Essas são algumas conclusões apontadas na 3ª edição do estudo Juventudes e Conexões, Iniciativa da Fundação Telefônica Vivo e realizado pela Rede Conhecimento Social em parceria com o IBOPE Inteligência. Foram ouvidos 1.440 jovens internautas de 15 a 29 anos, de todas as classes sociais e todas as partes do Brasil.
A pesquisa é dividida em quatro eixos temáticos, sendo um deles a participação social, na qual os jovens consultados tem uma compreensão bastante ampla que envolve: ser ativo em projetos e ações para ajudar a comunidade, fazer doações, lutar por direitos humanos ou dos animais, ser voluntário em projetos sociais ou ações em comunidade e compartilhar informações nas redes sociais.
E, apesar de considerarem esse um tema pouco debatido entre eles, ao serem provocados, revelam práticas relacionadas à participação social em lugares como grupos religiosos, ações voluntárias e doações não financeiras de roupa, alimento ou doações de sangue.
As redes sociais, bem como vídeos e canais online, são apontados como fontes de informação para 32% e 17% dos entrevistados, respectivamente, firmando o meio digital como referência para disseminação de pautas,notícias, eventos e ideias.
No entanto, se a internet facilita a comunicação e o acesso ao conhecimento, os jovens entrevistados pela pesquisa acreditam que é no universo off-line que devem ocorrer debates e trocas de opiniões, já que o ambiente virtual também é um cenário de acirradas discussões e polarizações de opiniões.
Poucos veem a internet como o melhor meio para manifestar opiniões. Além disso,aumentou a percepção de que a internet influencia de forma negativa o nível de agressividade nas redes sociais:de 37%, em dados colhidos na edição de 2016, para 58% dos jovens na pesquisa atual.
Eles querem ser ouvidos
O estudo aponta ainda que 59% dos jovens não se sentem ouvidos ou representados quando na política ou em causas sociais. Isso os distancia de formas tradicionais de participação, como greve, partidos políticos e sindicatos. Ganham importância formatos mais horizontais de representatividade, como espaços culturais, projetos sociais, grupos ou coletivos.
Nesse cenário apontado pela pesquisa, o perfil da ativista Greta Thunberg, de 16 anos, que lidera o movimento global Fridays For Future (no Brasil, conhecido como Greve pelo Clima), é um exemplo de como jovens podem se organizar e serem ouvidos em questões importantes.
Em setembro, na abertura da Cúpula do Clima, na sede das Nações Unidas em Nova York, a adolescente discursou a líderes de 60 nações em tom de cobrança para que parem de repetir “palavras vazias”, tomem medidas concretas e escutem os alertas ecoados pelas juventudes em relação à mudança climática.
Após maciça repercussão de sua fala, da mesma forma que obteve apoio de milhões de jovens em todo mundo, a ativista passou a ser alvo de notícias falsas e de mensagens de ódio na internet.
Para Iago Hairon coordenador geral do Engajamundo, entidade que organiza a Greve pelo Clima no Brasil, essa reação está diretamente ligada ao receio e ao choque em relação a novos caminhos apontados pela juventude.
“Greta e diversos jovens ao redor do mundo pautam uma nova forma de sociedade, que precisa repensar o consumo e matriz energética. As pessoas que falam contra ativistas do clima têm medo dessas mudanças e das alterações nas estruturas de poder, que vão ocorrer de qualquer forma”, acredita.
A Internet é agressiva?
Ao mesmo tempo em que 58% dos jovens acreditam que a Internet piorou a agressividade e o extremismo e 45% veem ali também um ambiente que agrava opiniões radicais, as redes sociais aparecem como a fonte número um de referência.Seja no uso diário do Whatsapp, ou procurando páginas temáticas e eventos no Facebook, ou ainda usando Instagram e Twitter para seguir perfis de pessoas inspiradoras.
Segundo Rodrigo Nejm, psicólogo e diretor de educação na SaferNet Brasil, três fatores facilitam a agressividade no ambiente online. Um deles é justamente a comunicação baseada em texto, fotos e vídeos. “Na perspectiva como psicólogo: você não ver a face do outro faz com que não perceba reações emocionais implícitas e que estão nas reações faciais, no gesto, no tom de voz, no silêncio prolongado. Esses detalhes da comunicação humana se perdem na mediação digital”, explica.
Além disso, ainda usamos uma apropriação privada de espaços digitais, sem considerar a dimensão pública. “A gente usa filtros de relações íntimas e não filtros de relações públicas, para expressar opiniões na rede. O terceiro aspecto é a legitimidade do discurso de ódio vindo de figuras públicas, autoridades ou mesmo de representantes de estados nacionais. Isso deixa as pessoas mais confortáveis para expressar temas ligados à intolerância e à discriminação”, enumera.
Para o especialista, o meio digital potencializa vozes e funciona como um espelho das nossas relações e conflitos. “A Internet dá potência.Não é agressiva, nem pacífica, nem conciliadora, mas é uma arena pública. Ao mesmo tempo em que o ódio e a discriminação crescem tanto, dá potência a ações conciliadoras, à participação social cívica”, resume Rodrigo Nejm.
Uma construção coletiva
A potencialidade da internet fica evidente quando jovens da pesquisa apontam as redes sociais como meio de participar de ações políticas, já que muitas vezes não podem comparecer a eventos de rua devido à dependência financeira, à falta de autonomia ou ainda porque trabalham e/ou estudam e não têm flexibilidade de horário.
Osjovens do estudo Juventudes e Conexões demonstraram preocupação com os algoritmos das redes sociais, que podem contribuir para a criação de “bolhas sociais”, que limitam interesses com o conteúdo sendo “filtrado” de acordo com o que a pessoa já pensa a respeito daquele assunto.
“Se eu abro demais a bolha, passo raiva e xingo todo mundo, se fecho demais, vivo só num mundinho que não é 100% da realidade. É questão importante para saber o quanto devemos nos abrir ou não”, respondeu um dos jovens consultores do estudo.
Rodrigo Najm chama atenção para projetos como o SaferLab, que incentiva o protagonismo jovem em projetos que propõem formas de furar essas bolhas, enfrentando a polarização e os discursos de ódio. Para além das notícias falsas e a desinformação, o especialista prega que os usuários parem de se comportar como consumidores, usando de forma consciente os cliques, os conteúdos, os likes e os compartilhamentos.
“Cada um de nós constrói a internet. Não estou falando apenas dos que empreendem e criam startups, dos que desenvolvem produtos para o contexto digital, mas de toda e qualquer pessoa. Essa é a grande genialidade que a diferencia de outros meios: todos podem ajudar a construí-la”, finaliza.
Quer saber mais sobre o que pensam os jovens na era digital nas áreas de educação, comportamento, participação social e empreendedorismo? Acesse e baixe gratuitamente a terceira edição da Pesquisa Juventudes e Conexões.