A sala de aula não precisa estar organizada ao redor do professor,
mas ser repensada de forma a facilitar a aprendizagem

Conceito

Para começar a falar sobre o tema, vamos trazer a conceituação de Maria da Graça Souza Horne, doutora em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autora de livros renomados, como "O espaço como educador: sabores, cores e aromas".

Ela diz que o termo “espaço” se refere aos locais onde acontecem as atividades escolares, com características próprias definidas pelos móveis, recursos didáticos, decoração. Já o termo “ambiente” é mais amplo: remete ao conjunto desse espaço físico e a relações que ali acontecem, envolvendo os afetos e as ligações interpessoais do processo, os adultos e as crianças; ou seja, espaço é mais objetivo; o ambiente, mais subjetivo.

As novas práticas exigem novos espaços. O modelo tradicional de carteiras enfileiradas, apontando para o quadro, não responde as necessidades de uma nova metodologia de educação.

A sala de aula deve servir ao propósito da escola do século XXI, de estudantes interessados e que se sintam à vontade nesse ambiente de aprendizagem, um local de bem-estar e inspiração, onde a aprendizagem reflita os princípios que norteiam e apoiam esse processo.

O espaço está aí para facilitar uma metodologia, assim sendo, antes de sequer mudar uma carteira de lugar, é necessária uma reflexão sobre que tipo de práticas você vai desenvolver com seus estudantes.

Desafios

Caminhos percorridos

Uma solução muito disseminada pelas escolas inovadoras, cujo anseio é reconfiguração do espaço físico, foi a derrubada de algumas paredes internas para permitir a expansão das salas de aula.

Os grandes “salões”, como são chamados esses novos ambientes, aumentam as possibilidades de organização das classes, expandem a noção de espaço dos alunos e também são propícios para a realização de trabalhos em grupo, que agregam diversos benefícios, como o desenvolvimento das competências e habilidades para o século XXI.

Como os estudantes não precisam mais ficar enfileirados, eles aprendem a se relacionar uns com os outros, buscando ajuda dos colegas com que têm mais sintonia, com um objetivo claro em mente: aprender.

Em algumas escolas, inclusive, os grandes salões possibilitaram a criação de classes multisseriadas, onde alunos de diferentes idades passam a conviver e interagir, ajudando-se mutuamente.

No salão, nós fazemos os roteiros, cada estudante faz o seu. Os estudantes conseguem se ajudar nos grupos de cinco ou seis estudantes, mas às vezes pedimos ajuda do professor. Ficamos em mesas grandes e facilita da gente se ajudar.

Aqui, nós ficamos quatro pessoas em uma mesa só, no salão. Quando a gente entra na escola a gente senta com quem quiser, mas se um dos colegas começa a se adiantar num roteiro, ou uma pessoa está com mais dificuldade, os grupos podem ir mudando. Quando a gente tem dúvida, primeiro perguntamos para o grupo, depois perguntamos para a professora.

Exemplos de quem já faz

Na EMEF Campos Salles, em São Paulo, não existe sala por turma: os estudantes ficam em salões enormes e o número de paredes da escola foi reduzido. Na Amorim Lima, eles se separam por ciclos, cada um em um salão, enquanto na Campos Salles essa divisão se dá por ano. Em ambas, o que se vê são muitos estudantes se ajudando o tempo inteiro e os professores circulando por todo o salão, num clima colaborativo e orgânico.

A Wooranna Park Primary School, na Austrália, também utiliza salões e acredita que o espaço de aprendizagem deve ser atrativo e dinâmico. Por isso, várias intervenções foram feitas no espaço da escola, ao longo dos anos, para privilegiar a integração. Algumas das mudanças, além da retirada de divisórias e paredes para criar os salões, foram: a criação de locais para reuniões, de áreas multimídia, espaço para robótica e estúdios de rádio e TV. Outro fator importante considerado pela escola é a escolha dos móveis, que devem ser confortáveis, facilitando a interação, como sofás e mesas redondas.

O GENTE, colégio localizado no Rio de janeiro, criou espaços amplos e abertos, possibilitando o trabalho coletivo de alunos e professores, transformando o ambiente em local atrativo ao aprendizado.

Imagem de Alunos

Por meio dessa comunicação ativa e sem delimitação de espaço, o conhecimento é construído, incentivando a cocriação, a colaboração e a solidariedade, ao mesmo tempo em que todos aprendem a conviver e atingir objetivos em grupo. Nesse contexto, móveis funcionais têm papel fundamental.

Exemplos de quem já faz

Na escola Vittras, na Suécia, há espaços abertos repletos de móveis funcionais, que passam longe das carteiras tradicionais, para motivar os alunos a fazer perguntas e a aprender de acordo com os próprios interesses, mas de forma colaborativa.

Imagem de Alunos

No GENTE, foi desenvolvida toda uma linha de mobiliário modular, com design e identidade visual próprios, facilitando a reorganização dos espaços. Os alunos, inclusive, possuem total autonomia para arrumá-los da forma que desejarem.

Imagem de Alunos

A aprendizagem acontece nas interações livres e espontâneas entre os estudantes. Por isso, precisamos levar em consideração que a educação não acontece somente nos limites da escola, reconhecendo que há muito a aprender fora dela, ultrapassando os seus muros e paredes.

Ideia! Podemos ser ainda mais ambiciosos e imaginar essa aprendizagem indo para o outro lado da cidade, naquele museu tão interessante, ou até mesmo visitando outro país, por meio de trocas pela internet entre estudantes, professores e especialistas de todo o mundo!

Nós acreditamos que a escola não é parede, então você estuda onde você quiser. Aqui os estudantes moram muito perto uns dos outros e se encontram direto fora da escola, para tudo. Ensaiam projetos, se ajudam, estudam... É ótimo trabalhar em escola de bairro e ver isso acontecendo.

Imagem de Alunos

Exemplos de quem já faz

A Green School, na ilha de Bali, na Indonésia, é considerada a escola mais verde do mundo. Com um modelo de educação progressista, centrado no estudante e na sua relação com a natureza para criar um mundo ecologicamente e socialmente mais justo, sua arquitetura é, com certeza, um grande diferencial. Dentre as muitas peculiaridades, destacamos a estrutura, toda feita com bambus: o prédio central em espiral e sem paredes, os painéis solares que geram 80% da eletricidade e os banheiros de compostagem.

As crianças aprendem todo o processo de cultivo e preparação dos alimentos, além de desenvolver novas habilidades, construindo estruturas com bambus e praticando artes marciais balinesas antigas. O desenvolvimento das habilidades acadêmicas, como alfabetização, matemática, artes e tecnologia, ocorre em paralelo ao desenvolvimento das competências para o século XXI, como empatia, persistência, pensamento criativo e crítico e colaboração.

Imagem de Alunos

Solar-powered Floating Schools, as escolas flutuantes de Bangladesh, na Ásia, são uma mistura de ônibus escolares e escolas. Barcos, que pegam os estudantes em aldeias ribeirinhas isoladas ou regiões atingidas por enchentes, atracam em um local e dão aulas no próprio barco. Depois, levam os alunos de volta para casa e se dirigem para buscar outro grupo. Com esse ritmo, eles conseguem realizar, pelo menos, três aulas por dia para alunos da educação básica. Como possuem energia solar, também dão aulas à noite para aqueles que trabalham durante o dia.

Essas escolas-barco costumam ter um espaço de ensino para 30 alunos com um notebook conectado à internet e uma biblioteca. Crianças, jovens, adultos e idosos, principalmente mulheres, aprendem a usar o computador e obter informações sobre tópicos úteis para suas realidades, como nutrição, saúde, higiene, agricultura sustentável, sistemas de comercialização de produtos e plantio de arroz e cana, que resistem a enchentes que acontecem na região.

Para se ter noção da grandeza do projeto, a energia solar que sobra da geração dos painéis das escolas-barco é distribuída para as famílias da região, em lâmpadas de querosene transformadas em lâmpadas solares recarregáveis.

Imagem de Alunos

Devemos nos abrir para questionar o espaço como um todo, pois, às vezes, só precisamos de um estalo para entender coisas muito simples, que nos provam que a escola não deve ser encarada como um prédio separado do seu contexto.

Quando colocamos muros e configuramos a escola como aquela caixa isolada do conhecimento, não consideramos que muitos momentos de aprendizagem importantes para os estudantes também acontecem no seu entorno.

O jovem está aprendendo com a aula de piano na igreja, com o vizinho que ensina a construir uma cadeira, com o grupo do bairro que se reúne para realizar ações ecológicas pela região, com o blog que o estudante criou para compartilhar suas angústias, os vídeos que faz, mostrando situações engraçadas, e inúmeras atividades nas quais a aprendizagem está presente.

A escola precisa ser encarada como uma parte vital do ecossistema de uma determinada região, o coração pulsante de toda a comunidade. A interação entre todos os atores daquele entorno é fundamental para que o aluno compreenda sua importância para a sociedade.

Ideia! Não é fácil sair derrubando muros e paredes de uma escola, então, comece derrubando suas paredes internas. Repense a configuração da sua sala de aula e agrupe seus estudantes com as carteiras não mais voltadas para o quadro, mas para eles mesmos. Teste várias configurações, até encontrar aquela que propicie a melhor interação entre todos.

Quando 20 computadores foram roubados da EMEF Campos Salles, o então diretor, Braz Nogueira, envolveu a comunidade no problema, de tal forma que todos os aparelhos foram devolvidos. Após esse episódio, ele resolveu derrubar os muros que separavam a escola da comunidade, por ter entendido que ambas deviam ser compreendidas como uma coisa só. Segundo Braz, são "os muros que nos deixam fragilizados". Depois do muro da frente derrubado, o próximo passo foi acabar com a "pedagogia da maçaneta": os professores se trancavam na sala de aula, sentindo-se proprietários daquelas classes. Inspirado pela Escola da Ponte, ele mandou derrubar as paredes das salas de aula, criando os salões.

A escola Into the Woods, do Reino Unido, traz uma proposta diferente das creches sem paredes. Não utiliza salas de aula e tem aulas ao ar livre, apostando em três grandes benefícios para a aprendizagem, estabelecidos no trabalho da autora Helen Bilton (“Playing Outside”): estar do lado de fora é um ambiente natural para as crianças; o ambiente em que trabalhamos e brincamos afeta nossas emoções; e o ar livre é o lugar perfeito para aprender por meio do movimento, que é um dos quatro veículos pelo quais as crianças aprendem. A aprendizagem está em tudo e envolve também o cuidado com o espaço, ou seja, um cuidado com o meio ambiente.

Imagem de Alunos

Um exemplo ainda mais próximo é a Escola de Educação Infantil Cisne Branco, que fica em Viamão, no Rio Grande do Sul, onde a direção faz um excelente trabalho envolvendo a comunidade, que tem ajudado a remodelar os espaços externos da escola, valorizando a questão ambiental. A unidade, que atende crianças de 3 a 5 anos, tem aulas de horticultura e jardinagem, incentivando desde muito cedo a importância da reciclagem.

Outro exemplo incrível é o método de Sugata Mitra, na Índia, onde um grupo de tutores fica disponível no Skype para esclarecer dúvidas, propor debates e dar apoio aos alunos. Com essa forma de estudos, eles exercitam a imaginação e a criatividade, fazendo grandes perguntas e se conectando pela internet com uma equipe global de mediadores voluntários, conhecidos como grannies (vovós). O aprendizado acontece acontece de forma espontânea nesses ambientes, propositadamente caóticos.

Imagem de Alunos

The Solar Bus, na Grécia, uma experiência educacional diferenciada, mostra ser possível aprender por meio de viagens, como um processo vivencial e experimental. Os principais objetivos pedagógicos dessa iniciativa são desenvolver nos estudantes proatividade, senso de sustentabilidade, cidadania e valorização da identidade cultural para além do seu país e dos possíveis locais onde se hospedem.

O método que eles implementam incentiva o trabalho individual e em grupo, familiarizando os alunos com diferentes formas de pesquisa, análise, classificação e processamento de dados, além de visitas a campo para observação crítica e criativa, fotografia e criação de pinturas com performances visuais e artísticas dos monumentos de importância histórica e cultural. Ao final de cada visita, os dados são tratados e os alunos preparam apresentações. Existem questionários para avaliar o progresso e redefinir metas. Todas as atividades são publicadas no site da iniciativa, onde os estudantes costumam escrever contos com elementos teatrais e diálogos.

Imagem de Alunos

Passo a passo

Para enfrentar eventuais resistências e conseguir um alinhamento básico, promova uma conversa com toda a equipe escolar. A ideia é colocar em debate algumas questões:

Para iniciar as mudanças, que tal criar um ambiente maker na sua escola?

Imagem de Alunos

Temos algumas ideias para começar:

O uso inusitado de alguns espaços acaba revelando suas potencialidades e evidenciando possibilidades de realização de outras atividades.

Aqui estão algumas delas:

Ideia! Vale lembrar que todo espaço é espaço! Até aquele corredor que não serve para nada vira um lugar de aprendizagem. Dá para usar a parede como “Mural Colaborativo”, como na Escola da Ponte, onde os estudantes escrevem se precisam de ajuda, se podem colaborar uns com os outros, colocam dicas e compartilham interesses. Mais legal ainda para o processo de aprendizagem é deixar os alunos como responsáveis pelos lugares, tanto na manutenção quanto na supervisão do que for ali utilizado (a atualização do mural, por exemplo).

Os espaços diferenciados, como chamamos aqui, devem servir ao processo de aprendizagem, porque esse é o seu grande objetivo. Quebre seus muros internos e olhe para o espaço como uma extensão das práticas de aprendizagem que pretende implementar.