Crédito: Divulgação | Foto da exposição “Elis Regina” no Centro Cultural São Paulo, 2012.
Por Ana Luísa Vieira, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz
Temas urgentes sempre permearam as artes como forma de denúncia e resistência. O trabalho infantil, grave realidade ainda vivida por mais de 3,1 milhões de brasileiros, está entre eles. Recorrente no rap, o problema do trabalho infantil ganha eco em outros estilos musicais, como a Música Popular Brasileira (MPB).
“Com a ajuda de iniciativas como o Ano Internacional da Criança (em 1979), o (quase) elogio ao trabalho infantil caiu em desuso, ao menos como tema de música”, afirma o jornalista e crítico musical Pedro Alexandre Sanches, ao contextualizar a produção do Balão Mágico, trupe que dominou as paradas de MPB nos anos 1980. “Lugar de criança, entendia-se, era na brincadeira.”
Ele lembra, no entanto, a forte presença do trabalho infantil no meio artístico: de Elis Regina a Mallu Magalhães, “cantoras-prodígio”, constantes em programas de auditório e estúdios de gravação antes mesmo de chegar à adolescência. Para retratar a questão, o jornalista e autor dos livros “Tropicalismo – Decadência Bonita do Samba” e “Como Dois e Dois São Cinco” preparou uma seleção de 10 músicas que mostram, da década de 1950 aos anos 2000, como a MPB aborda as piores formas de trabalho infantil e a violação dos direitos da infância. Confira a seguir:
Inezita Barroso, “O Menino da Porteira” (1972)
“Em cenário rural quase idílico, o menino protagonista desse clássico da música caipira ganhava moedas para abrir a porteira para o boiadeiro. E, desfecho trágico, terminava a moda de viola morto por um ‘boi sem coração’.”
Tonico & Tinoco, “Filho de Carpinteiro” (1954)
“No processo de modernização da música caipira, o sertanejo transferia a família para a cidade grande, virava carpinteiro e mandava o guri vender jornal no asfalto. A história também terminava em tragédia, anos antes dos pedreiros de Chico Buarque.”
Ary Lobo, “Garoto do Amendoim” (1960)
‘Tenho 10 anos de idade/ não sei o que é brincar/ eu passo necessidade/ pra minha mãe sustentar/ a coitadinha é viúva/ só tem eu neste mundo/ é por isso que trabalho/ não quero ser vagabundo.’ “Forrozeiro arretado, o paraense Ary Lobo parecia saber que havia algo errado com o trabalho infantil. Mas pegava pesado, sugerindo que menino de 10 anos que não trabalhasse era… vagabundo.”
Elis Regina, “Menino das Laranjas” (1965)
“O autor Théo de Barros justificava o trabalho infantil, caracterizando o menino das laranjas como ‘filho de mãe solteira cuja ignorância tem que sustentar’. Ironia amarga, Elis em pessoa havia sido uma trabalhadora infantojuvenil, levada a programas de auditório e a estúdios de gravação antes de completar 15 anos de idade.”
Milton Nascimento, “Morro Velho” (1967)
“Menino branco e menino negro crescem juntos na fazenda. Menino branco pega na viola, menino negro pega na enxada. Moço branco vira doutor, moço negro fica na fazenda. Homem branco vira patrão, homem negro fica empregado.”
Chico Buarque, “Pivete” (1978)
‘No sinal fechado ele vende chiclete/ capricha na flanela/ e se chama Pelé.’ “O nome da profissão do ‘meu guri’, segundo as classes ditas superiores? Pivete.”
Lenine, “Relampiano” (1999)
‘Tá relampiano, cadê neném?/ tá vendendo drops no sinal pra alguém.’“Irmão mais novo do ‘pivete’ de Chico, o neném de Lenine tem medo do trovão – na verdade não é do trovão que neném tem medo.”
A Turma do Balão Mágico, “Tem Gato na Tuba” (1982)
“Com a ajuda de iniciativas como o Ano Internacional da Criança (em 1979), o (quase) elogio ao trabalho infantil caiu em desuso, ao menos como tema de música. Lugar de criança, entendia-se, era na brincadeira. Muito menina, Simony conquistou crianças e marmanjos cantando marchinhas do início do século que não falavam de trabalho. O trabalho infantil até hoje não foi erradicado da música e da dramaturgia, de Simony e Jairzinho à adolescente-prodígio Mallu Magalhães e à menina Maysa de Silvio Santos.”
Magazine, “Sou Boy” (1983)
“Em tom de sátira e piada, a banda new wave de Kid Vinil retrata o típico início de vida ‘produtiva’ dos garotos e adolescentes pobres da cidade de São Paulo.”
Ogi, “Profissão Perigo” (2011)
“E então o office-boy cresce, arruma uma moto e sai por aí, ‘filho do estresse paulistano/ dessa cidade maluca/ mas eu já sou veterano/ conheço as arapucas que esse gigante preparou pra nos capturar/ tem que ser profissão perigo pra se salvar’. Quantos anos ele deve ter? Com quantos começou para ser esse veterano que sempre sabe para onde vai?”