Cena do filme O Menino e O Mundo, de Alê Abreu, com trilha de Emicida | Crédito: Divulgação
Por Ana Luísa Vieira, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz
O trabalho infantil ocupa as letras de raps. O problema ainda é uma triste realidade vivida por meninos e meninas que moram na periferia das grandes cidades. Crianças e adolescentes se veem, frequentemente, expostos às piores formas, entre elas a exploração sexual e o tráfico de drogas. Neste cenário, o rap surge para lançar luz sobre o problema da violação dos direitos da infância.
“O rap é um estilo musical que se caracteriza pela crítica social e pela crônica do cotidiano das periferias. As letras, em sua maioria, revelam problemas crônicos que afetam a vida de todos, incluindo as crianças”, afirma o repórter Juca Guimarães, do jornal “Diário de S. Paulo”.
“A violência, o crime e a falta de investimentos públicos são responsáveis pela degradação da infância. O rap também mostra outro problema sério: a falta de emprego para esses jovens. Muitos são eliminados no processo seletivo pelo bairro onde moram”, acredita Guimarães, que acompanha o assunto de perto e o retrata no blog “Na Pegada da Periferia”.
A pedido do Promenino, Guimarães listou 10 raps que nos fazem refletir sobre o trabalho e a exploração infantil. Confira os comentários do jornalista e, também, uma letra exclusiva escrita pela rapper Tábata Alves, integrante do coletivo “Lado Sujo da Frequência”, para esta reportagem.
Aos olhos de uma criança – Emicida
“Composta pelo rapper Emicida para a trilha do filme ‘O Menino e o Mundo’ (com direção de Alê Abreu), em 2013, a música ‘Aos olhos de uma criança’ tem versos sutis e pungentes sobre a vida de um menino: Selva de pedra, menino microscópico/O peito gela onde o bem é utópico/É o novo tópico meu bem/A vida nos trópicos/Não tá fácil pra ninguém/É o mundo nas costas e a dor nas custas/Trilhas opostas, ‘la plata’ ofusca/Fumaça, buzinas e a busca/Faíscas na fogueira bem de rua, chamusca”.
Os últimos serão os primeiros – Lindomar 3L
“Quando garoto, em Uberaba (MG), o rapper Lindomar 3L trabalhou como engraxate para ajudar a família. A experiência foi retratada em uma das músicas do álbum ‘Das Ruas Mineiras’, lançado em 2008. Ele canta: Me sentindo na sarjeta caprichava pela gorjeta/Lavava com água e sabão, o cromo alemão do doutor/Passava nugget com a mão/Recebia um real e dizia obrigado!/ O freguês pagava um salgado e ficava me perguntando/Se eu tinha família, onde eu morava, se eu tava estudando”.
Infanticídio – MC Rocha
“O universo infantil na periferia é cheio de riscos e desafios. Cada vez mais cedo, as crianças devem fazer escolhas que vão definir o seu futuro. Entre elementos do mundo de fantasia e da realidade cruel, o rapper MC Rocha fala sobre a exploração infantil que gera uma juventude sem esperança: Aulas vagas nas escolas/Aulas práticas nas ruas (…) As bolinhas de haxixe versus as bolinhas de gude”.
Miséria S/A – O Rappa
“O grupo carioca bebe na fonte do hip-hop desde o primeiro álbum. Nesta letra, Marcelo Yuka conta em primeira pessoa a rotina dos vendedores mirins e pedintes nos transportes públicos do Rio de Janeiro: Senhoras e senhores estamos aqui/Pedindo uma ajuda por necessidade/Pois tenho irmão doente em casa/Qualquer trocadinho é bem recebido/Vou agradecendo antes de mais nada”.
Homem na Estrada – Racionais MC’s
“Os quatro ‘pretos mais perigosos do Brasil’ mostram em cores fortes a realidade dos meninos que se oferecem para carregar sacolas nas feiras-livres da periferia em troca de moedas ou de comida. Em um trecho da letra, a voz imponente de Mano Brown ecoa: Não acredita no que vê, não daquela maneira/Crianças, gatos, cachorros disputam palmo a palmo/Seu café da manhã na lateral da feira/Molecada sem futuro, eu já consigo ver”.
Eu não pedi para nascer – Facção Central
“O rapper Eduardo é um letrista com a mão pesada. Aqui uma criança revela os maus-tratos praticados pela própria mãe: Minha mão pequena bate no vidro do carro/no braço se destacam as queimaduras de cigarro/A chuva forte ensopa a camisa, o short/Qualquer dia a pneumonia me faz tossir até a morte/Uma moeda, um passe me livram do inferno/Me faz chegar em casa e não apanhar de fio de ferro/O meu playground não tem balança, escorregador/Só mãe vadia perguntando quanto você ganhou”.
Subirusdoistiozin – Criolo
“No Grajaú, extremo sul da capital paulista, assim como em outras periferias do país, os jovens são usados como massa de manobra pelo tráfico. Na letra, o músico fala do problema e apresenta uma solução. ‘As criança daqui, tão de HK/Leva no sarau/Salva essa alma aí’.”
Suburbano – Rappin Hood
“No fim da madrugada, começa a jornada de milhares de trabalhadores a caminho do trabalho. Essa caminhada é o tema da letra do Rappin Hood, que fala também dos jovens e office boys: Com trem lotado e a marmita na mão/Olha o ambulante vendendo seus produtos/Paga 2 leva 3 e não se fala mais no assunto/Desce daí moleque você vai de machucar/Surfista de trem office boy vai trabalhar”.
Andar com Fé – Rincon Sapiência
“O rapper da Zona Leste de São Paulo buscou inspiração no mestre Gilberto Gil para abordar a vida dura do trabalhador brasileiro. Em determinado trecho, ele fala dos menores cooptados pelo tráfico de drogas: Salário ridículo é a real que o político não viu/O ensino público revela o trabalhador do Brasil/Muleque no topo do morro é o trabalhador de fuzil”.
Mundo Mágico de Oz – Racionais MC’s
“Neste clássico do rap, Edi Rock faz uma oração a Deus e pede uma vida melhor para as crianças que pedem dinheiro, vendem bugigangas ou roubam nos faróis da cidade: Aquele moleque, que sobrevive como manda o dia a dia/Tá na correria, como vive a maioria/Preto desde nascença, escuro de sol”.
Rap exclusivo para o Promenino
A convite de Juca Guimarães, a rapper Tábata Alves fez uma letra exclusiva para o Promenino sobre a questão do trabalho infantil. Este ano, Tábata e o coletivo Lado Sujo da Frequência (LSF) ganharam o edital do VAI, programa municipal de incentivo à cultura, para o projeto “Art in Home”. Trata-se de um festival de revitalização anual no bairro Morro Doce, na Zona Oeste de São Paulo. Durante o “Art in Home”, acontecem shows, oficinas de grafite, teatro, espetáculo de dança, cursos, palestras, ações sociais, distribuição de brinquedos, entre outras atrações. O grupo também está produzindo um documentário sobre o bairro.
João
João não pensa, só trabalha, pra ele o mundo não é azul,
Nas paredes descascadas, a visão de um mundo cru,
Vê de cima, lá do morro, os seus sonhos se esvair
Em seus dedos, as passagens, calos, marcas, vamo seguir…
Quem te disse menino que isso é vida, que é viver,
Trampo, ripa, labuta, barganhagem pra comer,
A escola de longe, futilidade para o corre,
Ligereisse mesmo, ganhar se fugi dos homi.
No centro, nos beco, avião, rádio falcão
Menos de dezesseis, pro crime emancipação
Recupera, perde o fôlego, se cai, levanta aí,
Você arrimou da casa, usa o corpo pra servir.
Mesmo que queira agora, se entregou já se envolveu,
O que veio de fora, enraizou, já corrompeu.
Imaginamemo, se esses pobres pensamentos
Invadisse as ideia, e se tornasse alimento.
João, no centro nos beco, avião, rádio, Falcão
Menos de dezesseis, pro crime emancipação
A escola bem longe, é vantagem pros homi
João desde cedo.
No centro nos beco, avião, rádio, Falcão
Menos de dezesseis, pro crime emancipação.