Conheça mulheres afro-latino-americanas e caribenhas que transformam suas comunidades, além de mulheres do passado que lutaram para construir uma sociedade mais justa e igualitária no presente
“Ao perder o medo do feminismo negro, as pessoas privilegiadas perceberão que nossa luta é essencial e urgente, pois enquanto nós, mulheres negras, seguirmos sendo alvo de constantes ataques, a humanidade toda corre perigo”. A frase de Djamila Ribeiro, filósofa, escritora e pesquisadora brasileira, embora atual, reflete uma reivindicação antiga das mulheres negras em todo o mundo: o combate ao racismo e ao machismo estrutural.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU) dos 25 países com maiores índices de feminicídio no mundo,14 ficam na região da América Latina e Caribe. Só no Brasil, 3 a cada 5 mulheres assassinadas são mulheres negras, de acordo com o Monitor da Violência 2020, levantamento realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o G1.
A luta para mudar esse cenário não é nova. No dia 25 de julho de 1992, aconteceu o primeiro Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas em Santo Domingo, na República Dominicana. A partir de então, a data ficou marcada pela união de movimentos sociais na América Latina que tem como líderes mulheres negras originárias de diferentes contextos, mas que enfrentam desafios semelhantes.
No Brasil, 25 de julho também é o Dia Nacional de Tereza Benguela e da Mulher Negra, instituído pela Lei 12.987 em 2014 para dar visibilidade às situações de desigualdade racial e de gênero, além de fortalecer a história das mulheres negras no país.
A escritora uruguaia Virginia Brindis de Salas atuava pelo pseudônimo de Iris Virginia Sales e foi a primeira mulher negra a publicar uma coletânea de poemas na América do Sul. A ativista nasceu em Montevidéu em 1908 e se constituiu como uma das principais pensadoras a tratar da cultura da população afro-uruguaia. Em reconhecimento ao seu trabalho, integrou o Círculo de Intelectuais, Artistas, Jornalistas e Escritores Negros do Uruguai (CIAPEN), uma associação que tinha como intuito reafirmar o protagonismo negro no país. Virginia também escreveu para a revista Nossa Raça, um dos principais veículos dedicados a articular o pensamento cultural e intelectual do povo negro uruguaio. A escritora morreu em 1958 e a ela foi concedido o título de “Personalidade Afro-Uruguaia” pelo governo, em 2012.
O movimento de resistência liderado pela rainha quilombola Tereza de Benguela, no século XVIII deixou um legado para além de seu tempo. Tereza chefiou a comunidade Quilombo Quariterê, localizada na Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital de Mato Grosso. Entre os anos 1750 e 1770, ficou responsável pela administração econômica, política e militar do quilombo, que contava com 100 habitantes, compostos por pessoas negras e indígenas que resistiram à escravidão por duas décadas sob sua liderança. Em 1770, Tereza foi presa e morta pelo Estado. Mais de 200 anos depois, em 2014, a lei no 12.987 instituiu o dia 25 de julho no Brasil como o Dia Nacional de Tereza Benguela e da Mulher Negra.
O Haiti foi um dos primeiros países da América Latina e Caribe a conquistar a independência, a partir da Revolução Haitiana (1791-1804). Suzanne Sanite Bélair foi uma das mulheres que participou ativamente da luta contra a escravidão. Ela foi uma soldado revolucionária haitiana, tenente do exército de Toussaint Louverture e apelidada de “Tigreza da Revolução”. Além de travar batalhas importantes próxima a sua região natal, também participou do confronto com o exército francês comandado por Napoleão Bonaparte. Foi capturada em 1802 e condenada à morte, mas não antes de reforçar que sua luta pela liberdade não seria em vão.
Ativista política, Argelia Laya foi também educadora e atuou pelo direito das mulheres negras na Venezuela. Em 1950, liderou o sindicato de professores e colaborou com os movimentos de oposição ao governo autoritário de Pérez Jiménez. Além disso, lutou na linha de frente na guerrilha venezuelana nos anos 1960, assumindo o pseudônimo de Comandante Jacinta. No entanto, rompeu com os guerrilheiros uma década depois, fundando o próprio movimento político em defesa de pautas que priorizavam o direito à educação e a ocupação feminina de espaços públicos. Pouco tempo depois, tornou-se uma das representantes do Parlamento. Foi, também, a primeira mulher afro-venezuelana a estar à frente de um grande partido político. Argélia morreu em 1997, mas ainda é lembrada como figura de destaque na História da Venezuela.
A peruana Victoria Santa Cruz tornou-se um dos maiores símbolos de resistência da cultura afro-peruana através de sua arte e influência na América Latina. Filha de um dramaturgo e de uma dançarina, Victoria também encontrou na artes uma forma de expressar sua identidade como mulher negra. Não apenas era escritora, como também atriz, coreógrafa e estilista. Criou o grupo teatral Cumanana, composto apenas de atrizes e atores negros do Peru. Representou o país nos Jogos Olímpicos de 1968, como bailarina da companhia Teatro y Danzas Negras del Perú, estudou em Paris, de onde partiu para fazer intervenções artísticas pelo mundo todo, afirmando sua perspectiva cultural. Foi nomeada diretora do Centro de Arte Folclórica de Lima e também esteve à frente do Instituto Nacional de Cultura, no período entre 1973 e 1982. Victoria Santa Cruz morreu aos 91 anos, em 2014.
Inspirada nesse marco importante, confira uma lista de 11 lideranças femininas negras, à frente de movimentos sociais, que contribuem com a busca de uma sociedade mais justa e igualitária por meio de suas atuações.
Regina Célia
A cofundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha, Regina Célia Barbosa se comprometeu, há mais de dez anos, a trabalhar contra a violência doméstica. Nascida em Recife (PE), Regina é formada em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco, tem mestrado em Ciência Política e doutorado em Direito, Justiça e Cidadania para o século 21 pela Universidade de Coimbra, em Portugal. No Instituto, a educadora criou um projeto que hoje faz parte do programa pedagógico, que visa utilizar os espaços universitários para formar estudantes para combater a violência contra a mulher em suas comunidades.
Heliana Hemetério Dos Santos
A historiadora carioca tem 65 anos e iniciou sua atuação nos movimentos sociais em 1986, quando começou a participar ativamente do movimento negro. Logo em seguida, envolveu-se com o movimento de mulheres negras e feministas. Na década de 1990, passou a participar de coletivos e discussões sobre a comunidade LGBTQI+. Educadora e especialista em Gênero, Raça e Sexualidade, Heliana direciona suas pesquisas para entender a violência estrutural racista e homofóbica. É também conselheira nacional de saúde, membro da Rede de Mulheres Negras, do Coletivo de Lésbicas Negras, vice-presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis (ABGLT).
Anielle Franco
Criada na favela da Maré, no Rio de Janeiro, Anielle Franco, sempre trabalhou na defesa dos direitos da população negra e periférica. Mestra em Jornalismo e Inglês pela Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, e graduada em letras pela UERJ, Anielle Franco é irmã mais velha de Marielle Franco. Além de atuar como professora, escritora e palestrante, Anielle assumiu papel de liderança como ativista em prol dos direitos humanos. É também diretora do Instituto Marielle Franco, dedicado à memória, às ações e à justiça para o caso da irmã, que ainda está sendo investigado.
Preta Ferreira
Janice Ferreira da Silva nasceu na Bahia e foi morar na Ocupação Nove de Julho, no centro da cidade de São Paulo, ainda na infância. Desde então, a família se envolveu ativamente com o movimento por moradia, que luta por condições adequadas e direito à residência para pessoas em vulnerabilidade social. Formada em publicidade, cantora, atriz e líder do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), Preta já participou de videoclipes de artistas e também é protagonista do documentário Era o Hotel Cambridge, dirigido por Eliane Caffé.
Beth Beli
Além de pesquisadora da cultura africana e afro-brasileira, Beth Beli é diretora artística, regente e cofundadora do bloco de carnaval Ilú Obá de Min, reconhecido como uma importante referência étnico-cultural e educativa em São Paulo. Nascida na Brasilândia, periferia de São Paulo, Beth cresceu próxima das tradicionais escolas de samba e uniu a paixão pela música e vontade de explorar a diversidade cultural da música brasileira. Também atua como arte educadora, tocando em hospitais e contando histórias. O objetivo de Beth é trazer um mundo de possibilidades para outras mulheres e meninas, que podem se encontrar através da música e de suas identidades.
Anna Suav
Anna Suav é uma artista que representa o Belém do Pará (PA) nos expoentes do RAP, R&B e new school. Músicas como Soul Sim, Madalena e Desafogo, trazem narrativas que evidenciam a experiência e as vivências de uma mulher, preta, nortista. Anna também idealizou o projeto Slam Dandaras do Norte e, a partir dele, participa de formações, debates, rodas de conversa e projetos escolares que visam valorizar as produções e a cultura local.
Shirley Campbell Barr
Descendente de jamaicanos e natural da Costa Rica, Shirley Campbell Barr trabalhou em programas culturais e sociais em vários países da América Central. Formada em Dramaturgia, Literatura e Criação Literária e antropóloga especializada em feminismo africano, a professora se encontrou como ativista pela vida do povo negro, sobretudo das mulheres. Escritora de livros reconhecidos internacionalmente, como Rotundamente Negra y otros poemas, Naciendo e Desde el principio fue la mezcla, Shirley tem seus poemas e artigos publicados em revistas de diversos países. Sua obra foi traduzida do espanhol para o inglês, português e francês.
Ítala Herta
Há mais de 10 anos envolvida com projetos de inovação social e cultura em instituições públicas e privadas brasileiras, a pesquisadora e comunicadora Ítala Herta dedica seu trabalho a promover a cultura independente negra e periférica. Após participar, em 2015, do Laboratório Ibero-Americano de Inovação Cidadã, onde desenvolveu projetos para comunidades em situação de vulnerabilidade no Rio de Janeiro, Ítala contribuiu como cofundadora da Vale do Dendê, uma organização da sociedade civil voltada para o ecossistema de inovação, criatividade e tecnologia de Salvador (BA). O foco deste trabalho é trazer diversidade para os negócios de impacto social e prestar serviços para órgãos públicos e privados por meio de consultoria estratégica.
Neide Barbosa
Neide Barbosa é antropóloga e luta pela defesa das terras indígenas em Suruí, Rondônia. Formada em História, com mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), atualmente segue a linha de pesquisa: Etnias e Populações Amazônicas. É também coordenadora geral da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, onde trabalha desde 1992. Temas como gestão de território indígena, diagnóstico, etnozoneamento e Planos de Gestão Territorial e Ambiental – PGTA fazem parte do repertório da ativista.
Dríade Aguiar
Natural do Mato Grosso, Dríade Aguiar atua em diversas frentes em defesa das juventudes, do povo negros, das mulheres e da comunidade LGBTQI+. Gestora de Comunicação do circuito de coletivos culturais, Fora do Eixo, e fundadora do veículo de jornalismo independente Mídia NINJA, a comunicadora acredita que a transformação social acontece através da comunicação e da ocupação de espaços políticos por mulheres negras.
Taitu Heron
A ativista jamaicana Taitu Heron é especialista em desenvolvimento de comunidades, defensora dos direitos humanos e poeta. É formada em Relações Internacionais pela Universidade das Índias Ocidentais (Mona) e mestre em Estudos de Desenvolvimento pela Universidade de Cambridge, Reino Unido. Ela já atuou em diversas organizações internacionais e locais, como ONU Mulheres PNUD (Programa das Nações Unidas de Desenvolvimento). Suas áreas de interesse acadêmico e pesquisa giram em torno da violência baseada em gênero, direito da criança, comunidade LGBTQI+, participação democrática de mulheres e saúde sexual e reprodutiva das mulheres negras. Atualmente, Taitu é consultora da ONG Empoderamento da Mulher pela Mudança (WE-Change) na Jamaica.