Mobilizar não é igual a engajar. Investimento é muito mais do que um gasto. Selecionamos alguns termos e conceitos relacionados ao trabalho voluntário que nem sempre são utilizadas de forma correta. Saiba mais!
O trabalho voluntário é uma atividade fundamental que beneficia milhares de pessoas. Porém, os termos relacionados ao universo do voluntariado nem sempre são compreendidos como deveriam. Alguns, inclusive, podem ter o seu significado distorcido ou não compreendidos totalmente.
Mobilização e engajamento, por exemplo, são termos comumente definidos como sinônimos, mas que na verdade são complementares. Uma causa é mais do que uma bandeira levantada por um grupo de voluntariado. Quando falamos de recursos, tem quem considere as pessoas como parte desse conceito, mas não é bem assim.
“Vivemos em uma época na qual existe uma profusão de conceitos, mas apesar deles mudarem, o significado das palavras não muda tão rapidamente, por isso é preciso chamar as coisas pelo que elas são”, opina o coordenador de programas de voluntariado Rafael Medeiros. Mestre em Estudos de Gênero e com experiência em grandes programas, como o da Anistia Internacional, atualmente ele ajuda outras organizações a implementarem programas de voluntariado a partir de metodologias de desenvolvimento de pessoas e organização comunitária.
Com o auxílio do especialista, selecionamos alguns dos termos mais utilizados na área e suas reais definições. Confira!
Mobilização
Segundo Rafael, mobilização “pode ser compreendida como a habilidade de ativar uma ação dentro de uma pessoa, ou de um grupo, indicando uma prática que faça sentido para essas pessoas ao trazer benefícios materiais ou emocionais”. Sendo assim, recursos tecnológicos como petições online e abaixo-assinados podem ser aliados ao permitirem a mobilização de pessoas com mais velocidade e alcance, mas é importante fazer uma diferenciação do conceito de engajamento.
“Uma petição online é uma ferramenta de mobilização que alcança pessoas de forma rápida e possibilita reconhecer o trabalho de uma entidade. Porém, se eu quiser engajar as pessoas que assinaram a petição, precisarei de outro tipo de trabalho”, explica.
Engajamento
O engajamento é um tipo de relacionamento mais profundo, que envolve um trabalho afetivo e gera identificação para se produzir benefícios ao longo do tempo. Segundo Rafael, somente engajando é possível manter as pessoas interessadas e atuantes a médio e longo prazo.
“Mobilizar e engajar não se excluem e só os dois juntos geram uma capacidade de transformação, mas é preciso distinguir. É possível alcançar pessoas mobilizando-as, mas isso não necessariamente se converte em engajamento, pois elas podem se dispersar”, observa o especialista.
Sensibilização e Conscientização
Os dois termos estão ligados aos anteriores. A sensibilização tem relação com mobilizar por meio da emoção, gerando conexões emocionais entre a causa voluntária e a vida das pessoas.
“A conscientização, que por sua vez envolve uma mudança de comportamento, está relacionada ao engajamento”, diz Rafael Medeiros.
Causa
A causa pode significar duas coisas: a primeira seria apenas uma “bandeira” que traz identificação imediata baseada em mobilização. O segundo significado vai além disso: dentro de um programa de voluntariado que busca engajamento, a causa é “uma teoria de mudança e transformação social, que mostra como determinado grupo quer diminuir ou resolver um problema específico”, opina o especialista.
Mobilização, Causa e Engajamento
Um exemplo da relação entre essas três palavras é a Agenda 2030 da ONU, que traz 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos. “É uma agenda bem difundida e, por isso, um exemplo bem sucedido de mobilização. O grande desafio é engajar as pessoas nisso. A ONU não quer a nossa ajuda apenas para mobilizar, mas sim para engajar as pessoas e alcançar esses objetivos. Essa agenda é uma causa que demanda formas de engajamento”, explica Rafael Medeiros.
Recurso
Voluntários podem ser considerados recursos de uma organização? Na opinião do especialista, não. “É preciso tirar as pessoas de uma relação utilitária. Dessa forma, o voluntário sai do campo do recurso porque as pessoas precisam estar engajadas. Assim, quem faz trabalho voluntário não pode ser visto como um recurso”.
Recurso está ligado ao dinheiro e à tecnologia que são investidos na resolução de problemas no trabalho voluntário.
Investimento
Investimento vai além de recursos financeiros e inclui também a “dedicação profissional” de cada voluntário, , detalha o especialista. “Uma empresa pode aplicar dinheiro em um programa, mas é preciso investir no desenvolvimento profissional das pessoas que estarão no trabalho”.
Nos Estados Unidos, por exemplo, é o profissional de voluntariado, que tem a responsabilidade exclusiva de gerenciar ações em programas de voluntariado corporativo.
Capacitação
Capacitação profissionaliza a atividade voluntária e significa contar com estudos, treinamentos e cursos para conhecer os valores, a importância de um trabalho voluntário e para entender os caminhos que possibilitam resultados concretos com as atividades.
A capacitação faz com que os voluntários saibam o que deve ser feito e a maneira de fazer. “O voluntário pode saber tudo o que precisa fazer para salvar o mundo, mas ele tem que saber também como fazer isso e qual o seu papel nessa meta”, exemplifica.
Solidariedade
No dicionário solidariedade significa “cooperação mútua entre duas ou mais pessoas”. Apesar de fazer sentido no voluntariado, é fundamental não reduzir o trabalho voluntário a esse conceito.
“A noção de solidariedade pode esconder o fato de que pessoas têm desejos. Quem faz trabalho voluntário tem vontades pessoais e ninguém deve se sentir mal por ser voluntário e ter uma causa para defender e um desejo pessoal para atender”, opina. “Ao reduzir o voluntariado a uma ação solidária, não mostramos que esse trabalho pode ser difícil, que existem metas e que pode haver conflitos. Não há problema em assumir isso”, reflete Rafael Medeiros.
Posicionamento
Deixar de se posicionar é cada vez mais difícil e isso também ocorre no voluntariado. É essencial saber as causas pelas quais empresas e pessoas querem se posicionar, e de que forma farão isso. É preciso mostrar quais causas se apoia e como se contribui por elas.
“Fazer voluntariado sem esse posicionamento pode prejudicar a credibilidade das ações, pois os voluntários vão acabar transmitindo a mensagem de que aquele programa não sabe transformar realidades nem atuar por uma causa, o que gera um trabalho distorcido, incompleto e pouco comprometido com mudanças sociais”.
Trabalho voluntário
O trabalho voluntário não é apenas fazer o bem, entregar amor, solidariedade e tempo. É uma atividade que demanda investimentos, capacitação, recursos, conhecimento sobre causas e posicionamento.
“O trabalho voluntário é um meio de transformação para estabelecer sustentabilidade socioeconômica em realidades locais. O voluntariado observa questões urgentes da sociedade e se mostra como uma maneira de mudar a realidade, a partir de uma lógica cidadã e social”, finaliza Rafael Medeiros.