O ano de 2019 marca o fim de uma década de desafios e avanços na educação brasileira. Saiba mais sobre alguns dos movimentos mais importantes e o que ainda precisa melhorar
O ano de 2020 traz muitos desafios para o Brasil no que diz respeito à Educação Básica. Muitos deles são desdobramentos dos debates e movimentos realizados ao longo da última década (2010-2019), e podem determinar medidas decisivas para a próxima. É por isso que, antes de passar para uma nova etapa, é preciso relembrar os avanços que definem o cenário trabalhado nos últimos anos.
“A última década foi especialmente importante para a educação no Brasil, da educação infantil ao ensino superior”, afirma Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Foi importante porque representou passos primordiais para o acesso à educação e também sua melhoria em termos de referenciais legais para avançar em qualidade”.
No entanto, todo avanço traz pontos de atenção, principalmente em um país com profundas desigualdades socioeconômicas como o Brasil. É o que destaca Thaiane Pereira, coordenadora de projetos do Todos Pela Educação. “Apesar de ainda termos muitos desafios, principalmente na qualidade do processo de aprendizagem, o país teve conquistas expressivas que precisam ser relembradas. Ainda que não estejamos no modelo perfeito, o Brasil precisava começar de algum lugar”, diz a especialista.
Confira abaixo seis avanços da Educação Básica na última década, mas também o que ainda precisa ser desenvolvido nos próximos anos:
Fundeb
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) foi implementado em 2007 e passou a ser o principal mecanismo de financiamento da educação básica. Ou seja, é responsável por concentrar a porcentagem dos recursos que vêm dos impostos ou de transferências estaduais/federais, e usá-los exclusivamente para investimento na Educação Básica (salários de professores, funcionários e manutenção).
Apesar de sua implementação ter se dado antes do início da década, o efeito da distribuição de recursos afetou diretamente o impulsionamento de matrículas ao longo de todo o período de vigência (2007-2020). No ano anterior, a importância do Fundeb foi discutida em âmbito nacional, dando visibilidade para a tramitação da renovação do Fundo na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
“O Brasil investe em Educação tanto quanto os outros países investem. Mas a grande questão é que esse investimento precisa ser mais bem distribuído, a partir de um mecanismo de financiamento estruturado. O Fundeb ajudou a ampliar os recursos e distribuí-los, mas pode e deve ser mais eficiente. Existem caminhos para isso, e que afetarão toda a Educação Básica”, reforça Thaiane Pereira.
Educação obrigatória e universal
Em 2013, o ensino obrigatório entre os 4 e 17 anos foi oficializado no Brasil. A Lei que alterou a LDB (Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional), já tinha respaldo na Emenda Constitucional nº59, em 2009, que tinha como objetivo acelerar a obrigatoriedade do ensino e universalizar as matrículas na rede pública.
Antes de a lei ser aprovada, os pais só eram obrigados a matricular as crianças na escola a partir dos seis anos de idade. A alteração significou um primeiro passo importante no que diz respeito à política de Educação Infantil na primeira infância — 0 a 6 anos — ao mesmo tempo em que responsabiliza os pais e o Estado a garantirem condições de permanência dessas crianças na escola.
Segundo a PNAD Contínua de 2017, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 96,4% das crianças e jovens estão matriculados na escola. No entanto, ainda restam 1,5 milhões de brasileiros de 4 a 17 anos fora das escolas. É importante, ainda, levar em conta as nuances do sistema educacional brasileiro no decorrer da década: Levantamentos mais recentes, como o do Censo Escolar 2019, registram queda de matrículas no ensino médio (4,34%) e fundamental (1,62%), mas crescimento na taxa de matrículas nas creches (4,24%).
PNE
Outro avanço decisivo para a Educação brasileira foi a elaboração do Plano Nacional de Educação. Resultado de duas conferências nacionais, o PNE foi formulado com a participação da sociedade civil, sob liderança da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A relevância desse documento para a legislação educacional é estabelecer metas e planejamentos a longo prazo (2014-2024), para atingir os indicadores considerados adequados para a realidade brasileira.
“O Plano incorpora o mecanismo do Custo Aluno-Qualidade como referencial para a qualidade, o financiamento, a justiça federativa, a gestão democrática, e o controle social da educação”, comenta Andressa Pellanda. “E foi todo construído pela sociedade civil, com interlocução com o poder público e a academia. Isso é revolucionário para a agenda de uma política pública”.
Resultado das metas do PNE
Segundo a Pesquisa Anual por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-Contínua) de 2018:
– Média de anos de estudos aumentou: 8,6 para 9,6 anos
– Conclusão do Ensino Médio: de 46,2% para 47,4%
– Taxa de escolarização na primeira infância cresceu: de 30,4% para 34,2%
– Analfabetismo na faixa de 15 anos: Caiu de 7,2% para 6,8%
Apesar dos notáveis avanços, dados do Observatório do PNE mostram que 16 das 20 metas do Plano encontram-se estagnadas. Na visão de Andressa Pellanda, esse panorama se agravou com a crise política e econômica de 2015, que desencadeou cortes de investimento e agendas de reformas, desviando o foco das estratégias traçadas.
Educação Inclusiva
A 4º meta do Plano Nacional de Educação tem como objetivo estabelecer “o acesso à Educação Básica e ao atendimento educacional especializado para toda a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”. A definição ajuda a determinar que a Educação Inclusiva é um dos pilares para universalizar o direito à educação de qualidade no Brasil.
Desde a Constituição de 1988, a legislação brasileira está evoluindo e em concordância com os principais tratados internacionais que especificam melhores condições escolares para atender estudantes com deficiência, sem que estes tenham de ser segregados do aprendizado coletivo e da troca de conhecimentos com os demais estudantes.
Dados do Observatório do PNE mostram que no período entre 2007 e 2017, houve um aumento na proporção de matrículas de crianças com deficiência em classes comuns, alcançando 84,12%. De maneira que as matrículas em escolas exclusivasiminuíram, passando a representar 13,6% do total. Embora esse movimento tenha sido significativo, há de se considerar que fatores socioeconômicos afetam diretamente a implementação de uma educação inclusiva para todos, em todas as regiões do Brasil.
BNCC
Em 2017, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação. Após quatro anos de discussões sobre sua implementação, a BNCC traz avanços e pontos de atenção com relação às novas diretrizes de aprendizado. As competências determinadas pelo documento contam com a contribuição de professores, especialistas e da sociedade civil.
Além de nortear e abrir brechas para um desenvolvimento na formação profissional e continuada de educadores e também de competências pensadas para a Educação no século XXI — como autoconhecimento, habilidades socioemocionais, educação midiática, etc. — a Base é defendida como um instrumento de nivelamento e equidade para o sistema de ensino-aprendizagem brasileiro.
Ao mesmo tempo é importante levar em consideração a diversidade dos desafios e realidades existentes no país e por isso a recomendação é que ela seja implementada de acordo com as necessidades locais e regionais de cada rede, para que não haja um engessamento curricular.
“A Base poderá avançar ao sugerir novas formas de organização do tempo, do espaço e do trabalho escolar, mas haverá de preservar a liberdade de escolha de concepções, abordagens, métodos e estratégia de ensino pelos educadores e por suas escolas”, afirma Cesar Callegari, presidente da Comissão da BNCC, no artigo “O desafio de implementar a Base Nacional Comum Curricular”.
Debates sobre o Ensino Médio
As discussões sobre a BNCC também envolveram uma revisão na matriz curricular do Ensino Médio, com novas soluções para reorganizar a estrutura com intuito de combater as altas taxas de evasão e aumentar o engajamento do estudante com a escola. Cerca de 15,7% dos jovens dessa faixa etária não estão matriculados. Os que estão (62%), não atingem os índices de aprendizado adequado.
Essa análise feita no documento Educação Já!, iniciativa do Todos Pela Educação, reforça a necessidade de repensar um currículo que faça sentido para as necessidades emocionais, mercadológicas e cidadãs dos jovens estudantes. Algumas das propostas da reforma são: ampliar a carga horária, o ensino em tempo integral, flexibilizar a grade, de acordo com a BNCC do Ensino Médio, e fazer do ensino técnico uma das opções ao longo dessa etapa do desenvolvimento.
Os debates sobre o Ensino Médio são um avanço, mas é importante considerar que há ainda um déficit de aprendizagem que precisa ser corrigido em paralelo. Apesar de 77% dos jovens entrevistados na pesquisa “Repensar o Ensino Médio” — também realizada pelo Todos — concordarem com mudanças curriculares que tragam mais disciplinas técnicas, caso estes estudantes não tenham base suficiente em Matemática e Língua Portuguesa, por exemplo, não podem avançar adequadamente para próximas etapas.