Conheça narrativas que mostram porque representatividade e diversidade são a chave para escrever um futuro melhor e mais justo
O que Star Wars, De Volta para o Futuro e Os Jetsons têm em comum? Todos são clássicos de ficção científica que descrevem uma ideia de futuro com carros voadores, tecnologia avançada e a presença de poucas pessoas negras nesta construção. Embora o objetivo desses clássicos da cultura pop seja representar uma realidade alternativa, é impossível não se questionar: para onde foram as pessoas pretas nesses universos? E por isso nos perguntamos: onde estão os livros afrofuturistas?
“O futuro não deixa de ser uma ficção. Ele não é real, mas sim uma construção mental, uma ideia baseada em experiências passadas e expectativas presentes”, definiu a cientista social e youtuber Nátaly Neri, enquanto apresentava o conceito de afrofuturismo em uma palestra no TED Talks.
Muito antes do termo ser usado pela primeira vez, em 1994, personalidades como o músico estadunidense Sun Ra e a autora Octavia Butler, precursora do afrofuturismo na literatura mundial, mudaram o olhar sobre o futuro em suas obras, ao questionar a inexistência de um lugar seguro, que permita guiar as transformações do mundo a partir da ancestralidade do povo negro.
“A questão toda é ser uma experiência afrocentrada. São pessoas negras usando elementos de tecnologia, do fantástico, para refletir sobre a própria experiência e pensar em futuros possíveis em que a gente não seja necessariamente afetado por uma estrutura racista. É um exercício de imaginação que cria o espaço para desenvolver a criatividade”, afirmou Stephanie Borges, tradutora e poeta, em entrevista para o Nexo Jornal.
Partindo da perspectiva de que a concretização do nosso universo do amanhã se inicia em nossas ações atuais, a representatividade nas narrativas e na estética das produções artísticas é um passo importante para naturalizar uma realidade na qual as pessoas negras sejam vistas como protagonistas e produtoras de conteúdo.
Confira 6 obras de ficção científica afrofuturistas que estabelecem novas expectativas para o futuro e o presente.
1. Livro: O caçador cibernético da Rua Treze – Fábio Kabral
Ao lado de Lu-Ain-Zaila, o autor Fábio Kabral é uma das maiores referências do afrofuturismo na literatura brasileira. Mas prefere enquadrar seu trabalho em um novo gênero, criado por ele: o macumbapunk. A ideia é reforçar as espiritualidades e matrizes africanas como centro da narrativa. É o caso de “O caçador cibernético da Rua Treze“, uma de suas obras mais aclamadas. O livro traz elementos da mitologia Iorubá combinados com a ciência e a tecnologia do universo ficcional de Ketu Três.
O protagonista, João Arolê, é um jovem negro convidado a enfrentar seu passado mal resolvido ao mesmo tempo em que reage às influências de deuses e monstros. O livro é o primeiro da coletânea Afrofuturismo, que inclui também “A cientista guerreira do facão furioso” (2019).
2. Música: Meu Ritmo – Rincon Sapiência
Diretamente de Itaquera, periferia da Zona Leste de São Paulo, o rapper e poeta Rincon Sapiência traz em seus versos a potência de um futuro escrito por jovens pretos, sem se esquecer de protestar contra o cotidiano ainda distante desse ideal. No clipe Meu Ritmo, o rapper traz referências à musicalidade africana e aposta na estética e narrativa afrofuturista para reforçar a “ancestralidade em prática”.
3. Filme: Corra! – Jordan Peele
O filme de estreia de Jordan Peele como diretor levou o Oscar de Melhor Roteiro Original no Oscar 2018. A trama de terror fantástico narra a história de Chris, um homem negro que vai conhecer a família branca da namorada e se depara com um plano que o tem como alvo. Uma tecnologia capaz de transferir a consciência de pessoas brancas à beira da morte para os corpos de pessoas negras, faz com que o protagonista tenha de lutar pela sobrevivência e pelo direito à própria pele.
4. Curta: Chico – Irmãos Carvalho
Dirigido pelos irmãos gêmeos, Marcos e Eduardo Carvalho, o curta “Chico” conta a história de um menino acorrentado pelo sistema distópico de um Brasil não tão distante do atual. Moradores do Morro do Salgueiro, no Rio de Janeiro, os Irmãos Carvalho retratam o cotidiano das crianças pobres, negras e periféricas que, neste universo ficcional ambientado em 2029, estão ainda mais vulneráveis ao racismo estrutural. A obra, lançada em 2016, concorreu à 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes e ao 50º Festival de Cinema de Brasília.
5. Série: Lovecraft Country
Em uma releitura crítica dos trabalhos do autor norte-americano H.P Lovecraft, conhecido por explorar o sobrenatural e também pelo discurso assumidamente racista, a série lançada pela HBO em 2020, tem como objetivo traçar paralelos com a sociedade atual e revelar o verdadeiro terror do universo sob a ótica de protagonistas negros.
6. Game: Dandara
O jogo mineiro, desenvolvido pelo estúdio Long Hat House, traz a figura histórica de Dandara dos Palmares como inspiração para a personagem principal do game homônimo. Embora compartilhe seu nome e coragem, a protagonista vive em um mundo fictício e futurista chamado Salt, onde os cidadãos tampouco são livres. Ela também significa a esperança de libertação para este universo, mas para isso tem de desvendar mistérios, explorar cenários e sobreviver aos inimigos.
O Afrofuturismo nos quadrinhos
Criado pelo mestre Stan Lee e pelo ilustrador Jack Kirby, Pantera Negra apareceu pela primeira vez em 166. O rei de Wakanda ganhou ainda mais dimensão quando chegou às telas de cinema em 2018, interpretado pelo icônico Chadwick Boseman.
Desde então, o super-herói e todo o universo retratado na trama tornaram-se símbolos de resistência e inspiração para crianças e jovens negros. Esse movimento se reflete na produção de quadrinhos mundial, que já se prepara para lançar grandes títulos afrofuturistas em 2021.