Entenda os elementos que compõem a cidadania no século 21 e qual o papel das escolas para promovê-los e formar estudantes capazes de entender e transformar a sociedade
O que é cidadania no século 21 e por que esse debate precisa fazer parte da escola? A resposta para essa pergunta é complexa. Primeiro, porque cidadania é sempre um conceito em construção, que se transforma em diferentes contextos e conforme as necessidades de cada sociedade. A escola é um dos principais agentes dessa mudança na medida em que se constitui num espaço de reflexão e de senso crítico. Na era da informação e das novas tecnologias, formar estudantes para compreender e impactar de forma positiva o mundo ao seu redor é tarefa desafiadora, mas emergencial.
Recentemente, a imprensa noticiou casos de racismo ocorridos entre estudantes do ensino médio. Não é fato isolado. Episódios de violência e intolerância são cotidianamente vivenciados nas escolas brasileiras. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva revelou que mais de 80% de estudantes e professores da rede estadual de São Paulo souberam de casos de violência ocorridos na escola em 2018. Os mais frequentes eram bullying, agressão verbal e física e vandalismo. A superação desse cenário está baseada na construção de uma cultura de paz e no entendimento sobre democracia e cidadania.
Cidadania e direitos humanos
Dia 10 de dezembro é o Dia Internacional dos Direitos Humanos. A data marca a oficialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas, proclamada em 1948. Conhecer o documento é fundamental para a construção de um cidadão consciente de seus direitos e deveres. Mais do que isso, o conhecimento sobre direitos humanos implica em mais respeito, aceitação de diferenças e solidariedade com o próximo, como explica o especialista em Direito Público Huarlison de Souza Silva, autor de uma pesquisa sobre o ensino de direitos humanos para estudantes do ensino médio.
A cidadania no século 21: novas agendas
Antes de mais nada, o conceito de cidadania parte da perspectiva histórica da conquista de direitos civis, políticos e sociais, que podem ser ampliados, modificados ou repensados com o caminhar das sociedades. “No século 21, estamos buscando ajustar os melhores padrões democráticos e de convivência entre as pessoas”, defende o cientista político Humberto Dantas, professor da Fipe-EES e diretor presidente do Movimento Voto Consciente.
Sendo assim, ele acredita que a cidadania no século 21 amplia as agendas tradicionais de garantias e acessos, como direito à educação, à saúde, à cultura, e abarca elementos relacionados ao universo digital, à gênero, raça, sexualidade, inclusão de Pessoas com Deficiência e aspectos de ordem ambiental e de sustentabilidade. “O acesso à tecnologia e à internet e a capacidade extraordinária das pessoas enxergarem as diversidades são os dois elementos mais importantes relacionados à conquista dos direitos neste século”, enfatiza Dantas.
Assim, quanto mais complexa fica a sociedade, maior a necessidade de formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres. “A exemplo de tantos lugares no mundo, a escola no Brasil é um ambiente muito importante para consolidar, amadurecer ou tentar construir essa noção de cidadão que precisa existir em cada um de nós para o convívio coletivo”, explica o cientista político.
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Os desafios da escola para a formação cidadã
A Constituição Federal (artigo 205), reforçada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), estabelece que a principal função da educação é promover o pleno desenvolvimento dos estudantes e seu preparo para o exercício da cidadania. Para isso, deve fomentar a capacidade analítica e senso crítico para que os educandos compreendam o mundo em que vivem e, assim, possam transformá-lo.
“A gente só consegue exercer plenamente a cidadania quando reconhecemos o mundo, e hoje isso passa por mídias, jornais, redes sociais e todo um universo informacional que, de tão poluído, deixa cada vez mais complexa a cidadania no século 21”, considera o professor Estevão Zilioli, coordenador do Colégio Super Ensino, de Ourinhos. Ele é autor e formador de cursos do programa EducaMídia, que capacita professores a fazer educação midiática de jovens.
Assim, a circulação de notícias falsas, a quantidade de pessoas que se informam somente pelas redes sociais ou aplicativos de mensagem e o potencial de viralização de conteúdos produzidos são elementos que podem alterar e comprometer o exercício da cidadania plena e, por isso, precisam ser discutidos nos espaços escolares.
“A partir do tripé ler, escrever e participar, a educação midiática desenvolve senso crítico, leitura reflexiva do mundo e responsabilidade em relação ao conteúdo que consumo e produzo. E isso é importante para alunos e educadores”, diz.
Somado aos desafios próprios dos nossos tempos está o fato de que a sociedade brasileira tem uma cultura autoritária, presente na escola desde a composição dos espaços escolares, com muros e grades, até a tomada de decisão hierarquizada.
“Imaginar que as juventudes vão ter apreço pela democracia a partir de vivências autoritárias que eles têm dentro de casa, em seus empregos, dentro de suas escolas ou turmas, é querer demais de uma sociedade que não entrega isso”, explicou Dantas. Sendo assim, garantir que o espaço escolar viabilize a participação democrática envolve a articulação entre políticas públicas, gestão escolar democrática e práticas dentro e fora das salas de aula.
Protagonismo estudantil
A educadora Renata Salomone, fundadora do MAPA Metodologias Ativas , coordenadora na Escola Parque e professora de Sociologia na escola Eliezer Max, no Rio de Janeiro (RJ), trabalha constantemente em sala de aula conceitos como cidadania, democracia e participação. A vivência pedagógica dela indica que o incentivo ao protagonismo estudantil é o melhor caminho para promover esse debate na escola.
“Construir uma cultura de sala de aula em que os alunos protagonizam o aprendizado exige que nós, professores, ofereçamos oportunidades aos estudantes de fazerem escolhas, de refletirem sobre suas práticas, de saírem dos encontros instigados a saber mais, levando para fora da escola suas próprias conclusões e desejantes de atuar no mundo”, diz.
Assim, um dos projetos mais recentes que realizou nas escolas onde atua tomou forma no contexto das eleições. Batizado de Politiquê? Conversas abertas sobre política na escola, foi realizado em parceria com professores de diferentes áreas. Ele envolveu a análise crítica de informações nas redes sociais, trilhas de aprendizagem com rotação de estações para pesquisa sobre função das instituições democráticas, além de diferentes jogos, como o cara a cara do STF e um twister com candidatos à presidência. Na fase final do projeto, os estudantes receberam a visita de alguns candidatos a Deputado Federal do Rio de Janeiro, de diferentes partidos e vertentes políticas e puderam fazer perguntas a eles.
“Nossa tendência é considerar a ideia de cidadania de forma passiva, entendendo o cidadão como um receptáculo de direitos ou a democracia apenas como um procedimento eleitoral para escolhermos nossos representantes. Na medida em que os estudantes desenvolvem ações e buscam de soluções para problemas do cotidiano da cidade, podemos ver que os olhares sobre os temas se modificam. A compreensão de que o princípio da cidadania e da democracia são ativos é respaldada pela prática.”
Para aprofundar o debate
Formação gratuita para docentes e gestores: curso Cidadania digital: educando para o uso consciente da internet, disponível na plataforma Escolas Conectadas, iniciativa que faz parte do Profuturo, programa global da Fundação Telefônica Vivo e da Fundação Bancária “la Caixa.
E-book: Cidadania, Democracia e Participação: práticas pedagógicas para Ensino Fundamental II e Médio, produzido pela Mobis, organização social comprometida em aumentar o engajamento cívico dos brasileiros.