Você sabe o que é tecnologia assistiva e como ela é importante na inclusão escolar de jovens e crianças? Aqui, explicamos mais sobre esse importante tema.
“As escolas devem ajustar-se a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras. Neste conceito devem incluir-se crianças com deficiência ou superdotadas, crianças da rua ou crianças que trabalham, crianças de populações imigradas ou nômades, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais”
Declaração de Salamanca, UNESCO, 1994
Primeiro dia de aula, março de 1970, uma escola de Ensino Fundamental na zona norte de São Paulo – classe cheia, por volta de 40 crianças de aproximadamente sete anos, meninos sem experiência escolar anterior. Ansiedade geral, por parte de alunos e professora, esta, uma jovem de 18 anos e pela primeira vez à frente de uma sala de aula. Entre as crianças está Pedro Carlos, sete anos incompletos e olhinhos miúdos. Logo na primeira lição – colocar a etiqueta no caderno, a professora percebe que ele “cola” os olhos no material para identificá-lo – ele tem baixa visão.
Sem saber exatamente o que fazer, ela foi testando formas de trabalhar com aquela criança – fez as lições da cartilha em separado, ampliando letras, fazendo desenhos, comprou lupas, inventou material de colagem e texturas. No ano seguinte, a criança foi matriculada numa instituição para cegos e deixou de freqüentar a escola.
Ainda hoje, 2007, muitas crianças que apresentam baixo desempenho escolar têm problemas de acuidade visual, a chamada baixa visão, que é descoberta quando ela começa a freqüentar a escola. Quando a baixa visão é identificada pelo professor ou pela família, esta criança é encaminhada para diagnóstico, mas não precisa mudar de escola, por conta de sua deficiência.
Um dos dispositivos criados pela Secretaria de Educação Especial (SEESP) do Ministério da Educação (MEC) para atender as prerrogativas da educação inclusiva, oferecendo suporte para a inclusão dos alunos com algum tipo de deficiência, foi a criação dos Centros de Apoio Pedagógico Especializados (CAPEs). Os CAPEs possuem regime descentralizado e atendem às demandas provenientes das escolas públicas estaduais. São regionais, lidando mais diretamente com os professores e a equipe escolar. A partir de demanda, o CAPE prepara material de orientação e providencia as capacitações que forem necessárias. Muitas vezes a necessidade é pelo ensino da língua portuguesa para surdos ou adquirir conhecimentos sobre esporte adaptado ou pelo aprendizado do soroban – instrumento de origem oriental que concretiza as operações matemáticas – para cegos. As ações do CAPE são respaldadas pelos programas federais do MEC, como o Programa de Apoio à Educação de Alunos com Deficiência Visual e o Programa de Apoio à Educação de Alunos com Surdez. Além disso, muitas entidades especializadas se propõem a participar do processo escolar inclusivo, como os Centros de Vida Independente (CVIs).
Hoje, nossa professorinha de 1970 teria condições de, muito mais rapidamente, não só conseguir o apoio necessário para ajudar o seu aluno, mas acesso a uma tecnologia específica, que proporciona facilidades no aprendizado. E seu aluno teria, à sua disposição, uma sala de recursos, devidamente equipada para ajudá-lo na sua necessidade educacional especial. Esses recursos são chamados de tecnologia assistiva ou ajudas técnicas e, de um modo geral, dizem respeito a aparelhos, instrumentos ou procedimentos que aumentam ou restauram a função humana, proporcionando uma vida independente e produtiva à pessoa com deficiência e facilitando a sua interação com o ambiente.
Números da educação inclusiva
O Censo Escolar 2006, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), contabilizou 375.488 matrículas de alunos com deficiência na Educação Básica e um crescimento de 76,4% no atendimento em classes regulares (não especiais). Os números são animadores e indicam que a educação inclusiva vem se expandindo no Brasil.
Do total de matrículas efetuadas, 17,6% correspondem à Educação Infantil, 65,4% ao Ensino Fundamental, 1,7% ao Ensino Médio e 15,3% à Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional. Os índices relacionados ao Ensino Médio ainda se mostram desanimadores. Como conseqüência, os dados também mostram que o acesso ao Ensino Superior ainda é um privilégio de poucas pessoas com deficiência. Há cerca de 5.392 matrículas, e uma boa parte corresponde às instituições particulares.
Segundo o MEC, ainda, estas crianças estão assim distribuídas, conforme sua deficiência:
Cegueira: Total de 9.206 matrículas sendo 5.207 (56,5%) em escolas e classes especiais e 3.999 (43,5%) em escolas regulares/classes comuns
Baixa Visão: Total de 60.632 matrículas sendo 7.101 (11,7%) em escolas e classes especiais e 53.531 (88,3%) em escolas regulares/classes comuns
Deficiência Auditiva: Total de 21.439 matrículas sendo 6.825 (31,8%) em escolas e classes especiais e 14.614 (68,2%) em escolas regulares/classes comuns
Surdez: Total de 47.981 matrículas sendo 26.750 (55,7%) em escolas e classes especiais e 21.231 (44,3%) em escolas regulares/classes comuns
SurdoCegueira: Total de 2.718 matrículas sendo 536 (19,7%) em escolas e classes especiais e 2.182 (80,3%) em escolas regulares/classes comuns
Deficiência Mental: Total de 291.130 matrículas sendo 197.087 (67,7%) em escolas e classes especiais e 94.043 (32,3%) em escolas regulares/classes comuns
Deficiência Múltipla: Total de 74.605 matrículas sendo 59.208 (79,3%) em escolas e classes especiais e 15.397 (20,7%) em escolas regulares/classes comuns
Deficiência Física: Total de 43.405 matrículas sendo 13.839 (31,8%) em escolas e classes especiais e 29.566 (68,2%) em escolas regulares/classes comuns
Altas Habilidades/Superdotação : Total de 2.769 matrículas sendo que todas estão em escolas regulares/classes comuns
Condutas Típicas: Total de 95.860 matrículas sendo 22.080 (23%) em escolas e classes especiais e 73.780 (77%) em escolas regulares/classes comuns
Autismo: Total de 11.215 matrículas sendo 7.513 (67%) em escolas e classes especiais e 3.702 (33%) em escolas regulares/classes comuns
Síndrome de Down: Total de 39.664 matrículas sendo 29.342 (74%) em escolas e classes especiais e 10.322 (26%) em escolas regulares/classes comuns
Fonte: Censo Escolar (MEC/INEP)
Portanto, uma parte significativa desta população depende e precisa, para que sua educação se complete com êxito, de uma tecnologia que a assista nas suas necessidades.
“Para a maioria das pessoas, a tecnologia torna a vida mais fácil, para uma pessoa com necessidades especiais, a tecnologia torna as coisas possíveis.”
(Francisco Godinho em seu livro On line: Internet para necessidades especiais)
Entre os recursos necessários e individualizados, a Tecnologia Assistiva está presente em situações onde haja necessidade de: comunicação alternativa e ampliada; adaptações de acesso ao computador; equipamentos de auxílio para visão e audição; controle do meio ambiente (adaptações como controles remotos para acender e apagar luzes, por exemplo); adaptação de jogos e brincadeiras; adaptações da postura sentada; mobilidade alternativa; além de próteses e a integração dessa tecnologia nos diferentes ambientes como a casa, a escola, a comunidade e o local de trabalho.
É importante lembrar que as tecnologias assistivas vão desde uma fita crepe que prende o papel à mesa, para que não solte com os gestos involuntários do aluno, a criação de um mapa com os contornos em barbante, até a utilização de equipamentos como mouse e ponteiros ou um software leitor de tela para acesso ao computador.
No processo de inclusão de crianças com deficiência, deve-se observar e providenciar:
Adaptações ambientais como rampas, barras nos corredores, banheiros e sala de aula, tipo de piso, sinalização dos ambientes, iluminação e posicionamento da criança dentro da sala de aula considerando sua possibilidade visual, alertas (sinais) de comunicação sonoros e visuais.
Adaptação postural da criança na classe com a adequação da sua cadeira de rodas ou carteira escolar e adequações posturais nas atividades das aulas complementares ou de lazer.
A garantia do processo de ensino-aprendizagem com a confecção ou indicação de recursos como planos inclinados; antiderrapantes; lápis adaptados, órteses (dispositivo ortopédico de uso externo, usado para alinhar, prevenir ou corrigir deformidades e melhorar as funções de partes móveis de corpo); pautas ampliadas; cadernos quadriculados; letras emborrachadas; textos ampliados; máquina de escrever ou computador; material didático em Braille ou gravado em voz ; máquina que reproduz mapas em alto relevo ( mapas táteis) para o ensino da geografia; ábaco (ou soroban) para o ensino da matemática; reglete, tipo de régua para escrever em braile; punção, lápis ou caneta da pessoa cega, usado com a reglete; máquina braile; lupas; lentes de aumento e réguas de leitura; suporte com ilustrações; programas de computador leitores de tela, livro falado, gravado ou digitalizado etc.
O recurso alternativo para a comunicação oral com a utilização de pranchas de comunicação ou comunicadores, e
A independência nas atividades de vida diária e de vida prática com adaptações simples como argolas para auxiliar a abertura da merendeira ou mochila, copos e talheres adaptados para o lanche, etiquetas em braile em prateleiras e equipamentos.
A informática tem se mostrado um recurso de ajuda poderoso. Os livros digitais, os leitores de tela, teclados virtuais e simuladores diversos estão disponíveis facilitando a vida dos alunos com deficiência e atingindo um público cada vez mais diverso e numeroso.
A legislação mais recente tem levado em conta esses avanços tecnológicos e tenta garantir a utilização desses recursos, através de regulamentações como o decreto n° 5296, assinado às vésperas do Dia Internacional de Luta da Pessoa com Deficiência, em 03 de dezembro de 2004. Este decreto veio reafirmar e definir objetivamente os direitos da pessoa com deficiência em todas os espaços da vida social, dando ênfase aos espaços escolares.
Segundo o artigo 24, “os estabelecimentos de ensino de qualquer nível, etapa ou modalidade, públicos ou privados, proporcionarão condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes ou compartimentos para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, inclusive salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios e instalações desportivas, laboratórios, áreas de lazer e sanitários”.
E ainda, no Capítulo VII sobre Ajudas Técnicas, o artigo 61 estabelece, “para os fins deste Decreto, consideram-se ajudas técnicas os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida”.
Como vimos acima, claramente dispostos em lei, os direitos do aluno deveriam garantir o acesso integral à educação, significando ter, à sua disposição, a tecnologia necessária para seu desenvolvimento pleno.
Infelizmente, nem sempre esses recursos chegam até o aluno. Cabe a todos nós divulgar toda a informação necessária e, principalmente, incentivar alunos e professores a fazer valer seus direitos.
“ Inclusão é uma consciência de comunidade, uma aceitação das diferenças e uma co-responsabilização para atender às necessidades de outros.”
Fontes:
Rede SACI
Educação inclusiva: o que o professor tem a ver com isso?
MEC – Ministério da Educação – SEESP – Secretaria de Educação Especial
Centro de Terapia Ocupacional do Rio de Janeiro
Programa “Informática na Educação Especial”
Entre Amigos – Textos / Tecnologia Assistiva