Dados mostram que o caminho para o acesso de grupos historicamente excluídos ainda é longo no campo científico e mudar essa realidade é urgente
Conjunto variado e multiplicidade estão entre os significados da palavra diversidade. A convivência entre pontos de vista diferentes pode ser fundamental em um campo em que habilidades como criatividade, senso crítico e curiosidade são tão relevantes – como é o caso da Ciência. Por isso, é importante debater estratégias para que grupos histórica, economica e socialmente excluídos, como mulheres, negros e LGBTQIA+, possam também ocupar espaços como cientistas e promotores de conhecimento.
Um estudo da Universidade de Stanford, localizada no estado americano da Califórnia aponta um paradoxo entre diversidade e inovação. Negros e mulheres produzem pesquisas mais inovadoras do que colegas brancos, mas os estudos ganham menos destaque devido ao preconceito, o que se reflete na falta de representatividade em cargos de relevância. Nos Estados Unidos, as chances de mulheres ingressarem no corpo docente de uma universidade são 5% inferiores às dos homens, por exemplo.
Para Márcia Barbosa, doutora e pesquisadora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e eleita pela revista Forbes como uma das 20 mulheres mais influentes no Brasil, a questão começa no baixo número de mulheres no campo científico.
“São dois problemas: o primeiro é que nas Ciências existem poucas mulheres, nas Exatas em particular; o segundo, é que em todas as categorias, mesmo fora da Ciência, o percentual de mulheres diminui à medida em que se avança na carreira”, afirma.
Na Física, área em que ela se destaca, apenas 4% dos cargos no topo de carreira são ocupados por mulheres. A construção social do feminino e do masculino ajuda a explicar esse cenário. “A gente está imerso em uma sociedade que trata meninos e meninas diferente. Estimula o menino para a aventura, e a menina para ficar num mundinho de princesa. Ela vai crescer com esse estigma, até vai tirar nota boa, mas isso não vai aumentar a autoestima dela”, explica.
O recorte racial dentro do debate
Olhando para o recorte racial dentro da análise feita em Stanford, que se baseou no conteúdo de 1,2 milhão de teses de doutorado de todas as áreas do conhecimento defendidas nos Estados Unidos entre 1977 e 2015, as chances de uma pessoa negra ocupar um cargo de professor em uma universidade são 25% menores que as de uma branca.
No Brasil, um levantamento feito pela Liga de Ciência Preta Brasileira (LCPB) aponta que apenas 15,4% dos alunos de pós-graduação do país são pretos ou pardos. As informações, baseadas na plataforma Lattes, mostram ainda que somente 2% são amarelos e menos de 0,5% são pessoas que representam povos indígenas.
Dados levantados pela Folha de S. Paulo a partir de dados abertos do Capes, vinculado ao Ministério da Educação (MEC), vão na mesma direção. Mostram que apenas 1 em cada 4 matriculados em programas de mestrado e de doutorado é negro. Em áreas como medicina, a participação desse grupo cai para 1 entre 10 cientistas em formação.
Leia também: Quantas autoras e autores negros você já leu?
Representatividade e reconhecimento
Na contramão das estatísticas, Ester Cerdeira Sabino, pesquisadora e professora do Instituto de Medicina Tropical (IMT), vinculado à Universidade de São Paulo (USP) foi uma das responsáveis por supervisionar o grupo que sequenciou o genoma do novo coronavírus usando as primeiras amostras de pacientes no Brasil, em estudo coordenado por Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP.
Para a pesquisadora, promover a diversidade é importante em todos os níveis e a Cência é um deles. “O Brasil precisa ser mais igualitário não só para o seu próprio desenvolvimento, mas também para ser um país correto”, afirma.
Ela se diz favorável à Lei de Cotas, que destina um número de vagas para a entrada em universidades brasileiras a pretos, pardos e indígenas, além de estudantes de baixa renda vindos de escolas públicas “Talvez precisasse também existir bolsas usando o mesmo sistema das cotas, para aumentar esse grupo mal representado nos cursos de pós- graduação”, sugere.
Os especialistas brasileiros levaram apenas 48 horas para sequenciar o coronavírus, enquanto a média mundial era de 15 dias. Conhecer o genoma completo do vírus em cada local do mundo ajuda a entender como ele se dispersa e as diferentes mutações que sofre. Em um momento em que o mundo passou a valorizar mais o campo da pesquisa por conta da pandemia, a pesquisadora exalta o reconhecimento internacional do sequenciamento feito em fevereiro deste ano.
“Foi importante a divulgação na mídia para mostrar mulheres trabalhando, mulheres negras trabalhando. Foi super importante para mudar como as pessoas entendem a ciência”, opina Ester Sabino, que em sua trajetória participou de estudos como o sequenciamento de variedades de HIV no Brasil, na década de 1990.
Mais do que o mapeamento em si, o ponto chave foi mostrar a capacidade de responder rapidamente a novas epidemias. “A gente já estava fazendo pesquisas sobre sequenciamento desde março de 2019, já estávamos trabalhando com febre amarela, depois com arenavírus, que é um outro vírus relacionado a casos agudos de infecção. É essa capacidade de fazer isso rapidamente”, explica.
A popularização da Ciência está em um dos pontos de destaque deste preocupante cenário que vivemos.
“O campo ficou mais conhecido da população e também a forma de trabalhar. Aos poucos as pessoas discutem palavras que antes não estavam no vocabulário do cotidiano e isso é fundamental para que se compreenda o passo a passo de uma vacina como essa”, conclui.