O debate de gênero na escola divide opiniões. Mas, afinal, se o aluno já tem dificuldades dentro de casa, o espaço de ensino não deveria oferecer alternativas?
A importância das discussões de gênero no ambiente escolar
Falar sobre gênero e orientação sexual é uma ferramenta para diminuição da desigualdade.
A Câmara Municipal de Fortaleza se polarizou frente à votação do Plano Municipal de Educação (PME), no dia 23 de junho. A aprovação só foi possível com a retirada das emendas que propunham a discussão de gênero e identidade sexual.
Discussões como as que aconteceram no Ceará se espalham em outros estados à medida que as câmaras votam seus Planos Municipais de Educação. Os PME são metas que os municípios almejam atingir daqui dez anos, com base em seu orçamento. Eles seguem as diretrizes do Plano Nacional de Educação, homologado em junho de 2014, mas não necessariamente são iguais e podem contar com alterações e substitutivos apresentados por comissões responsáveis de cada Estado. Em São Paulo também estão tramitando as emendas que preveem o debate de gênero dento da sala de aula.
O termo gênero é passível de interpretações erradas, que dão margem ao veto de projetos de lei. “O conceito de gênero foi gestado na década de 70 basicamente para questionar essa ideia de uma essência ou de uma natureza que explicasse os comportamentos masculinos e femininos. Mais importante, mostrar que as diferenças não podem justificar a desigualdade. Politicamente, o gênero ainda é importante para ser discutido, porque as escolas, as pessoas de modo geral, ainda trabalham com a ideia de divisão entre homens e mulheres”, explica a doutora em Educação da UFRGS, Jane Felipe de Souza, especialista nas áreas de Sexualidade e Relações de Gênero
A expressão utilizada para justificar a retirada das emendas de discussão de gênero em sua maioria é a Ideologia de Gênero. Segundo a doutora Jane, o vocábulo ideologia é usado para descontruir o argumento de forma errônea por quem não tem ideia do que gênero, orientação e identidade sexual significam. A falta de conhecimento já bastaria para justificar esses tipos de discussões dentro da escola, mas os números da violência também são bons indicadores de que está na hora de conversar mais abertamente sobre o assunto.
O Brasil é um dos países que vitimiza transexuais e homossexuais no mundo, segundo o relatório de 2013 do GGB (Grupo Gay da Bahia). Os dados de violência contra a mulher são igualmente preocupantes. Somos o sétimo lugar no ranking mundial de feminicídio; a cada noventa minutos, uma mulher é assassinada. Segundo a pesquisa Menina Pode Tudo, do Énois I Inteligência Jovem, Instituto Herzog e Instituto Galvão, 91% das meninas já sofreram agressão verbal na rua, enquanto 41% já sofreram algum tipo de agressão sexual.
O professor e vereador do PSOL Toninho Vespoli frisa a correlação entre a violência e nebulosidade do assunto dentro do ambiente escolar. “Nós somos seres que nos relacionamos socialmente e a escola tem o papel de melhorar essas relações. Os conflitos sociais não podem ser separados da realidade escolar”. Ele defende na Câmara Municipal de São Paulo dois conceitos no PME: Combate ao Machismo e a Homofobia.
“A escola não pode ter um tema tabu. Qualquer demanda que os alunos tragam é passível de ser discutida, porque a função da escola não é apenas transmitir conhecimento, é ampliá-lo e também contribuir para a formação de cidadãos mais éticos”, é a opinião da doutora Jane. Ela também diz que o argumento dos setores conservadores contra as emendas na PME de que a família deve ser responsável por orientar seus filhos com relação a gênero é falho, pois os números da violência estão em crescimento constante.
É aí que a figura do professor é essencial. Se o aluno já tem dificuldades dentro de casa, o espaço de ensino deve oferecer alternativas e alento, não hostilidade. “Os parâmetros curriculares nacionais, que são do fim da década de 90, já têm no seu escopo temas que chamamos transversais, como a sexualidade, gênero e orientação sexual. É uma questão de formação dos professores e professoras para que eles se sintam competentes em discutir essa questão. Essa educação tem que iniciar-se no ensino fundamental, construindo uma base de reflexão”, diz Jane.
Ela também aponta para os movimentos de grandes universidades como UNICAMP e USP para formar docentes preocupados e habilitados com relação à questão de gênero. A própria UFRGS, onde ela leciona, tem há 25 anos o GEERGE – Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero. Uma de suas referências é o importante trabalho do MEC, que possui um grupo de professores especializados em identificar dentro do material didático distribuído nas escolas qualquer incitação à violência e preconceito contra minorias. Se encontradas, o livro é vetado.
A votação do Plano Municipal de Educação em São Paulo está prevista para acontecer em três sessões no mês de agosto. Vespoli se diz otimista quanto aos resultados, embora saiba que a palavra gênero encontrará dificuldades para passar pelas implicações e sensos comuns a ela atribuídos: “Se pelo menos conseguirmos aprovar os conceitos, não os verbetes, já ficaremos felizes”.