A ideia de retratar a existência negra no futuro, unindo alta tecnologia e a ancestralidade africana, nasceu nos EUA na década de 60 e ganhou múltiplos contornos no Brasil e no mundo.
“A ideia radical de que pessoas negras existem no futuro”. É assim que Nátaly Neri, criadora do canal Afro e Afins, definiu o afrofuturismo no TEDx Petrópolis. Morena Mariah, estudiosa do movimento e criadora do Afrofuturo, também gosta de usar esta definição.
“Parece muito óbvio, mas não é. A gente vive uma realidade de opressão e violências que são herdadas do processo de escravização e já duram alguns séculos. Elas só vão se atualizando e mudando de cara. Não está garantida a existência negra no futuro, então o afrofuturismo se propõe a questionar a realidade do presente”, diz Morena.
Unindo elementos hi-tech a traços da ancestralidade africana, o afrofuturismo é um movimento artístico, social e cultural, que pensa a existência negra na arte, na dança, na política, na literatura, no cinema…
“Kênia Freitas (jornalista, professora e pesquisadora de comunicação) fala que o movimento afrofuturista é plural e multifacetado. Eu gosto de usar a imagem do prisma para falar do afrofuturismo porque ele pode ser olhado de diversos ângulos”, explica Morena Mariah.
“É um movimento que vai buscar na ancestralidade uma ponte para a experiência do negro no futuro”, define Ale Santos, autor do livro Rastros de resistência: Histórias de luta e liberdade do povo negro.
Esta retomada da identidade do passado para criar a ideia de futuro, também ajuda a população negra a sentir orgulho de suas raízes. Destrói a ideia de que o seu passado é composto apenas por escravidão, sofrimento e miséria, como é retratada na maioria das obras do entretenimento e torna-se uma forte ferramenta na luta contra o racismo.
Afrofuturismo X futurismo
O futurismo foi uma das vertentes das vanguardas artísticas do século XX. Glorificando a tecnologia, esses artistas viam o futuro representado na velocidade do automóvel, nos avanços industriais, na eletricidade, nas grandes metrópoles, enfim, na nova configuração social do início do século.
O futurismo queria se afastar do passado para definir o que era o futuro. Era um trabalho de esquecimento da própria história. Contrário a isso, o afrofuturismo representa um povo inteiro que teve a sua história apagada querendo buscar na ancestralidade a ideia de futuro.
Início do movimento
Diversos profissionais negros mergulharam na temática do afrofuturismo. São autores ou artistas que trazem uma bagagem social, cultural e política em perspectivas nunca antes vistas na ficção científica. O movimento vem ganhando cada vez mais força com a cultura pop – com o filme Pantera Negra, ou o novo álbum visual Black is King da Beyoncé – mas ele é conhecido desde a década de 60.
Um dos precursores foi o músico estadunidense Sun Ra. Em suas produções ele dizia que o planeta Terra era muito cruel e por isso pessoas negras africanas e diaspóricas deveriam viver em outros espaços. Space is the place (o espaço é o lugar) era o nome do álbum.
Ale Santos afirma que a narrativa afrofuturista esteve presente na construção do hip hop com Afrika Bambaataa, um dos precursores do gênero. “Há também alguns artistas como o Basquiat que tenta conectar a ancestralidade com um imaginário da rua. O próprio Michael Jackson já tinha várias ideias de futuro e isso aparecia em filmes e músicas dele”.
Dica! Exposição online para ver em casa: Basquiat na Brant Foundation
Na literatura, um dos grandes nomes foi Octavia Butler, a “primeira dama da ficção científica”, que possui protagonistas negros em todos os seus 15 livros publicados.
O termo “afrofuturismo”, no entanto, só foi usado em 1994 pelo teórico e crítico cultural Mark Dery. Ele era um homem branco, norte-americano, que escreveu o ensaio Black to the future, em que analisou a presença negra no gênero de ficção especulativa. Ele constatou que por conta do apagamento sistemático do passado africano pré-colonial, isso fez com que não conseguissem se enxergar no futuro.
Algumas personalidades afrofuturistas mundo afora são: Janelle Monáe, Erykah Badu, Billy Porter, Thundercat e Flying Lotus.
Afrofuturismo no Brasil
Conheça algumas personalidades e movimentos brasileiros que falam sobre afrofuturismo para se aprofundar sobre o tema!
Fábio Kabral
É um escritor de literatura fantástica e ficção científica, autor dos romances “Ritos de Passagem” (Giostri, 2014), “O Caçador Cibernético da Rua 13” (Malê, 2017) e “A Cientista Guerreira do Facão Furioso” (Malê, 2019). Também é cofundador do site O Lado Negro da Força. Veja a palestra dele, “O que é afrofuturismo?” no TEDxMauá:
Morena Mariah
É comunicadora, estudiosa do movimento afrofuturista, criadora do projeto Afrofuturo, e recentemente podcaster. Ela também escreve para o Projeto Celina.
Ale Santos
É autor, roteirista, storyteller. Escreveu o livro “Rastros de resistência: Histórias de luta e liberdade do povo negro”, é podcaster no “Infiltrados No Cast” e colunista na Ponte Jornalismo.
Lu Ain-Zalia
Ou Luciene M. Ernesto é escritora afrofuturista. Autora de “Duologia Brasil 2408”, “Sankofia” – uma coletânea de contos, e “Ìségún” – uma novela cyberfunk.
No Martins
Artista visual bastante versátil, transitando pela pintura, performance, instalação e experimentação com objetos. Aborda temas como relações interpessoais no cotidiano, questões raciais, violência policial e o encarceramento em massa.
Ellen Oléria
É cantora e compositora. No álbum “Afrofuturista”, Ellen constrói uma ponte entre o passado e o futuro saindo dos estereótipos da música negra.
Xênia França
É uma cantora baiana. O seu primeiro disco solo, “XENIA”, reverencia o som que vem da diáspora negra.
Trabalha com as artes plásticas, design gráfico e arte educação. Ele desenvolve trabalhos de murais pela cidade, pinturas em telas e ilustrações digitais.
É pianist que tem hip hop, funk, soul e música eletrônica como algumas de suas referências. Ferr foi a atração de abertura do show de Kamasi Washington aqui no Brasil, grande nome do afrofuturismo internacional.
É um movimento cultural que une a música, dança, audiovisual, moda, artes visuais e tecnologia para falar de elementos ancestrais, mitologias africanas.
É um grupo musical que reúne a cultura soundsystem caribenha e ritmos afro-latinos tradicionais. Fazem parte do grupo o atleta de taekwondo Diogo Silva, o rapper Sombra, o produtor e músico Minari Groove Box e o cartunista e percussionista Junião (Lavoura).