Entenda o que é albinismo e como combater o preconceito e a invisibilidade de pessoas albinas a partir do acesso à informação e conscientização
Albinismo não é uma palavra desconhecida, no entanto, seu entendimento ainda gera muitas dúvidas. Trata-se de uma condição genética em que há a falta da melanina, substância que dá cor e proteção à pele, aos cabelos e aos olhos. Por isso, os albinos têm a pele mais clara, cabelos brancos e partes do corpo mais frágeis, o que resulta em lesões pelo corpo, queimaduras solares e deficiência visual.
“Eu gosto de ressaltar que o albinismo não é uma doença, porque doença é aquilo que pode matar, né? E ninguém morre de albinismo”, afirma Andreza Aguida, de 41 anos. Ela é formada em Engenharia Elétrica e em Educação Física, mas se apresenta como comunicadora, artista, modelo e ativista pela causa albina.
Os obstáculos para pessoas albinas começam desde a infância, mas podem ser superados por meio da informação.
O Dia Mundial de Conscientização sobre o Albinismo é celebrado no dia 13 de junho. A data, proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU), busca divulgar informações sobre a condição para combater a discriminação.
“A situação piora se elas não conseguem ter acompanhamento médico com dermatologista e oftalmologista. Tem aquelas que não conseguem estudar porque não conseguem comprar óculos ou não têm acesso ao protetor solar”, explica a ativista.
Diagnosticada com deficiência visual depois dos 25 anos, por causa do albinismo, Andreza passou todo o período escolar tentando se adaptar ao ensino regular por não conseguir enxergar. “Eu não entendia o que tinha na visão. Sabia que eu enxergava pior do que os outros, mas não que aquilo era deficiência visual. A minha professora me colocou na frente do quadro para que eu pudesse ver, mas queria ficar no fundo com os meus colegas”.
A maneira como a criança com albinismo convive com sua deficiência visual é muito particular e cada caso deve ser avaliado individualmente. Há estratégias que podem ser aplicadas para acomodar melhor o aluno albino. “Em uma sala de aula que tem muita claridade, basta colocar papel metro (aqueles de cor parda, vendido em rolo) na janela”, sugere Joselito Pereira da Luz, de 65 anos, que é negro e tem essa condição genética.
Bacharel em Direito, ele é diretor executivo da Apalba, Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia, pioneira na luta de defesa de direitos de pessoas com albinismo no Brasil. “A minha geração não teve nenhuma orientação, nem mesmo para se reconhecer como pessoa albina. Até os 20 anos, eu não sabia que era albino”, compartilha.
Cuidados com a saúde e prevenção desde a infância
O albinismo é hereditário, dessa forma, os dois pais devem carregar o gene raro da condição e é importante ressaltar que existem classificações diferentes, já que esses genes sofrem mutações. Além disso, os albinos podem ser negros, brancos, ter o cabelo ruivo, branco, castanho e etc.
Como não existe cura para a ausência da melanina, algumas pessoas com albinismo podem desenvolver câncer de pele, causado pela extrema sensibilidade ao sol. O câncer é facilmente prevenido se a proteção for feita de forma correta, com a utilização de filtro solar, óculos escuros e roupas protetoras. O tratamento, no entanto, precisa ser feito desde a infância.
“O albinismo ainda é muito negligenciado. A gente tem dificuldade de entendimento de como esta condição acontece no Brasil e pouquíssimas pessoas da área da saúde têm especialização no assunto. É muito comum atendermos crianças que recebem a orientação do pediatra para se expor ao sol para produzir Vitamina D. Por isso, fazemos um trabalho intenso com a prevenção na infância, porque é justamente quando conseguimos mudar o curso de vida das pessoas”, afirma a médica dermatologista e coordenadora do Programa Pró-Albino, Carolina Marçon.
Em vídeo do canal do YouTube da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Carolina Marçon, relata que é muito importante que pessoas albinas façam acompanhamento periódico com dermatologistas.
“A equipe consegue identificar precocemente lesões que possam evoluir para um câncer para que elas sejam removidas, ou mesmo tratar lesões já instaladas, porque o câncer é a principal causa de óbitos de pacientes com albinismo”, alerta.
O Programa Pró-Albino funciona desde 2012 na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e oferece atendimento médico e psicológico gratuito às pessoas com albinismo. A ideia da iniciativa surgiu nos departamentos de dermatologia e oftalmologia da instituição para prevenir casos de câncer de pele. Este é o único centro médico do Brasil voltado para os albinos e que, atualmente, fechou um acordo com o Ministério da Saúde para ampliar o projeto, como ter um programa piloto para oferecer pesquisa genética e disponibilizar mais recursos como protetor solar e óculos para pessoas albinas.
Já as principais condições oftalmológicas são os altos graus de doenças oculares, como miopia, astigmatismo e hipermetropia. “A visão do albino gira em torno de 10% a 20% em sua grande maioria”, afirma o médico oftalmologista Ronaldo Sano, também coordenador do Programa Pró-Albino em vídeo. “Eles costumam ter ainda alterações na íris, a parte mais visível e colorida do olho, que tem como função controlar os níveis de luz que entra nos olhos. E a falta de pigmentação permite uma grande passagem da luminosidade o que resulta na fotofobia, a aversão à claridade”, explica o oftalmologista.
Os albinos não são enquadrados enquanto pessoas com deficiência, no entanto, para fins legais, aqueles cuja clareza de visão for inferior a 30% (o que ocorre na maioria dos casos) são considerados pessoas com deficiência visual.
Combatendo preconceito e desinformação
Em 2004, a rede social Orkut e suas múltiplas comunidades estavam em alta. Andreza, com 24 anos na época, se cadastrou no site à procura de grupos de pessoas com albinismo para se conectar. Para o espanto da jovem não havia nenhum. Ela resolveu então criar a comunidade “Albinos do meu Brasil” e, ao final daquele ano, já marcava encontros com os participantes.
A comunidade do Orkut se transformou em página do Facebook, e hoje Andreza está presente em todas as redes sociais, no Instagram, YouTube e mais recentemente nas plataformas agregadoras de podcast, produzindo e compartilhando conteúdos. “No começo, meu objetivo era encontrar e conhecer outras pessoas albinas, porque para mim só existia eu e o meu irmão, não conhecia mais ninguém”.
Podcast: “Por que falar de albinismo?”
Hoje existem diversos grupos no WhatsApp e nas redes sociais, além de comunidades de pais e responsáveis por crianças com albinismo. “Há também mais médicos atuando nesta área. Percebo vários frutos que estamos colhendo em relação à conscientização e sensibilização sobre a condição de pessoas albinas”, comemora Andreza.
Joselito também notou, ao longo dos anos, mudanças positivas. “As crianças que frequentam a Associação têm a pele bem cuidada. Assim que elas nascem, os pais vêm nos procurar”, conta.
Por intermédio da associação, em parceria com as secretarias municipal e estadual de Saúde, os albinos da capital baiana conquistaram o direito de receber gratuitamente protetores solares e consultas com dermatologistas.
Invisibilidade
Não existe no Brasil nenhuma política pública em vigor que auxilie diretamente as pessoas albinas e estas também nunca estiveram presentes em quaisquer pesquisas demográficas realizadas ou dados oficiais. Esta invisibilidade faz com que esta parte da população tenha seus direitos ignorados.
De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Saúde, dos Estados Unidos, uma pessoa a cada 17 mil tem albinismo. “Esta estatística americana não se confirma no Brasil, pois aqui nós temos predominância alta de afrodescendentes”, diz Joselito. Segundo ele, há muitos trabalhos acadêmicos, mas poucos dados científicos sobre as pessoas com albinismo.
Embora não existam dados completos, a prevalência do albinismo é maior entre populações indígenas e afrodescendentes, incluindo comunidades quilombolas. “A gente ousa dizer que a Bahia é o estado mais albino do país, pois é a região que concentra a maior população negra”, complementa.
Em 2019, a especialista independente das Nações Unidas para os direitos humanos das pessoas com albinismo, Ikponwosa Ero, veio ao Brasil e pediu mais atenção para a população albina no país.
“É preciso garantir que crianças com albinismo sobrevivam a um ambiente difícil, concluam seus estudos, encontrem empregos e assumam um lugar na sociedade como qualquer outra pessoa”, afirmou a especialista na época.