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Com incentivo dos professores, projetos inspiradores de duas escolas públicas valorizam a cultura indígena e das favelas brasileiras

Duas alunas da Escola Municipal Gersino Coelho estão agachadas e de mãos dadas em demonstração de brincadeiras que resgatam culturas marginalizadas, no projeto É de Quebrada que Eu Vou.

Mais de 11 milhões de brasileiros vivem nas favelas, de acordo com os dados do último Censo Demográfico do IBGE. Mesmo assim, as vivências criadas nesses espaços são pouco discutidas e acabam se tornando culturas marginalizadas. A partir dessa reflexão, a professora de História, Lorena Bárbara Santos Costa, incentivou seus alunos do 5º ano da Escola Municipal Gersino Coelho, em Salvador (BA), a estudarem suas origens e se posicionarem no mundo.

Esse foi o ponto de partida para o projeto É de Quebrada que Eu Vou, que buscou compreender e valorizar a cultura popular como forma de expressão artística e identitária. O projeto teve várias frentes: pesquisa sobre as origens das favelas e dos quilombos para encontrar semelhanças e diferenças entre os agrupamentos, a criação de um dicionário de gírias urbanas, com as palavras mais faladas nas comunidades de Salvador, imersão na cultura hip hop, com bate-papos com MC, grafiteiro e DJ.

“Discutimos a origem e formação das favelas no Brasil, em especial na Bahia, fazendo relação com o período colonial para compreender o processo de escravidão e pós-escravidão. Também buscamos entender os reais motivos de a maioria da população da favela ser negra, levantando também as manifestações culturais nos espaços”, explica Lorena em artigo sobre o projeto.

Os alunos também pesquisaram a fundo as brincadeiras nas comunidades, estudando mais sobre os direitos da criança e do adolescente. Como resultado, produziram um livro com o passo a passo das brincadeiras de rua e construíram, com materiais recicláveis, alguns dos brinquedos mais comuns, como pé-de-lata, bola de meia e peteca de jornal.

“A forma de brincar pelas crianças da favela também denota a construção de cultura. O espaço da rua, os becos e as quebradas geralmente são os lugares em que a criança da favela tem disponível para experimentar as normas que estão submetidas e assim, a partir do jogo simbólico, construir e reconstruir regras para exercer seu papel de cidadão”, relata Lorena.

Ao longo de todo o projeto, os estudantes também leram poemas de Sergio Vaz, além de conhecer trabalhos que valorizam a cultura das periferias do Brasil, como o grupo Sarau da Onça, de Salvador, e a Universidade das Quebradas, no Rio de Janeiro. O projeto terminou com Mostra Cultural onde os alunos puderam compartilhar o aprendizado com toda a escola e com a comunidade.

Alunos usando bonés e óculos escuros, em alusão à cultura hip hop, posam em Mostra que resgata culturas marginalizadas, no projeto É de Quebrada que Eu Vou.

Preservação e resistência

Outra iniciativa inspiradora saiu da Escola Municipal Antônio Henrique Filho, de Brasilândia, no Mato Grosso do Sul, onde alunos do 6º ano criaram um Dicionário Indígena Ilustrado, que resgata as línguas ofaié e guarani. A iniciativa tem contexto: a escola tem muitos alunos indígenas, já que a região abriga a Terra Ofaié-Xavante. Apesar disso, os moradores da cidade pouco conhecem sobre essa cultura.

Na escola, os alunos nativos são vistos como “os de fora” e não ficam à vontade para compartilhar suas vivências. “Eu comecei a dar aula para a turma em julho. Em uma roda de conversa, comecei a questionar os alunos indígenas sobre a cultura e a história deles e fiquei surpresa ao descobrir que os colegas de sala também não os conheciam”, explica a professora de História Marciana Santiago de Oliveira.

As conversas mediadas pela professora despertaram a curiosidade dos estudantes, que tiveram a ideia de criar o dicionário para aprofundar e difundir o conhecimento sobre a cultura indígena. Orientados por Marciana e pelo professor de Geografia Weslen Manari, os alunos foram direto à fonte: conversaram com um ex-cacique e professor da língua na aldeia e entrevistaram os últimos falantes da língua Ofaié, bem como familiares que falam a língua Guarani. A aldeia, que já chegou a ter mais de cinco mil indígenas, hoje tem pouco menos de 60 pessoas.

“Minha vó é a mais antiga da aldeia. Às vezes ela tenta ensinar a gente, mas ela tem vergonha de falar ofaié”, relata à Agência Brasil a aluna Tânia Rodrigues da Silva Lins, de 13 anos, e uma das encarregadas de entrevistar as pessoas que ainda falam o idioma.

Além de pesquisar sobre o tema, os estudantes também selecionaram as palavras que iriam compor o dicionário, fizeram as ilustrações, escreveram a apresentação e contaram com a ajuda financeira de comerciantes locais para imprimir uma grande quantidade de dicionários, que foram distribuídos em outras escolas do município e na biblioteca da cidade.

A professora destaca que o projeto foi resultado da união de estudantes nativos, colegas não indígenas e familiares dos alunos e alunas. “Essa movimentação mudou as relações na escola, aumentou a autoestima das crianças indígenas, melhorou o convívio entre os estudantes. A valorização da cultura dos Ofaiés foi muito visível no dia a dia”.

Três alunos, usando cocar e arco e flecha, estão no palco do prêmio Criativos da Escola, onde o dicionário das línguas ofaié e guarani ganhou prêmio ao resgatar culturas marginalizadas.

A iniciativa foi uma das premiadas pelo Desafio Criativos da Escola, do Instituto Alana, que celebra e premia projetos protagonizados por crianças e jovens de todo o país que estão transformando as escolas, as comunidades e os municípios. No projeto, o grupo escreveu: “com este dicionário dizendo não só para a nossa comunidade, mas para a cidade e o mundo que estamos AQUI – firme e resistentes. Sobrevivendo. É possível criar outros tipos de leitura! A língua do nosso povo é patrimônio histórico e cultural da nossa nação. Vamos fazer desta linguagem sementes”.

Marciana conta que o plano é ampliar o dicionário, com a inclusão de novos verbetes já logo no início do período letivo. Além disso, os alunos vão oferecer oficinas nos colégios sobre o material que produziram. “É bonito ver a nova geração empenhada em preservar sua cultura, em ressaltar a importância da história de seu povo para toda a comunidade”, conclui a professora.

Imagem mostra alguns verbetes dos dicionários que resgatam culturas marginalizadas, por exemplo, tata significa fogo na língua guarani.
Alunos criam dicionários que valorizam culturas marginalizadas
Alunos criam dicionários que valorizam culturas marginalizadas