Retrospectiva 2022: impulsionada pelo retorno ao ensino presencial, debate sobre aprendizagem híbrida cresceu e se aprofundou no Brasil
Na permanente arena de debates sobre o futuro da educação no Brasil, o ano de 2022 ficará marcado como aquele em que a discussão sobre aprendizagem híbrida ganhou contorno e profundidade.
O tema, que já era palco de reflexões com o crescimento do uso de tecnologia na educação, foi impulsionado pela pandemia de Covid-19 e pela necessidade de criar alternativas ao ensino presencial. Com o retorno às escolas após o isolamento social, uma importante questão estava posta: como fortalecer a mescla entre educação remota e presencial e aproveitar os benefícios da aprendizagem híbrida?
Afinal, pesquisas indicam que este modelo de ensino pode ajudar a reduzir entre 35% e 45% os prejuízos de aprendizagem causados pela pandemia. No entanto, também se faz necessária a pergunta: quais são as condições básicas para que a rede pública de ensino no Brasil possa implementar a aprendizagem híbrida com sucesso?
Desafios da aprendizagem híbrida no Brasil
De acordo com a TIC Educação 2021, para 91% dos professores da rede pública, uma das principais dificuldades na condução de atividades educacionais remotas foi a falta de dispositivos, como computadores ou telefones celulares, e a falta de acesso à internet no domicílio dos alunos.
Já em um levantamento realizado pela Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) e pelo CONSED (Conselho Nacional de Secretários de Educação) foi identificado que 79% dos alunos das redes públicas têm acesso à internet. Contudo, para 46%, este acesso se dá apenas pelo celular dos pais, e cerca de dois terços dos estudantes não têm computador em casa.
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Esses números deixam claro alguns desafios colocados diante da implementação da aprendizagem híbrida no Brasil. Para começo de conversa, serão fundamentais os investimentos estruturais, ampliando a disponibilidade de acesso à internet.
“Não consigo enxergar nenhum outro desafio maior do que esse”, aponta Lilian Bacich, diretora da Tríade Educacional e uma das participantes do festival enlightED 2022. “Em segundo lugar está o desenvolvimento de competências digitais docentes. Muitas vezes, o professor já foi apresentado aos recursos digitais, mas não os utiliza de forma qualificada, e então o seu potencial não é explorado.” Para ela, se há esse distanciamento na formação inicial, é preciso que a formação continuada dê conta da nova esfera.
Complementação entre presencial e online
Em busca de incrementar a inclusão digital, o governo federal anunciou que o programa Internet Brasil seria ampliado para 700 mil estudantes da rede pública. A iniciativa leva conexão em banda larga móvel gratuita para os jovens de baixa renda da educação básica. A coordenadora de programas e projetos do Cenpec, Erica Catalani, elencou o programa como um dos destaques positivos de 2022 dentro deste tema, ponderando como ponto negativo a falta de transparência, avaliação e monitoramento de seus resultados.
“Falando assim, parece que a prática da aprendizagem híbrida só pode ocorrer com a mediação das tecnologias digitais. E não é o caso, já que este modelo é mais uma articulação de elementos presenciais e não-presenciais. Apesar de ser imperativo prover a estrutura de conectividade e de dispositivos, é necessário também elaborar uma política robusta de integração das tecnologias digitais com as práticas pedagógicas, olhando para as múltiplas dimensões do ensino”, afirma Erica.
Ou seja: o ensino híbrido deve ser enxergado como uma complementação do presencial com o online, e vice-versa. “Este modelo reforça o melhor dos dois mundos, e já vínhamos discutindo isso há bastante tempo, desde antes da pandemia. Agora, as escolas começaram a perceber melhor as possibilidades de complementação”, aponta Lilian. “Ela não é uma nova modalidade de ensino, ela não muda a carga horária, mas ela potencializa as experiências de aprendizagem.”
Aprendizagem híbrida: um conceito em construção
Para compilar os principais avanços da discussão sobre aprendizagem híbrida no Brasil e no mundo, foi lançado o relatório educacional “Aprendizagem Híbrida? Orientações para regulamentação e adoção com qualidade, equidade e inclusão”. O estudo – produzido a partir de uma parceria entre Dados para um Debate Democrático na Educação (D3E), Transformative Learning Technologies Lab, Fundação Telefônica Vivo e Lemann Center – ressalta que o conceito de aprendizagem híbrida ainda está em construção ao redor do mundo, enquanto se discutem estratégias de curto, médio e longo prazo.
O relatório também pretende influenciar a construção de políticas públicas sobre o tema, defendendo que toda política de educação deve priorizar a equidade no desenvolvimento e na aprendizagem dos estudantes e partindo do princípio de que é necessário minimizar as desigualdades de acesso e de oportunidades. Os pesquisadores defendem também que a implementação de aprendizagem híbrida deve ser guiada por evidências sólidas de resultados e por uma discussão ampla, aberta e democrática, sendo acompanhada de recursos tecnológicos e atividades mão na massa (como robótica e construção digital).
Por fim, o documento aponta seis recomendações para a formulação de políticas de aprendizagem híbrida. Durante o lançamento do material, realizado no auditório ECO Berrini, em São Paulo, foram apresentadas algumas experiências que buscaram soluções nesta modalidade durante a pandemia de Covid-19.
Diretrizes nacionais para a aprendizagem híbrida
Neste ano, também foram aprovadas as “Diretrizes Nacionais Gerais para o desenvolvimento do processo híbrido de ensino e aprendizagem”, elaboradas pelo CNE (Conselho Nacional de Educação). As medidas indicam novos caminhos para a reorganização das dinâmicas de ensino e aprendizagem na educação brasileira, “integrando processos acadêmicos diferenciados, professores, estudantes e famílias, em tempos e espaços modificados, desiguais e variados, sempre que o interesse da aprendizagem assim o recomendar”, segundo o documento.
Lilian Bacich afirma que fez algumas sugestões ao parecer. “Considero uma estratégia extremamente interessante, uma vez que não cria uma nova modalidade. Existem duas modalidades – a presencial e à distância -, e os processos híbridos podem acontecer tanto em uma quanto em outra”, observa. “No presencial posso incluir espaços de aprendizagem remotos e online, que se complementam, e na modalidade à distância também posso valorizar momentos presenciais, de favorecimento das relações humanas e principalmente no desenvolvimento de competências socioemocionais.”
Por sua vez, Erica Catalani critica o pouco tempo que o documento ficou aberto para consulta pública. “A regulação da aprendizagem híbrida não pode acontecer de modo acelerado. Sem uma discussão aprofundada – inclusive com os professores, que são figuras centrais desse processo – a gente cria riscos para os alunos com relação à precariedade do ensino híbrido”, pondera. Ela afirma ainda que as diretrizes não são devidamente claras sobre a proporção ideal entre o ensino presencial e o não-presencial para a aprendizagem híbrida.
Rede de Inovação para a Educação Híbrida
Ainda em 2022, o Ministério da Educação (MEC) anunciou o lançamento da Rede de Inovação para a Educação Híbrida. A iniciativa pretende promover a implementação de estratégias de educação híbrida por todos os entes federativos do país e contribuir para a implementação do Novo Ensino Médio de forma equitativa e efetiva.
“Primeiramente, acho que foi um movimento um pouco tardio”, critica Erica. “Segundo, os investimentos, na ordem de R$40 milhões, à primeira vista parecem enormes, mas se considerarmos que temos mais de seis milhões de estudantes matriculados no ensino médio, isso vira um valor bastante singelo para um programa com toda a complexidade que envolve a aprendizagem híbrida.”
O programa também prevê a criação de um observatório nacional para o monitoramento das atividades desenvolvidas, fator elogiado por Erica. “Porém, o texto enfatiza muito mais a entrega dos produtos do que a importância de uma análise de impacto. Essa aprendizagem híbrida está realmente impactando na aprendizagem ? Seria muito mais importante a gente chamar a atenção para essa questão”, finaliza.