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AS CONSEQUÊNCIAS DA DESNUTRIÇÃO NO DESENVOLVIMENTO FÍSICO E MENTAL INFANTIL

LUCIANE VANESSA MENDES
I.
I. SITUANDO A PESQUISA

1.1. Considerações Iniciais
O homem, ao mesmo tempo que atingiu o auge em progresso e tecnologia, conquistou a miséria e inúmeros problemas sociais, que ficam registradas nas estatísticas de HELENE (1994, p. 29): “há em todo o mundo: 1 bilhão de analfabetos, 1,5 bilhão de pessoas sem água potável, 100 milhões sem teto, 1 bilhão passando fome, 150 milhões de crianças subnutridas com menos de cinco anos (uma para cada três no mundo), 12,9 milhões de crianças que morrem a cada ano antes de seu 5º aniversário”.
Dentre tais problemáticas, destaca-se a fome e, resultante dela, a desnutrição. Há uma preocupação tamanha quanto a desnutrição infantil, que pode ser ocasionada pela deficiente educação alimentar oferecida às crianças. Uma vez desnutrida, a criança leva consigo conseqüências que geralmente são irreparáveis, em seu desenvolvimento físico e mental, ocasionando por exemplo, deficiências na aprendizagem devido ao retardo na inteligência, problemas na calcificação dos ossos e nas funções vitais do mesmo.
Como a desnutrição constitui-se numa preocupante questão da atualidade e de interesse de profissionais de diversas áreas como: médicos, educadores, nutricionistas, bem como pais e responsáveis e toda a sociedade, este trabalho realiza-se no sentido de conhecer seus efeitos no desenvolvimento das potencialidades físicas e mentais das crianças. Procurou-se demonstrar algumas medidas que podem ou estão sendo feitas na tentativa de amenizar o problema e que, não são somente de responsabilidade de autoridades e governantes, mas sim, de todos nós cidadãos.
É importante ressaltar que os indivíduos que não recebem quantidade calórico-proteica necessária por dia, não atingem o pleno desenvolvimento na infância, levando consigo efeitos nocivos para toda a vida e consequentemente para a própria atividade sócio-econômica do país.
É inadmissível que, aproximadamente, 150 milhões de crianças sejam desnutridas no mundo, e que muitas, morrem deste mal, enquanto toneladas de alimentos são desperdiçados diariamente. O Brasil apresenta um dos índices mais altos e preocupantes: um em cada dez brasileiros sofre de desnutrição.
Para tanto, é importante que seja realizado o estudo dos efeitos deste estado, se este pode ou não ser revertido, e quais seriam os retardamentos ocasionados na capacidade de socialização, educação, mente e evolução motora infantil. Alguns estudos científicos concluíram, inclusive, que a desnutrição, quando ocorre a longo prazo, pode trazer sérias privações ao ser humano.
Serão apresentados alguns exemplos de projetos, cuja meta é de diminuir o problema da desnutrição infantil. Combater o estado de desnutrição, para que se formem cidadãos aptos a realizarem suas atividades em perfeito estado de saúde mental e física, contribuindo para o progresso do país e para o seu próprio bem estar é um desafio para todos nós.
Propor soluções, participar de atividades, executar planos, e acima de tudo respeitar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, constitui um dever à sociedade. Não podemos aceitar o fato, de que inocentes não tenham a oportunidade de crescer perante seu meio, devido à conseqüências decorrentes da má alimentação.

1.2. Fundamentos Metodológicos da Pesquisa
Pesquisa significa busca do conhecimento. Ler, estudar, criticar sobre determinado assunto, com o intuito de chegar a verdades, gerar dúvidas, contradições, solucionar problemas, responder perguntas, ou simplesmente, adquirir cultura. Pesquisar não constitui somente em uma consulta em certo livro ou revista.

Para se realizar uma pesquisa é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele. Em geral isso se faz a partir do estudo de um problema, que ao mesmo tempo desperta o interesse do pesquisador e limita suas atividades de pesquisa a uma determinada porção do saber, a qual ele se compromete a construir naquele momento. Trata-se, assim, de uma ocasião privilegiada reunindo o pensamento e a ação de uma pessoa, ou de um grupo, no esforço de elaborar o conhecimento de aspectos da realidade que deverão servir para a composição de soluções propostas aos seus problemas. (LUDKE; ANDRE, 1986, p.01)

Voltado ao estudo das conseqüências ocasionadas pela carência nutricional em crianças, no que diz respeito à seu desenvolvimento físico e mental, a partir do problema proposto, a pesquisa foi desenvolvida oportunizando o confronto de dados, informações e referências teóricas, que poderão servir para a composição de possíveis soluções para o problema.
No desenvolvimento do trabalho, foi adotada a pesquisa bibliográfica que segundo LAKATOS e MARCONI (1992, p. 43): “trata-se de levantamento de toda a bibliografia publicada, em forma de livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto (…)”.
A pesquisa bibliográfica faz-se importante em qualquer estudo, sendo o primeiro passo para a elaboração de qualquer pesquisa. Ela “oferece meios para definir, resolver não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas, onde os problemas ainda não se cristalizaram suficientemente”. (MANZO, apud LAKATOS , 1992, p. 43).”
Sobre a desnutrição infantil, procurou-se levantar dados sobre o assunto, nas mais diversas fontes bibliográficas, como livros, revistas, estatutos, leis, entre outras publicações, já que o referido problema estava sendo bastante discutido na imprensa.
A partir da fundamentação teórica acumulada, partiu-se para a análise de todos os resultados obtidos, organizando o material, relacionando partes e buscando interações entre elas. Fase fundamental e de muitos cuidados, pois “ a interpretação exige comprovação ou refutação das hipóteses. Ambas só podem ocorrer com base nos dados coletados. Deve-se levar em consideração que os dados por si só nada dizem, é preciso que o cientista os interprete, isto é, seja capaz de expor seu verdadeiro significado e compreender as relações mais amplas que podem conter”. (LAKATOS; MARCONI, 1992, p. 51).
O problema da desnutrição merece ainda mais destaque em edições, principalmente as do meio científico. Deve-se analisar mais profundamente os efeitos da alimentação inadequada no desenvolvimento infantil, sendo realizada a troca de informações entre pesquisadores, ocorrendo a crítica e procurando soluções para o problema, uma vez que este trás sérias conseqüências ao desenvolvimento infantil.
Esta pesquisa, foi produzida com a finalidade de transmitir uma mensagem de alerta à toda a sociedade, sobre este que é um dos principais responsáveis pela mortalidade, retardamento intelectual e debilitação motora em crianças.
II. ENTENDENDO A DESNUTRIÇÃO

 

2.1. Considerações, dados e a questão social
Entre muitos fatores ambientais que envolvem a criança, a nutrição tem sido aceita como um pré-requisito para o seu desenvolvimento, seu crescimento e sua saúde. Não há como negar que a ingestão de uma dieta adequada em quantidade e qualidade é um fator relevante na vida do homem a partir de sua concepção até sua morte. A nutrição é um dos fatores que afeta o crescimento, a saúde e o desenvolvimento.
Podemos observar que a desnutrição afeta crianças, que alimentam-se diariamente, saciando sua fome, contudo ingerem de forma deficiente substâncias como vitaminas, proteínas e minerais, não sendo a quantidade ingerida suficiente para suprir as necessidades do organismo.

Por mais que a combinação entre farinha de mandioca, feijão, açúcar, café e um pouco de carne seca forneça um total calórico suficiente para um trabalhador do Nordeste, ele ainda assim estará subalimentado: faltam-lhe os chamados alimentos protetores, as vitaminas, proteínas e minerais presentes no leite, nos ovos, carnes, frutas e verduras frescas e ausentes de sua alimentação. Ainda que haja adequação calórica em seu regime alimentar (isto é, ainda que o total energético gasto seja igual ao ingerido) ele estará subalimentado, e isto poderá provocar-lhe doenças graves”. (ABRAMOVAY, 1989, p. 16)

Há também milhões de pessoas que não dispõe de alimento suficiente para suas refeições. Aquilo que ingerem, não é considerado satisfatório pelo organismo, para a produção de energia, que será gasta nas atividades do indivíduo, desde as mais simples até as mais complexas. Assim sendo, gasta-se mais energia do que a produzida e, o resultado deste desequilíbrio , quando dura um tempo mais ou menos longo, causa a desnutrição, constituindo um dos males que mais afligem a humanidade.
Conforme nos mostra a figura seguinte ( Fig. 01), a desnutrição deforma totalmente o aspecto sadio que uma criança normal deveria ter. Olhos fundos, apatia e baixo peso são sinais desta terrível doença, que acarreta sérios danos aos indivíduo, privando-o de um desenvolvimento pleno.
Fig. 01 – Criança portadora de desnutrição grave.

Fonte: Jornal O Estado do Paraná (31/10/2002, 1ª página)

Sobre o conceito de desnutrição, podemos considerar que “verifica-se não haver uma nomenclatura e classificação que atenda de forma uniforme as diferentes faixas etárias e manifestações clínicas da doença”.( WAITZBERG, 1995, p. 153).
A organização Mundial da Saúde e seu grupo de nutricionistas em 197l, unificou o conceito “desnutrição protéico-calórica”, referindo-se às fases da desnutrição de moderada a grave. O mesmo autor acima citado, diz ainda, que Caldwell e alguns de seus colaboradores propuseram uma definição para o tema, bastante aceito: “desnutrição é um estado mórbido secundário a uma deficiência ou excesso , relativo ou absoluto, de um ou mais nutrientes essenciais, que se manifesta clinicamente ou é detectado por meio de teses bioquímicos, antropométricos, topográficos ou fisiológicos”. (WAITZBERG, 1995, p. 153)
O fato é que, sabendo ou não de conceitos ou definições, milhares de indivíduos em todo o mundo convivem com o problema, sendo privados do direito básico de se alimentarem bem todos os dias de forma equilibrada, com os nutrientes necessários à seu desenvolvimento.
Segundo estimativas, 6% da população no Brasil sofre de desnutrição e em algumas regiões os números atingem 10%. O mundo está cada vez mais evoluído e rico, batendo recordes na produção de alimento. Desta forma, é vergonhoso o fato de que a fome e a desnutrição crônica atinjam aproximadamente 800 milhões de pessoas e dentre estas, cerca de 36 milhões morrem, sendo isto muito assustador, pois, a cada segundo , uma criança com menos de 10 anos perde sua vida decorrente de doenças relacionadas à desnutrição. Estes dados foram obtidos do relatório que a FAO ( Food and Agriculture Organization) informou em 2001, sobre a dimensão do problema.
Jacques Doiuf, presidente da FAO, em entrevista concedida à Revista Isto É (06/11/2002, n º 1727, p. 47) afirma que “a tragédia da fome em meio à opulência é dramática na realidade atual do mundo”. Complementou ainda, que em todos os países há grupos de pessoas que não podem realizar seu potencial humano porque passam fome ou são desnutridas, o que mina suas forças e paralisa o sistema imunológico.
Entretanto, este mesmo documento da FAO, indica que a produção de alimentos mundial é suficiente para alimentar 12 bilhões de seres humanos. Sendo a população global hoje de aproximadamente 6,2 bilhões de habitantes, ou seja, há alimento suficiente para todos. Fome e desnutrição são produtos da ação humana. Não é mais admissível a explicação enunciada pelo economista Thomas Malthus , que viveu na Inglaterra na metade do século XIX. Segundo ele, enquanto a produção agrícola desenvolve-se em Progressão Aritmética, a população aumenta em Progressão Geométrica. Mesmo com a crescente taxa demográfica, em termos mundiais, a quantidade de alimentos disponíveis é suficiente para proporcionar a todo o mundo uma dieta conveniente.
Alimentação adequada é um direito humano básico, reconhecido por vários decretos e documentos, tais como a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069, de 13 de Junho de 1990, p. 01), no qual destacamos que: “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público, assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.
Sem uma alimentação digna e balanceada, tanto quantitativa como qualitativamente, não há direito à vida. No entanto, desrespeita-se esta evidência. O Estado e a sociedade em geral traem sua assinatura e compromisso estabelecidos por leis internacionais. Conforme cita os artigos 55 e 56 da Carta das Nações Unidas, relatada por VALENTE (2002) os Estados devem tomar ação separada ou conjunta na promoção do respeito dos direitos humanos, inclusive o direito à alimentação , que impõe três tipos de obrigações: respeitar, proteger e satisfazer. O não cumprimento destas, constitui uma violação aos direitos humanos.
Em setembro de 1997, foi redigida uma proposta intitulada “Código de Conduta Internacional sobre o Direito Humano à Alimentação”, o qual fornece princípios e orientações para implementação nacional e internacional do direito à boa alimentação. Em 2002, mais de 800 entidades da sociedade civil de todo o mundo já haviam endossado o documento. VALENTE (2002, p.197) redigiu parte do artigo 6, parágrafo 4 do mesmo, destacando:

Mesmo no caso de um Estado enfrentar severa escassez de recursos, causada por um processo de ajuste econômico, recessão econômica ou outros fatores, as pessoas vulneráveis têm o direito de ser protegidas por meio de programas sociais direcionadas a facilitar o seu acesso à alimentação adequada e satisfazer suas necessidades nutricionais. (…). prioridade deve ser dada, tanto quanto possível, a fontes de alimentos locais e regionais, ao se planejar políticas de segurança alimentar, inclusive em situações de emergência

Neste contexto, é fundamental deixar estabelecido que , embora aparentemente a nutrição esteja primariamente relacionada com fatores do ambiente físico como clima, condições atmosféricas, topografia e estrutura geológica, assim como o componente bioquímico do ambiente humano, representado principalmente pelas cadeias alimentares, o principal determinante do estado de nutrição de uma população é o ambiente social.
A desnutrição calórico-proteica deve ser considerada como um transtorno causado pelo homem, o qual, mantendo um sistema social inadequado, deixa com que se produzam indivíduos desnutridos, geração após geração, através da interação de uma série de mecanismos sociais. Como comenta DIAMENT e CYPEL ( 1996, p. 1084): “para entender a desnutrição se requer um panorama ecológico de referência no qual os aspectos sociais, psicológicos e culturais da conduta humana, sejam apropriadamente relacionados entre si e com o ambiente físico no qual o homem habita”
A desnutrição calórica, provocada pela fome, constitui-se como um dos mais sérios problemas da humanidade, privando milhares de seres de seu direito maior que é vida, pois: “a fome não é falta de alimento, é falta de democracia, de um tipo de democracia cujas leis reflitam a ética, pois todos nós temos direito a uma alimentação digna, compatível com as nossas necessidades”.( HELENE; MARCONDES, 1994, p. 54) .
Cabe não só ao Estado, mas à toda a sociedade fazer valer este direito , buscando erradicar o problema da fome e, consequentemente da desnutrição, que maltrata e vitima tantas pessoas, das quais as mais afetadas são crianças.

 

2.2 Desnutrição Na Vida Embrionária e Fetal
A desnutrição tem geralmente início antes mesmo do nascimento, na vida intra-uterina. Uma gravidez saudável fornecerá normalmente à criança um peso ao nascer suficientemente elevado para protegê-la dos inúmeros ataques do meio exterior a que estará sujeita quando abandonar o útero materno. Especialistas consideram, cita ABRAMOVAY (1989), que o peso mínimo de um recém nascido é de 2,5 Kg. Segundo estatísticas, nos países desenvolvidos aproximadamente 5% das crianças nascem com menos de 2,5 Kg. Já nos países considerados pobres, este índice sobe para 17%. Estes dados são considerados muito preocupantes, pois “a mortalidade de bebês de baixo peso ao nascimento, seja devido ao retardo de crescimento uterino ou prematuridade, é 40 vezes maior que os recém-nascidos de peso normal” .(MAHAN; SCOTT-STUMP, 1995, p. 182).
Talvez o maior vilão desta alta taxa de mortalidade, seja o sistema imunológico do desnutrido que torna-se defeituoso. Eles adquirem infecções com muita facilidade, resistem mal às oscilações da temperatura e tem capacidade termo-reguladora deficiente. Algumas doenças que seriam consideradas como “incômodos passageiros” e de fácil tratamento em crianças bem alimentadas, nestes, oferecem certa preocupação e risco, já que não conseguem combater os organismos estranhos de seu corpo.
Logo no segundo trimestre de gestação se acelera o desenvolvimento do Sistema Nervoso Central (SNC) do feto. Sendo este período considerado de grande importância, merecendo toda a atenção e cuidado, principalmente em relação ao aspecto nutricional, como relata VALENTE (2002, p. 30):

A desnutrição, em suas manifestações mais graves, pode ter impacto irreversível sobre o tamanho, a estrutura orgânica, a diferenciação das funções, o desenvolvimento, a maturação fisiológica e funcional do SNC. Entre estas, podemos citar alterações na multiplicação das células gliais, no processo de mielinização, na maturação de enzimas, no aumento das conexões sinápticas, na diferenciação das terminações nervosas, na quantidade de DNA, RNA e proteínas existentes.

As células gliais, são responsáveis pela produção da “bainha de mielina”, que constitui uma camada fosfolipídica , rica em colesterol, que envolve o axônio, no neurônio. A bainha de mielina é de suma importância para a velocidade da condução nervosa. Além disso, há estreita relação entre a formação da bainha e a maturação dos neurônios.
As fibras do encéfalo, o sistema piramidal e extrapiramidal e os nervos periféricos são recobertos por mielina, processo denominado mielinização, como explica CHAVES (1975, p. 21): “a mielinização começa no encéfalo no 4º mês de vida fetal e nos feixes das raízes dorsais e ventrais da medula, posteriormente. O tecto espinhal e o córtex espinhal adquirem mielina logo após o nascimento. A mielinização do sistema piramidal começa em torno do nascimento, mas não se completa até a criança atingir os dois anos de idade”.
Este processo, realiza-se indispensavelmente com a presença de colesterol, lipídeos e proteínas. Ocorrendo má nutrição fetal, há um conseqüente distúrbio na mielinização e formação da bainha de mielina, a qual contribui bastante para o peso do encéfalo e atividade do sistema nervoso.
A desnutrição afeta significativamente a síntese de lipídeos, ligados à membrana de mielina. Esta etapa de desenvolvimento do Sistema Nervoso Central é muito ativa nas etapas precoces da vida, ou seja, durante o período embrionário e logo após o nascimento, prosseguindo com menos intensidade nas outras fases.
Portanto, é de extrema importância, que as gestantes tenham alimentação balanceada, rica em proteínas, minerais e sobretudo em hidratos de carbono, que deve ser ingerido na dieta feminina, em níveis de 400 a 500 g diárias – já que esta constitui a primeira fonte energética para o embrião. A restrição calórico-proteica durante a formação do novo ser, faz com que o número de células, ao nascimento, seja menor, como salienta GEORGE (1978, p.33) :

Nutricionistas provaram que os que não recebem calorias e proteínas suficientes nas últimas semanas intra-uterinas e os primeiros meses após o nascimento, ficará mentalmente prejudicado de forma permanente, porque as células cerebrais que estavam programadas para multiplicarem-se neste período, não o puderam fazer por falta de alimento. Mesmo que a criança seja bem alimentada mais tarde, essa deficiência é irreversível.

Isto faz ressaltar a importância da nutrição fetal já que a multiplicação celular dá-se nesta fase, principalmente entre a 15ª e a 20ª semana de gestação e outra começando em torno da 25ª semana e terminando no segundo ano de vida pós-natal. A desnutrição atuando neste período vulnerável, produz deficiência final nas células do adulto. Além disso, a diferenciação das células nervosas e a nutrição predominantemente vascular dos hemisférios cerebrais passa a ocorrer no 7º mês de vida intra-uterina, sendo prejudicado pela nutrição inadequada.
Portanto, a deficiência de proteínas, lipídeos, hidratos de carbono, vitaminas e elementos minerais, ocorrendo nos períodos críticos de multiplicação celular, de mielinização das fibras nervosas e do crescimento dos neurônios, repercute desfavoravelmente sobre a morfofisiologia do encéfalo, que é o centro da motilidade, da sensibilidade, do mecanismo emocional, centro visceral e controlador do sistema endócrino e regulador do organismo, e consequentemente,se conseguir sobreviver, do indivíduo.

 

2.3. Kwashiorkor e Marasmo: dois tipos de desnutrição
Do ponto de vista clínico, os médicos identificaram dois principais grupos ou doenças decorrentes da desnutrição grave em crianças: o marasmo e o kwashiorkor, que podem ocorrer de fo0rma isolada ou combinada. Estas, provém da prática do desmame precoce em muitos dos países do chamado Terceiro Mundo.
A urbanização, as atividades extra-domésticas da mulher, a deficiência alimentar materna e a distribuição de leite artificial aos recém-nascidos, são apontados como alguns dos fatores responsáveis pelo desmame precoce, o qual ocorre geralmente entre o 3º e o 6º mês de vida da criança, que passa a um regime alimentar bastante deficiente, contribuindo assim para a instalação de doenças nutricionais.
A primeira delas, que manifesta-se em geral a partir dos seis meses, denomina-se Kwashiorkor, palavra oeste-africana, proveniente da língua de ashanti, da Ghana e que significa criança a mais. Considerada como doença que afeta um filho mais velho , pois quando nasce seu irmão, este retira seu lugar junto ao seio materno. O menino desmamado passa a ser uma criança a mais, e a vinda ao mundo do novo bebê marca a passagem do filho mais velho para uma alimentação pobre em proteínas, “a grande causa do Kwashiorkor é sobretudo o deficit proteico, determinado pela perda deste nutriente, em função do desmame” (ABRAMOVAY, 1989,0 p. 21).
O Kwashiorkor, não provoca o emagrecimento da criança, mas como pode-se constatar na figura seguinte (Fig 02-A), ocasiona inchaço nos braços, pernas, costas e mãos, que pode dar a impressão de gordura, mas que, na realidade, é uma cruel marca da fome. Estas inchações, ocorrem devido à deficiência de uma proteína, a albumina. Esta proteína, “puxa” de volta para o sangue a água que constantemente sai dos vasos e banha as células. Com a diminuição da albumina, há um acumulo de água nos tecidos, causando edemas.
Na figura 02-B, pode-se notar a mesma criança portadora de Kwarshiorkor já recuperada do edema, com a realimentação. São visíveis os progressos físicos, onde houve o desaparecimento do inchaço, e notável vivacidade do antigo desnutrido, que posterior ao tratamento apresentava apatia e morbilidade.

Fig 02-A – Criança com Kwashiorkor no período de admissão hospitalar
Fig 02-B – Após perda de edema com a realimentação

Fonte: MAHAN, L. Kathleen – Alimentos, Nutrição e Dietoterapia.

Os cabelos dos desnutridos, de tão fracos, se descolorem e caem, “um sinal de Kwashiorkor é a saída fácil e indolor de três ou mais fios de cabelo, quando um tufo de cabelo é puxado, apreendido firmemente entre o polegar e o indicador do examinador”. WAITZBERG (1995, p. 160).Surgem ainda, edemas generalizados, a pele apresenta sinais que poderiam ser confundidas com queimadura.
Outros sinais são o hipotrofismo muscular, diminuição do nível de proteínas sangüíneas, aumento do fígado, que impede que o órgão desempenhe seu papel de “filtro” e produza as enzimas necessárias à digestão, bem como a deterioração da mucosa intestinal, resultando na perca da capacidade da criança de produzir anticorpos e defender-se contra agressões microbianas e virais.
Por estes motivos, portadores de Kwarshiorkor são apáticas, retraídas, estáticas, têm um aspecto miserável e manifestam pouco interesse pelo ambiente que as cercam. São tristes, chegando muitas vezes, a dois ou três anos de idade sem andar nem engatinhar. Sua apatia é tanta que permanecem na mesma posição em que foram colocadas durante horas. Sua interação com a mãe, a manifestação de seus sentimentos e necessidades são limitadas pelo estado em que se encontram.
A segunda forma característica da desnutrição é o marasmo, que aparece logo nas primeiras semanas de vida, resultante de um déficit calórico (diferente do Kwarshiorkor em que o déficit é sobretudo proteico), que é insuficiente para satisfazer as necessidades e para que o organismo possa adquirir seus próprios depósitos. A criança emagrece subtamente, sem que sua desnutrição seja encoberta pelo inchaço típico do Kwarshiorkor. Esta forma de desnutrição “é resultante da fome quase total. A criança que tem marasmo ingere muito pouca comida, freqüentemente porque a mãe não pode amamentar e é extremamente magra devido a perda de músculo e gordura corporal. Quase invariavelmente desenvolve alguma infecção (DESNUTRIÇÃO, 2003)
Indivíduos marasmáticos ficam com baixa atividade, a gordura da pele desaparece, tornando salientes e angulosos os ossos do rosto, das costas dos braços e das pernas.Além disso, ocorre irritabilidade e hipotrofia muscular. Há um aspecto que evoca a velhice precoce, podendo a massa corpórea diminuir em até 60% do normal.
Quando em um mesmo indivíduo ocorre de forma combinada marasmo e Kwashiorkor, temos a desnutrição calórico proteica mista. A origem pode ser de um marasmo que entrou em déficit proteico ou de um Kwashiorkor que passou a sofrer déficit energético.
A deficiência de proteínas prejudica o crescimento do corpo, imunidade, cicatrização e produção de enzimas e hormônios na criança. Tanto no marasmo como no Kwashiorkor a diarréia é comum. O desenvolvimento comportamental infantil pode ser extremamente afetado na presença da desnutrição, podendo ocasionar retardamento mental. “Normalmente, uma criança que tem marasmo é mais severamente afetada do que uma criança mais velha que tem Kwashiorkor”. (DESNUTRIÇÃO, 2003)
É importante esclarecer que, apesar de sua incidência no Terceiro Mundo, estas doenças constituem formas extremas de desnutrição. Há ainda a desnutrição moderada, discreta, invisível, que acompanha milhões de crianças em todo o mundo. Elas destroem o indivíduo de forma lenta e gradual, mas nem por isso menos prejudicial à saúde.

 

2.4. Conseqüências Da Desnutrição No Desenvolvimento Físico e Orgânico
A desnutrição é responsável por um grande atraso no desenvolvimento físico e orgânico da criança.
De modo geral, podemos classificar o estado nutricional infantil comparando a relação entre seu peso e sua altura com o peso e a altura das crianças de mesma idade na população do país onde ela vive. A desnutrição de primeiro grau apresenta um déficit de 10% a 24% de peso; a de segundo grau, um déficit de 25% a 30% e de terceiro grau, déficits maiores de 40%.
Há também outros dados que auxiliam no diagnóstico da desnutrição, conforme descreve VASCONCELLOS e GEWANDSZNAJDER (1987, p. 84) que:

Como neste estado o corpo mobiliza a reserva de gordura no tecido adiposo, pode-se medir, com o auxílio de um instrumento – o calípter –, a espessura da prega cutânea na parte posterior do braço ou do tórax. Podemos também medir a circunferência do braço. A circunferência mínima é de 14,5 cm. Portanto, medidas inferiores, podem indicar desnutrição. (…) Pode-se apelar para os testes de laboratório, como dosagem sangüínea de hemoglobina, de colesterol, de proteínas do plasma, e de vitamina A. Valores inferiores aos considerados normais podem indicar desnutrição.

O não equilíbrio alimentar afeta diretamente na estrutura das crianças. A fome rouba do indivíduo boa parte daquilo que seu potencial genético estava destinado a realizar e os atingidos pelo problema, levam consigo, por toda a existência, seus efeitos, como ressalta ABRAMOVAY (1989, p. 20):

“Seu crescimento será mais lento do que as pessoas mais bem alimentadas. Embora nem todos os “baixinhos” sejam desnutridos, não há dúvida de que a maioria dos desnutridos é constituída de “baixinhos”, isto é, por indivíduos cuja alimentação deficiente impediu a realização de todo o potencial genético previsto para o seu crescimento (…).Não há dada de genético, na baixa estatura dos nordestinos: eles têm o tamanho inversamente proporcional à sua fome. A desnutrição retarda a ossificação e, por isso, a criança apresenta sempre uma estatura inferior à sua idade.”

A criança, a partir de certo momento, adapta-se à situação em que vive, reduzindo seu ritmo metabólico, diminuindo a intensidade de suas atividades físicas e de seu crescimento. É como se todos os seus instintos se colocassem de acordo na montagem de uma estratégia de sobrevivência, cuja lei seria repousar o máximo e cansar o mínimo. Com isso, o desnutrido dorme de forma anormal, pára de brincar, deixa de se interessar pelo mundo que a cerca, voltando-se para a auto-preservação. A ele resta alimentar-se de seus próprios músculos, de seu corpo, num processo de autofagia em direção à morte.
CARRAZZA e MARCONDES (1991, p. 267) explicam muito bem este momento da desnutrição:

A baixa ingestão energética condiciona uma correspondente diminuição da atividade física. Embora seja difícil de comprovar esta relação, achados clínicos mostram que crianças em restrição dietética apresentam atividade diminuída quando comparadas com crianças alimentadas adequadamente. A diminuição da atividade é a primeira adaptação que ocorre na desnutrição, com o objetivo de equilibrar o balanço energético. Se a baixa ingestão e o balanço negativo se mantém, o organismo, pode não poder diminuir ainda mais o metabolismo basal, vai tentar diminuir outros componentes da atividade metabólica. Nesta etapa, o organismo se adapta com a desaceleração do crescimento (há falta de ganho de peso e estatura).

Para demonstrar alguns dos “prejuízos” causados pela desnutrição na infância, o pesquisador F. Monckeberg estudou, no Chile, o desenvolvimento psicomotor de pré-escolares pertencentes a três condições econômicas, constatando desenvolvimento psicomotor retardado, principalmente nos grupos em que prevalecia a desnutrição e um baixo nível econômico e social.
A fim de separar os diferentes fatores que contribuem para este retardamento, o pesquisador estudou 150 pré-escolares pertencentes a classes de baixo nível econômico social, levando em consideração o nível educacional dos pais, a qualidade da dieta consumida, as condições sanitárias do ambiente, a idade em que se instalou a desnutrição, o quociente intelectual dos pais, e mais alguns fatores. Os resultados demonstraram que a desnutrição afetava o crescimento e que a circunferência craniana apresentava-se abaixo do normal. CHAVES (1975 p.80) comenta que, para MONCKEBERG, “o sistema nervoso central sofre alterações devido à desnutrição severa instalada nos primeiros meses de vida, havendo ainda uma redução no tamanho do encéfalo. Estas alterações parecem definitivas, pois a observação destas crianças até os sete anos de idade mostra um significativo retardamento físico e psicomotor.”
São inúmeras as pessoas cujas dietas carecem de vitaminas e minerais, sobretudo de vitamina A e C, e de ferro, iodo e zinco, essenciais para o crescimento e desenvolvimento dos seres humanos. Na alimentação dos habitantes do nordeste do Brasil, por exemplo, é freqüente a falta de vitamina A, que pode causar lesões no globo ocular, inclusive cegueira. Nos lugares onde há pouca radiação solar, é provável a falta de vitamina D, o que ocasiona raquitismo, atingindo principalmente crianças de até dois anos de idade.
Numa alimentação onde não há o consumo de alimentos ricos em ferro como carne, fígado e ovos, pode ocasionar o surgimento da anemia. O primeiro indício desta moléstia é a falta de hemoglobina, uma proteína encontrada nas hemáceas do sangue, que transporta o oxigênio do pulmão para as células do corpo. Além de causar problemas cardíacos, a anemia também pode agravar doenças infecciosas como a pneumonia. A carência de ferro no organismo reduz a produtividade dos trabalhadores braçais em até 17% tornando-os incapazes de trabalhar o mesmo número de horas que as pessoas sadias.
Segundo reportagem de Célia Chaim, na Revista Isto É (6/11/02, nº 1727, p. 48) sobre a fome, “a anemia sozinha é capaz de reduzir o PIB de um país de 0,5% a 2%. Em Bangladesh, por exemplo, o impacto em 2001 foi de 2%, segundo dados do Banco Mundial; na Índia, chegou a 1,3%”.
Os sinais e sintomas apresentados por uma pessoa com anemia são os seguintes: pele pálida, descorada e transparente; parte interior da pálpebra pouco colorida e branca; gengivas sem cor; unhas descoloridas; fraqueza, cansaço e moleza. É importante salientar que esta doença é totalmente evitável com boa alimentação.
Já desnutrição, como fora descrito anteriormente, afeta o processo de mielinização. Tal fenômeno, quando é deficiente nos sistemas piramidal e extrapiramidal, causa problemas no desenvolvimento motor infantil. Os movimentos da criança ao mamar, por exemplo, são extrapiramidais, bem como os movimentos automáticos, que dão continuidade à dança, à natação. Parte deste sistema realiza movimentos voluntários e outra parte, regula os involuntários e a postura. O sistema piramidal é responsável pelos movimentos restritos, limitados e precisos e, quando não recebem a quantidade ideal de mielina acarretam dificuldades ou retardamento dos movimentos, dentre eles o da marcha. A falta de habilidade definida dos movimentos da criança no primeiro ano de vida é conseqüência do desenvolvimento incompleto do sistema piramidal.
Além disso, a resistência da criança quando submetida à atividades físicas, fica totalmente comprometida, pois ela não dispõe de força, vigor, nem estrutura corporal para relutar contra o cansaço e o gasto de energia provenientes de uma eventual prática esportiva ou qualquer outra ação realizada.
Numa comprovação deste estado, comentam DIAMENT e CYPEL (1996, p. 1089-1091) que foi realizado um estudo num povoado rural do centro do México, onde a desnutrição do pré-escolar era prevalente. Descrevem os autores, que J. Cravioto e alguns colaboradores analisaram o crescimento e o desenvolvimento de 336 crianças, das quais 22 delas sofriam de desnutrição avançada, sendo 14 delas do sexo feminino e 8 do sexo masculino. O resultado de testes aplicados demonstrou que o desenvolvimento psicomotor dos desnutridos foi inferior ao encontrado no grupo com condições normais de nutrição.
Com o objetivo de investigar se em idades posteriores essas crianças que sofreram de desnutrição severa continuavam apresentando dificuldades nas habilidades motoras, decidiu-se fazer comparações entre o mesmo grupo anteriormente analisado, entre 22 e 69 meses após terem sido considerados curados do episódio de desnutrição grave. Vale a pena enfatizar que todas as crianças, desnutridas ou não, foram submetidas ao estudo de seu desenvolvimento ,sendo que os profissionais que realizaram essas avaliações não conheciam os antecedentes nutricionais das crianças que examinaram.
Num ambiente do tipo esportivo, foram exploradas, como técnicas, as habilidades de coordenação; força dos três conjuntos de massas musculares, das extremidades superiores, inferiores e do abdômem; flexibilidade, que estima a elasticidade muscular do dorso, das extremidades e das articulações invertebrais; agilidade e velocidade; e equilíbrio.
Os pesquisadores concluíram que os sobreviventes da desnutrição severa, dois a cinco anos após terem sido curados, mostram valores significativamente inferiores aos que têm as crianças de seu mesmo grupo étnico, com igualdade de condições econômicas e com a mesma quantidade e qualidade de estimulação no lar, nos aspectos de coordenação, força, agilidade e equilíbrio. No referente à flexibilidade, as crianças com antecedentes de desnutrição não diferiram do grupo-controle.
Para DIAMENT e CYPEL (1996, p. 1092):
É obvio que para incrementar unicamente a desnutrição como responsável pela inferioridade nas habilidades motoras que exibem os sobreviventes da desnutrição, devem eliminar-se outros dos muitos fatores que formam parte característica do ambiente no qual se gera a desnutrição da criança, tais como a morbilidade aumentada, pobre relação mãe-filho e baixo nível de escolaridade formal dos progenitores.

Sabe-se que é relevante levar em consideração a quantidade e qualidade da estimulação recebida pela criança no lar, bem como as condições sócio-econômicas em que esta vive. No entanto, é notável o retardo no desenvolvimento dos desnutridos, mesmo depois de curados .
O organismo do desnutrido assemelha-se ao de crianças que nascem com o sistema imunitário defeituoso ou de quem sofre de leucemia. As células que deveriam constituir o batalhão de defesa contra agressores externos não funcionam de maneira adequada. Todos ser humano possui uma glândula perto da tireóide denominada timo, que é responsável pelo nosso sistema imunitário. Esta glândula, no desnutrido, chega a pesar 10 a 15 vezes menos que na criança normal. Tal situação provoca uma redução geral do metabolismo com uma importante queda na produção de proteínas essenciais à formação de anticorpos, à produção de células sangüíneas da linhagem branca, à preservação da integridade dos tecidos, à manutenção da resposta inflamatória e do poder bactericida do soro sangüíneo. Descreve HELENE e MARCONDES (1994, P. 34) que:

A subnutrição diminui a imunidade infantil, tornando a criança mais suscetível a doenças como diarréia, sarampo e infecções respiratórias. Estas doenças reduzem o apetite, causam a perda de nutrientes pela urina, inibem a absorção intestinal dos alimentos e alteram o metabolismo do corpo, resultando no consumo inadequado de alimentos no conseqüente agravamento da subnutrição. O círculo vicioso da subnutrição e infecções é o maior problema da saúde pública no mundo.

Assim sendo, o corpo do indivíduo afetado pela desnutrição torna-se muito frágil, propício a adquirir doenças e vírus, os quais numa pessoa saudável seriam um incômodo passageiro. No entanto, neste estado, pode constituir-se até mesmo um risco de morte, pois o organismo não dispõe de toda a defesa e energia necessárias para “atacar” os “intrusos” do corpo. Pode-se dizer, que seu intestino é “careca”, isto é, não possui as bactérias responsáveis pela digestão normal, as quais provém da alimentação que quando escassa, expõe estes frágeis corpos à ação de verminoses que lhes roubam o pouco ferro e a pouca proteína que dispõe. Os vermes ao afetarem uma criança bem alimentada não revelam o poder destrutivo que lhes é propiciado pelo intestino do desnutrido.

 

2.5. Conseqüências Da Desnutrição No Desenvolvimento Mental
Nota-se nos últimos anos um crescente interesse sobre os efeitos que a alimentação infantil inadequada pode ocasionar. Destaca-se entre estas conseqüências, o desenvolvimento mental, que pode não atingir o nível de progresso considerado satisfatório para uma criança bem alimentada.
A atividade nervosa ou mental, depende muito da dieta consumida. A deficiência de glicose, por exemplo, é uma das principais causas da alteração da atividade nervosa, pois é a substância energética do neurônio (é popularmente sabido, que o açúcar serve para acalmar os nervos, tendo fundamento fisiológico). A hipoglicemia (baixo teor de glicose), altera bastante o comportamento do indivíduo, tornando-o irritável, provoca insônia, sensação de fadiga. Já na criança, diminui sua capacidade de aprendizagem, tornando-a negativista e agressiva.
O alimento e alimentação correspondem ao conjunto de propriedades que fazem dele adequado ou inadequado à sobrevivência do homem, já que este constitui-se numa espécie biológica. Desta forma, este conjunto teria por objetivo, proporcionar ao ser vivo substâncias químicas necessárias para o seu crescimento, manutenção e regulação metabólica.
As funções do encéfalo, como as demais partes do organismo dependem da estrutura, morfologia, das atividades metabólicas e das modificações químicas que se processam. A atividade metabólica, por sua vez, na qual se observa o desdobramento de substâncias químicas, de moléculas e as sínteses, depende de substâncias ativadoras, as enzimas, que dirigem e dão velocidade às reações químicas. Se há deficiência de matéria-prima, como proteínas e vitaminas, para as enzimas diminuem ou anulam as atividade enzimáticas.
O encéfalo não escapa deste complexo mecanismo metabólico. Suas funções podem ser modificadas ou anuladas, em conseqüência de deficiências das substâncias químicas responsáveis. O mais preocupante é que “estas lesões irão se refletir mais tarde num desempenho intelectual abaixo do normal, com diminuição na capacidade de aprendizagem da criança na escola, aumentando a evasão escolar”. (VASCONCELLOS; GEWANDSZNAJDER, 1987, p. 84).
A aprendizagem, inteligência, memória, são processos formados no Sistema Nervoso Central (SNC), os quais permitem uma melhor adaptação do indivíduo ao seu meio, como resposta a uma ação ambiental. A criança ou adulto desnutrido, mesmo que não apresentem lesões estruturais ou funcionais no SNC, mostram um quadro de apatia, diminuição da atividade física e psicomotora, como também alterações de afeto e de humor. Por conseqüência disto, afastam-se do mundo e das pessoas que os cercam, tornando-se incapazes de uma interação ativa com o meio social.
Estudos de crianças com desnutrição clínica avançada, demonstraram que durante a reabilitação nutricional os níveis de execução mental, aumentaram na maioria dos casos. Tal aumento varia com a idade em que o processo de desnutrição teve início na criança. Aqueles que sofreram do mal antes dos seis meses de idade não alcançaram a recuperação do desenvolvimento mental normal. Somente o atingiram, após um programa de estimulação. MOLONEY (1992, p.19) explica que:

Apesar de as crianças se recuperarem muito facilmente, e parecerem capazes de se restabelecer prontamente de qualquer influência nociva, os estudos sugerem que seus hábitos alimentares podem afetar muito a concentração e a aprendizagem, seu nível de energia e autocontrole, sua resistência às doenças comuns, e sua habilidade atlética, assim como sua resistência geral e ao crescimento. Por exemplo, as crianças que tentam enfrentar o período da manhã sem o café da manhã tendem a ter problemas de concentração e aprendizagem e são mais distraídas na sala de aula, principalmente nas horas que precedem o almoço.

As deficiências nutricionais e de estímulos, sobretudo na fase precoce do desenvolvimento, podem determinar alterações graves e talvez irreversíveis. A deficiência, por exemplo, de um aminoácido denominado histidina, as alterações do metabolismo dos ácidos graxos poli-insaturados , do colesterol e dos fosfolipídeos podem alterar e retardar o desenvolvimento da linguagem.
Uma criança normal, em idade escolar, não pode apresentar problemas de linguagem, pois, a presença destes, implica na maior probabilidade de o estudante apresentar dificuldades escolares , por ocorrerem alterações psicológicas e intelectuais. Com relação a estes problemas, descreve LURIA , em AJURIAGUERRA (19¬¬__, p. 298):

Graças à linguagem, o estímulo não é mais um simples sinal para o homem, mas equivale a um elemento de informação de caráter geral. Não é mais das qualidades físicas do estímulo que dependerão as reações, mas do sistema no qual este estímulo está integrado. Assim, a linguagem, que reflete a realidade objetiva, influencia diretamente a formação das atividades humanas complexas.

A linguagem se faz através de mímica, gestos, sons, palavras ou escrita. Como a criança ao nascer não tem linguagem definida, precisa fazê-la. A primeira fase é de associação de objetos com a palavra, por meio das sensações visuais, auditivas e táteis. A palavra fixa-se na memória. Na segunda etapa, a criança associa palavras e começa a expressá-las. Isto requer de interações entre as áreas auditiva, visual e motora do córtex cerebral, o qual é muito vulnerável a qualquer tipo de “stress”.
Sendo este processo de muita importância na causa e efeito da socialização – abrindo um campo de possibilidades, bem como na aprendizagem de forma geral e nas ações humanas, deve haver cuidados especiais com relação ao desequilíbrio nutricional na época crítica do desenvolvimento, para que o progresso deste não seja prejudicado.

 

2.6. Desnutrição e inteligência
A inteligência é um processo bastante complexo e de fundamental importância para a adaptação do homem ao meio e para o seu triunfo. Também tem íntima relação com a genética e as alterações que possam ocorrer durante a gestação ou a vida da criança. Filhos de pais com déficit intelectual tendem a ter déficit intelectual. O sofrimento fetal na gestação tende a tornar o indivíduo menos capacitado intelectualmente, assim como a desnutrição nos primeiros anos de vida favorece um prejuízo intelectual na fase adulta.
Em nota publicada pela revista Planeta (Inteligência Cresce com Aleitamento, p. 09) sobre uma pesquisa realizada na Dinamarca, ficou evidente que, além de aumentar os anticorpos do bebê, o aleitamento materno tem um papel importante no desenvolvimento da inteligência humana. Segundo o estudo, dentre os adultos que haviam sido amamentados no máximo por um mês, o QI encontrado foi, em média, 99,4; já entre aqueles que foram amamentados por mais de nove meses, esse número subiu para 104.
É claro que, independentemente das repercussões diretamente cerebrais da desnutrição, os fatores de ordem emocional prejudicam profundamente a inteligência, que é uma característica humana, caracterizando a socialização da nossa espécie. Este aspecto, aliás, gera grande confronto de idéias entre diferentes pesquisadores. Alguns deles afirmam que, o desnutrido, se receber os estímulos necessários, não apresentará nenhum tipo de retardo intelectual. Já para outros, como Carrazza e Marcondes (1991), o quadro de má nutrição prejudica irreversivelmente o desenvolvimento do Sistema Nervoso Central, mesmo que este seja estimulado mais tarde. “ Quando ocorre desnutrição intra-útero, há grande possibilidade de haver lesão grave e permanente do Sistema nervoso Central. (…). No entanto, apesar das lesões, o retardo do desenvolvimento pode ser reversível, quando a recuperação da desnutrição se faz em condições sócio-culturais favoráveis, em situação ideal de estímulação psicomotora da criança”. (CARRAZZA; MARCONDES, 1991, p. 275)
Uma dieta adequada, seguida de estimulação no lar, como a qualidade dos cuidados da mãe para com a criança, as características psicológicas dos pais, o ambiente em que vive, entre outros estímulos, durante a reabilitação da desnutrição, provocam grande progresso na recuperação intelectual da criança.
DIAMENT e CYPEL (1996, p. 1089) relatam numa pesquisa realizada por J. Cravioto e R. Arrieta , com o objetivo de avaliar o efeito da estimulação durante a reabilitação da desnutrição sofrida em etapas muito precoces da vida. Foram analisadas trinta e seis crianças menores de seis meses de idade e internadas em hospitais, com grau significativo de desnutrição. No princípio do estudo, as crianças apresentavam parada no crescimento e desenvolvimento. O nível de desenvolvimento, no melhor dos casos, foi estimado em 50% da média esperada para a idade. As crianças foram divididas em dois grupos: um deles, recebendo estimulações (cognitivas, emocionais e de linguagem), Já a outra parte, recebia o tratamento habitual do hospital.
Ao final do estudo, o autor observou que, dentre aqueles que receberam o tratamento tradicional, somente duas a três crianças se recuperaram totalmente. O grupo que foi estimulado pelos funcionários do hospital, teve um saldo de sete a nove de cada dez crianças, com desenvolvimento esperado para a idade. “Os resultados do segmento dessas crianças após a alta do hospital parecem indicar que seu crescimento físico e desenvolvimento mental encontram-se em relação direta tanto com a qualidade da estimulação do microambiente do lar, bem como com a qualidade de interação mãe-filho”. (DIAMENT; CYPEL, 1996, p. 1089).
O desenvolvimento do ser humano depende, desde o momento da concepção, do apoio de seus pais, de sua família, da comunidade e da sociedade em que vive. Este apoio se manifesta sob a forma de alimentação, carinho, cuidado, estimulação, educação e segurança, entre outros. Todas essas formas de apoio são fundamentais para que o desenvolvimento e o crescimento humano se dêem de forma plena. A alimentação é muito mais que a ingestão de nutrientes e sua digestão, “ao alimentar-se junto de amigos, de sua família, saboreando pratos característicos de sua infância, de sua cultura, o indivíduo se renova em outros níveis além do físico, fortalecendo sua saúde física e mental e também sua dignidade humana”. (VALENTE, 2002, p. 105)
Assim sendo, não se pode dizer que somente a carência nutricional afeta a inteligência da criança. Deve ser levado em consideração também o meio em que ela vive, se é constituído de harmonia, se recebe afeto e estímulos da intelectualidade.

 

2.7. Desnutrição, aprendizagem e educação
A aprendizagem é um processo que acontece no Sistema Nervoso Central (SNC), no qual se produzem mudanças, permitindo uma melhor adaptação do indivíduo ao seu meio, como resposta a uma ação ambiental.
As diferentes partes do SNC, funcionam em conjunto, como numa engrenagem, interagindo na formação do aprendizado. O tálamo e a haste, partes do encéfalo, desempenham importante papel no processo, no entanto, é o córtex cerebral, muito desenvolvido no homem, o responsável pela maior capacidade de aprendizagem, sendo responsável também pela memória, pensamento e pela lógica. É importante ressaltar que “o processo de aprender deve levar as crianças a realizar suas atividades de interpretação e de reprodução, partindo evidentemente de uma função cerebral gnósica interpretativa e práxico-produtiva, mostrando que aprender é uma função cognitiva e não uma simples cópia de atitudes sem significado”. (DIAMENT; CYPEL, 1996, p. 1063).
A aprendizagem depende basicamente da capacidade de recordar e também de elaborar pensamentos, desenvolver raciocínio, estabelecer comparações, fazer análise daquilo que se vê ou ouve, buscando sempre autonomia e tendo consciência daquilo que se aprende.
É graças ao desenvolvimento do Sistema Nervoso Central, principalmente do córtex cerebral, que a espécie humana ocupa posição tão elevada no reino animal. Considerando que seu desenvolvimento físico e mental dependem, em grande parte, da assistência que recebe nas diversas etapas da sua vida, desde a infância até a maturidade, não se justifica que um grupo etário tão vulnerável como o pré-escolar fique marginalizado.
O desenvolvimento humano, ou seja, o desenvolvimento mental e o crescimento orgânico, é uma construção caracterizada pelo aparecimento de estruturas mentais, sendo determinado pela intervenção de vários fatores, como a hereditariedade, crescimento orgânico, maturação neurofisiológica, o meio e estímulos recebidos pelo indivíduo.
Jean Piaget divide os períodos de desenvolvimento humano, conforme o surgimento de novas qualidades do pensamento. Assim o fez:
1º Período – Sensório motor (0 a 2 anos): a criança, por meio de sua percepção e movimentos, conquista o ambiente ao seu redor. Conforme cita BOCK (1999, p 101. )“neste período, fica evidente que o desenvolvimento físico acelerado é suporte para o aparecimento de novas habilidades”.
2º Período – Pré-operatório (2 a 7 anos): há o aparecimento da linguagem, e consequentemente, o desenvolvimento do pensamento. Ocorre a maturação neurofisiológica.
3º Período – operações concretas (7 a 12 anos): a criança estabelece relações que permitem a coordenação de pontos de vista diferentes. Passam a ter capacidade de cooperação e realizam ações dirigidas para um fim.
4º Período – Operações formais (12 anos em diante): não há necessidade de referências concretas para realizar uma ação. Fase de interiorização, de conflitos, que chega à estabilidade na fase adulta.
Os fatores negativos que incidem nas etapas vulneráveis da vida, neste caso nos primeiros períodos do desenvolvimento humano para Piaget, podem acarretar deficiências físicas, psicológicas e mentais irreversíveis, repercutindo na formação do adulto. Comentam JOHNSON e MYKLEBUST (19__, p. 02) que “as crianças só aprendem normalmente quando estão presentes certas integridades básicas e quando são oferecidas oportunidades adequadas para a aprendizagem. Uma criança carente, uma criança à qual não tenham sido dadas oportunidades, terá deficiências em vários tipos de aprendizagem, mesmo se tiver potencialidades excelentes”.
Grande parte deste grupo tão vulnerável é constituído por portadores de desnutrição, que vivem em ambientes onde as condições sanitárias deixam muito a desejar e onde há carência de estímulos. Estes terão um futuro sombrio, caso não sejam tomadas as providências necessárias para protegê-lo. É imprevisível o papel que uma criança poderá desempenhar na comunidade futura; poderá ser uma fator positivo ou negativo. Contudo, se abandonada a seu próprio destino, sem assistência, num ambiente que lhe imponha retardamento físico e mental, suas qualidades permanecerão adormecidas e não se desenvolverão. Suas condições físicas e mentais não lhe permitirão usufruir os benefícios da educação, e sua capacidade de trabalho, ao atingir a idade adulta, será deficiente, afirma CHAVES (1975, p.18):

Nesta sociedade de consumo, onde os assuntos culturais, artísticos e educacionais são, quase sempre, preteridos pelos de ordem financeira ou ligados à economia, é provável que muito julguem a recuperação física e mental das crianças desnutridas sem importância para o desenvolvimento econômico. Contudo, o desenvolvimento jamais poderá ser atingido, sem o seu fator principal – o homem, o qual só poderá ter expressão econômica se tiver bom padrão educacional e bom estado de saúde e nutrição.

Somente com cérebros bem desenvolvidos será possível uma nação atingir um bom nível de educação e vencer o analfabetismo.
No entanto, referente ao papel da educação no desenvolvimento e da importância do encéfalo para a aprendizagem, focaliza-se os efeitos da desnutrição sobre o desenvolvimento do Sistema Nervoso Central, que como já fora relatado, é imprescindível estar intacto para a formação do aprendizado. Tudo que se aprende é parte do processo de apreensão ativa do mundo e o desnutrido encontra-se incapacitado para fazê-lo.
A situação se agrava quando a desnutrição ocorre nos primeiros anos de vida, pois é nesta fase que há mais capacidade de aprendizado, porque a plasticidade neural é maior, isto é, os neurônios são capazes de fazer novas conexões ou se regenerarem de forma mais rápida. Portanto, se a criança não recebe uma dieta adequada nesta fase, certamente poderá ter problemas mais tarde.
Foi realizada uma pesquisa por Diament e Cypel (1996), com 100 crianças, estudantes do Rio Grande do Sul, a fim de avaliar dificuldades de aprendizado. Dividiu-se as crianças em dois grupos. O primeiro, denominado Grupo A, constituído por 50 estudantes com bom rendimento escolar e o outro, chamado Grupo B, com 50 indivíduos apresentando dificuldades de leitura, escrita ou cálculo. Aplicou-se diversos testes e exames, dentre eles o estado de nutrição de cada um. Constatou-se haver diferenças estatisticamente significativas entre os alunos de bom rendimento escolar e aqueles com dificuldades para aprendizagem quanto ao estado de nutrição. “No grupo A foram encontradas sete crianças desnutridas (14%) para 18 (36%) no grupo B” (DIAMENT; CYPEL, 1996, p. 1069).
As instituições de ensino apresentam constantemente problemas de aprendizagem com crianças famintas. A fome por um lado e a falta de estímulos com que a criança se defronta em grande parte das famílias de baixa renda, são fatores que prejudicarão sua capacidade de aprendizagem.
Há aqueles que sofrem com a chamada “fome do dia”, expressão criada para exprimir as sensações ligadas à falta de alimento naquele dia ou período. A falta de alimento, promove quedas bruscas dos níveis de glicose no sangue, ficando o indivíduo desligado do mundo, pois não consegue prestar atenção no que está fazendo, muito menos no que outra pessoa possa estar fazendo, principalmente quando está em sala de aula.
Este é mais um aspecto que dificulta o processo de aprendizagem. Comenta MOLONEY (1992, p. l9) que “as crianças que tentam enfrentar o período da manhã sem o café da manhã tendem a ter problemas de concentração e aprendizagem e são distraídas na sala de aula, principalmente nas horas que precedem o almoço”.
Muitos estudiosos comentam, inclusive, que os altíssimos níveis de repetência e fracasso escolar observados em escolas públicas brasileiras, seriam o resultado de seqüelas irreversíveis do Sistema Nervoso Central. Contudo, conhecemos também, a realidade de muitas crianças que só se alimentam na escola e a freqüentam, exclusivamente, para isto, apresentando inúmeros problemas na aprendizagem, memória e pensamento.
Porém, argumenta VALENTE (2002, p. 33) que:

Não temos o direito de rotular as crianças ou adultos portadores de distúrbios de aprendizagem como portadoras de lesões neurológicas irreversíveis decorrentes de processos de desnutrição. Nenhum estudo científico justifica tal afirmativa. Muito pelo contrário, existem estudos em vários lugares do mundo que demonstram que crianças que experimentaram quadros graves de desnutrição no período neo natal e nos dois primeiros anos de vida apresentam um desenvolvimento motor e cognitivo adequado caso tenham a oportunidade de crescer em um ambiente social que lhes propicie as condições para isto.

Uma criança, mesmo tendo apresentado desnutrição, sendo bem estimulada, pode reverter o quadro de déficit intelectual causado pela dieta inadequada. Caso isto não ocorra, o país perde duplamente, pois o desnutrido de hoje será o trabalhador pouco qualificado de amanhã, tendo todo um potencial de inteligência e criatividade desperdiçados. Ao faminto, desnutrido e analfabeto, é dificultado o desenvolvimento da capacidade crítica, ficando consequentemente, impossibilitado da participação consciente do processo de transformação social, tornando-se manobra para seus dominadores.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

III. COMO SOLUCIONAR O PROBLEMA?

 

3.1. Recentes políticas de ação criadas no combate à desnutrição
No início de novembro de 2002, a Organização Mundial da Saúde divulgou seu relatório anual sobre a saúde da população no planeta, no qual foram identificados os dez principais riscos para o organismo humano, tais como problemas estruturais, falta de saneamento básico, e o estilo de vida da população. Cerca de 40% das 56 milhões de mortes no mundo em 2001, são decorrentes e problemas gerados nestas situações.
Dentre estes fatores de risco, destacou-se a desnutrição. A OMS calculou que “o problema causou 3,4 milhões de mortes em 2001, principalmente em crianças” (Revista Isto É, 06/11/2002, p. 50).
A situação é mais grave, obviamente, nos países pobres. Estima-se que nestas regiões o número de pequeninos, com peso abaixo do normal, seja de 170 milhões. Mais terrível do que isto, é saber que 3 milhões deles podem morrer neste ano devido à falta de alimentação adequada.
Em nosso país, como podemos observar no mapa a seguir (Fig. 03), que demonstra a porcentagem de desnutrição de crianças menores de seis anos acompanhadas pela pastoral da Criança, por municípios brasileiros, no ano de 2002, revela-nos que ainda é grande o número de meninos e meninas que sofrem com o problema, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Nos centros urbanos, os principais atingidos são os favelados, as crianças de rua e os desempregados.
Nos Estados do Nordeste brasileiro, enquanto 17,9% das crianças são desnutridas, no Sul o índice chega a apenas 5% do total das crianças. Nesta região que apresenta tantos indivíduos carentes de uma boa alimentação, a miséria predomina na maioria das famílias, que inúmeras vezes não tem o que pôr no prato para saciar a fome. É comum terem de se alimentar de farinha seca, folhas e até mesmo cactos para “enganar” o estômago. Medidas emergenciais de distribuição de alimentos e fonte de rendas vêm sido realizadas no Nordeste, mas ainda não são suficientes para banir o problema.

Fig. 03 – % de Desnutrição de Crianças Menores de 6 Anos Acompanhadas pela Pastoral da Criança, no Brasil, por município, no ano de 2002.

Fonte: Pastoral da Criança (www.pastoraldacriança.com.br)
Banir a desnutrição do quadro de problemas sociais faz parte do desafio de transformar em realidade o cumprimento dos direitos básicos do ser humano. O Brasil vem participando de inúmeros fóruns, congressos, conferências internacionais, objetivando implementar políticas e ações na garantia de oferecer segurança alimentar e nutricional para todos os brasileiros o mais breve possível. Além disso, a sociedade civil, órgãos governamentais e não-governametais também vêm se empenhando em um forte movimento pelo fim da desnutrição.
Em 1993, criou-se o Consea – Conselho Nacional de Segurança Alimentar. Este era composto por dez ministérios e 21 representantes da sociedade civil, sendo subordinado ao Presidente da República, que visava utilizar os estoques públicos de alimento no atendimento às pessoas em risco de segurança alimentar, promover ações contra a desnutrição e mortalidade infantil, estimular programas de desenvolvimento, entre outros objetivos.
Em 1994, realizou-se a I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, reunindo mais de dois mil estudiosos e autoridades, na tentativa de discutir meios a fim de acabar com a fome, desnutrição e exclusão social, a qual definiu que a segurança alimentar e nutricional é um dois aspectos centrais e primordiais no que se refere ao desenvolvimento socioeconômico do país.
Em l995 o Consea foi extinto, e criou-se o Comunidade Solidária, projeto coordenado por órgãos federais, estaduais e municipais, com parcerias entre o governo e a sociedade em geral, como trabalhadores das mais diversas áreas e estudantes. O Comunidade Solidária tem a luta contra a fome e a pobreza como uma de suas principais metas.
Outro desenvolvimento significativo em prol da cidadania durante os anos 90, foi o reconhecimento do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em Lei Federal de 1992. Cita VALENTE (2002, p.151), o Decreto nº 591 de 06 de Julho de 1992, promulgação do artigo II:

l. os países participantes do presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas a um padrão de vida adequado a sua família, inclusive o direito à alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como ao desenvolvimento contínuo de suas condições de vida. Os Estados participantes desenvolverão ações para assegurar a realização desse direito, reconhecendo, nesse sentido a importância da cooperação internacional, baseada em consenso.
2. os países participantes de presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de todas as pessoas à proteção contra a fome, adotarão medidas, individualmente e através de cooperação internacional, inclusive programas concretos, que se tornem necessários para:
a) melhorar os métodos de conservação, produção e distribuição de alimento por meio da utilização de conhecimento técnico e científico, por meio da difusão de princípios de educação nutricional e por meio de melhoria ou reforma dos regimes agrários, de maneira a assegurar a mais eficiente utilização e exploração dos recursos naturais;
b) assegurar uma destruição eqüitativa dos recursos mundiais de alimento em relação às necessidades, levando em consideração os problemas dos países que estão, respectivamente, importando ou exportando alimento”.

Além deste, o Brasil assinou muitas declarações e pactos internacionais, na tentativa de extinguir a fome e desnutrição. No entanto, esta luta sofreu um retrocesso nos últimos anos, o que torna praticamente impossível atingir o objetivo fixado em 1996, durante a Cúpula Mundial de Alimentação, de reduzir pela metade, o número de desnutridos até 2015.
É assustador o fato de que a cada 3,6 segundos alguém morre de fome no mundo. Como dizia o sociólogo Herbert de Souza : “quem tem fome tem pressa”. Betinho, como era chamado, criou entre 1993 e 1994, o que constituiu a experiência de maior mobilização da sociedade civil no Brasil: a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida. Em pouco tempo, cerca de 20% população do país contribuiu com o projeto em mais de sete mil comitês espalhados pelo país. Além destes, o setor empresarial, órgãos governamentais e não-governamentais trabalharam maciçamente na distribuição de alimentos, projetos de capacitação, hortas urbanas, reforma agrária, alfabetização e outros programas, todos voltados à criação de condições para que as famílias pudessem garantir seu sustento sozinhas. Num primeiro momento, elas recebiam o apoio da entidade e, posteriormente, deveriam “caminhar com seus próprios pés”.
Betinho morreu em 09 de agosto de 1997, aos 61 anos, sendo exemplo de dedicação e amor a seu semelhante. Mesmo enfrentando dificuldades, lutou pela melhoria socioeconômica em nosso país.
Outros programas vêm sendo criados, como o Bolsa-Alimentação, instituído pelo Ministério da Saúde, em 2001, onde gestantes, nutrizes e crianças menores de seis anos, em situação de insegurança alimentar recebem R$ 15,00 por mês e são acompanhadas por equipes do Programa da Saúde da Família, que prestam orientações e verificam se as famílias estão cumprindo corretamente a agenda da saúde, que inclui o comprometimento com vacinação, pré-natal, aleitamento materno, etc.
A ação mais recente e que tem ganho força e grande aceitação popular, é o programa desenvolvido pelo então Presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, denominado Fome Zero. O candidato, quando eleito, declarou: “se ao final do meu mandato cada brasileiro puder se alimentar três vezes ao dia, terei realizado a missão da minha vida”.
O programa, foi inspirado em Franklin Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, em 1933, que conseguiu reverter um período de grande depressão e fome naquele país. Pretende-se realizar a doação de cestas básicas emergenciais, criar bancos de alimentos e restaurantes populares, combater a desnutrição materno-infantil, formular campanhas de educação alimentar, melhoria da qualidade da merenda escolar, dentre outras reformas. O engenheiro agrônomo José Tubino, peruano de 54 anos, e representante da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) no Brasil, sobre o programa Fome Zero apresentado por Lula, afirmou em reportagem para o Jornal O Estado de São Paulo (03/11/2002, p. A13):

é um grande esforço que está alinhado com os compromissos da Cúpula Mundial de Alimentação. Na avaliação dos compromissos da organização, em junho, sentiu-se muita frustração com respeito aos avanços para reduzir a fome no mundo. Identificou-se que uma das principais causas deste fracasso era a falta de vontade política (…). Vemos com interesse a proposta do Programa Fome Zero (…) . Os organizadores têm feito uma pesquisa há muito tempo, não é questão lançada no último minuto.

É preciso que toda a população brasileira se empenhe neste projeto. Se todos derem sua parcela de contribuição, e desde que se pense numa proposta contínua, com uma política voltada ao incentivo da agricultura familiar, tal iniciativa do governo federal poderá ter grande êxito, garantindo um futuro promissor às crianças brasileiras.

 

3.2. A alimentação dos escolares
Inúmeras crianças brasileiras freqüentam a escola exclusivamente para alimentar-se, pois na hora do recreio elas têm o único prato de comida do dia para saciar sua fome. Esta é a realidade enfrentada por uma população socioeconômica menos favorecida, atingida diretamente pela repetência e evasão escolar.
O dinheiro para a compra da merenda escolar é garantido por lei. A verba federal, aplicada para esta finalidade, permite que muitos carentes tenham na escola uma alimentação equilibrada, da qual não dispõe em casa. A merenda estimula a permanência dos alunos nas escolas, reduzindo a evasão escolar e a repetência, além de auxiliar na formação de bons hábitos alimentares, garantindo um melhor desenvolvimento dos estudos. Afinal, o aprendizado e o desenvolvimento de uma criança tem grande relação com o tipo de alimentação a que são submetidos.
O crescimento dos escolares entre seis e doze anos é constante e, por isto, carece de muitos cuidados. Suas necessidades nutricionais de proteínas, vitaminas e minerais, como as vitaminas C e D, cálcio, fósforo, ferro e zinco são maiores. A quantidade de alimentos para uma criança nesta faixa etária pode variar, mas o equilíbrio de nutrientes será o mesmo para todo escolar. A ênfase deve ser dada aos carboidratos, gorduras e proteínas.
Segundo MOLONEY (1992, p. 126):

As crianças em idade escolar, particularmente, precisam de um bom café da manhã para mantê-las alertas durante o longo intervalo até o almoço. As crianças que tomam um bom café da manhã tem se mostrado menos fatigadas e mais capazes de se concentrar e enfrentar problemas do que aquelas que não o fazem. É particularmente importante que os escolares tomem um café da manhã completo, uma vez que o lanche da manhã, com o que muitos estão acostumados, repentinamente deixa de ser servido. Um café da manhã balanceado contendo alimentos ricos em proteínas, frutas e pães, é ideal.

Na infância há mais capacidade de aprendizado, pois os neurônios são capazes de fazer novas conexões e se regenerar de forma mais fácil. Por isso, esta fase constitui o momento ideal de oferecer todas as condições necessárias para que a criança aprenda cada vez mais. Uma revisão da nutrição e desempenho escolar sugere que “as crianças que vão para a escola sem o café da manhã são prováveis de estar menos atentas e mais letárgicas e irritáveis”. MOLONEY (1998, p. 271)
A merenda escolar e a conscientização de uma alimentação saudável desenvolvidas nas instituições de ensino, são meios a serem mais amplamente utilizados no combate à carência nutricional, responsável por inúmeros danos ao progresso intelectual, físico e orgânicos infantis. Merece toda atenção de autoridades e órgãos competentes pela busca de recursos financeiros e efetiva aplicação destes no combate à desnutrição.
Oferecer alimentos saudáveis e nutritivos aos estudantes, além de melhorar sua saúde e desenvolvimento, ainda conscientiza-os sobre a importância de uma dieta balanceada, já que, nesta idade, a maioria deles deixa-se seduzir por alimentos pobres nutricionalmente.

A escola representa um ambiente favorável – e privilegiado – para o estímulo à formação de hábitos saudáveis ou correção de desvios no que diz respeito à alimentação (…). O estudo e a realização de debates sobre alimentação e nutrição na escola, assim como o desenvolvimento de outras atividades educativas, propiciam ao aluno condições de assumir uma postura crítica diante das informações que chagam até ele (…). A oferta de uma merenda equilibrada e a criação de hortas escolares são algumas formas de trabalhar a questão da alimentação sadia, afinando discurso e prática. (MOREIRA, 2002, p.23).

Atualmente, quase metade de todos os comercias de Tv são de alimentos, geralmente destinados à crianças, com baixa ou nula composição de fibras e ricos em gordura, açúcar e sódio, e que, quando consumidos em excesso, podem provocar sérios danos ao organismo. Cabe lembrar que a ingestão inadequada de proteínas, vitaminas e minerais provoca desnutrição, mesmo que a sensação de fome do indivíduo, seja saciada com a alimentação.
Neste período escolar, surge o desejo pela “alimentação livre”, onde o consumismo por doces, salgadinhos, chocolates, refrigerantes e outras guloseimas cresce consideravelmente. “Os pais precisam estabelecer limites para as influências indesejáveis, mas também precisam ser realistas” MOLONEY (1998, p. 268). Ou seja, consumir algumas “bobagens” vez ou outra, sim, mas desde que com moderação. Esta fase é considerada propícia para ensinar as crianças a serem responsáveis pelo que consomem, pois estes hábitos formados nesta fase permanecerão com elas para toda a vida.

 

3.3. O Trabalho da Pastoral da Criança
A Pastoral da Criança é uma das organizações mais importantes em todo o mundo, na busca efetiva de ações para a melhoria da qualidade de vida de famílias e comunidades carentes.
Atuando nas áreas de saúde, educação e nutrição da criança, desde o seu nascimento até os seis anos de vida, o trabalho da Pastoral consiste em capacitar líderes comunitários, residentes na própria região, que serão responsáveis por orientar e acompanhar o desenvolvimento das crianças e famílias, dando-lhes apoio no plano físico, material e espiritual, segundo nos ilustra a próxima figura (Fig. 04):

 

 

 

Fig. 04 – Ação do Líder Comunitário

Fonte: Guia do Líder da Pastoral da Criança
A Pastoral da Criança teve início há 21 anos atrás, em 1982, durante uma reunião da Organização da Nações Unidas, em Genebra. James Grant, Diretor Executivo da Unicef, na época, em conversa com o então Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, convenceu-o sobre a importância do engajamento da Igreja em ações que pudessem ajudar a salvar a vida de crianças que morriam de certas doenças facilmente previníveis, como a desidratação.
Dom Evaristo, após retorno ao Brasil, abordou o assunto com sua irmã, a médica pediatra e sanitarista, hoje coordenadora nacional da Pastoral da Criança, Dª Zilda Arns Neumann. Esta, a partir de sua experiência profissional, e sentindo necessidade da implantação de um projeto que favorecesse as crianças, depositou sua confiança neste trabalho para redução da mortalidade infantil. Com o apoio da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), em setembro de 1983, iniciavam-se os trabalhos em alguns municípios do Paraná. O primeiro a ser beneficiado foi Florestópolis, a 100 Km de Londrina. A cidade possuía o maior índice de mortalidade infantil do Paraná: 127 óbitos por mil nascidos vivos. Foram escolhidos líderes comunitários, que iniciaram as diligências e, gradativamente, conseguiram diminuir estes índices.
Com o êxito e sucesso alcançados nas primeiras atividades, logo este projeto Pastoral de difundiu-se, e hoje, está presente em 100% dos estados brasileiros e 64% dos municípios, acompanhando 1.635.461 crianças carentes e 76.842 gestantes. Outros países também vêm desenvolvendo experiências semelhantes como na África, em Angola e Moçambique, na América Latina, como na Argentina, Bolívia e México e na Ásia, como no Timor Leste e Filipinas.
A Pastoral da Criança procura estar “a serviço da vida e da esperança, da fé, do amor, da alegria e da paz”(Guia do Líder da Pastoral da Criança, 2000, p. 13), buscando gerar igualdade de oportunidades, justiça e paz. Entre as ações realizadas a este fim, destacam-se o apoio integral às gestantes, o incentivo ao aleitamento materno, fornecimento de alimentos, controle de doenças diarréicas e respiratórias, produção de remédios caseiros, entre outros. Há também o grande incentivo à cidadania, à ativa participação da comunidade na transformação da realidade social em que vivem, gerando qualidade de vida.
A organização realiza além de visitas domiciliares mensais às famílias acompanhadas, o “Dia do Peso”, conforme podemos constatar na próxima figura (Fig. 05), em que todas as crianças da comunidade são pesadas e avaliadas quanto à desnutrição. Os líderes reúnem-se ao menos uma vez ao mês para discutirem e analisarem as ações realizadas, organizar novas estratégias, procurando superar as dificuldades enfrentadas.

 

 

 

 

Fig. 05 – Pesagem de crianças, acompanhadas pela Pastoral da Criança

Fonte: Guia do Líder da Pastoral da Criança

São mais de 153 mil voluntários capacitados, orientando pais, mães e familiares sobre como gerar, ampliar e sustentar um bom ambiente para desenvolvimento das crianças.
A instituição conta ainda, com a ajuda de alguns parceiros, destacando-se:
• UNICEF/Brasil – Fundo da Nações Unidas para a Infância;
• OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde;
• Organização Misereor (Alemanha);
• Organização Adveniat (Alemanha);
• Irmãs Escolares Nossa Senhora de Munique (Alemanha);

A mortalidade de crianças com menos de um ano de idade, nas comunidades atendidas pela Pastoral da Criança, é 60% menor que a média nacional. Sobre a desnutrição infantil, entre as mais de 1,6 milhões de crianças acompanhadas (menores de 6 anos), apenas 6,4% encontram-se desnutridas, ou seja, milhares delas são salvas a cada ano e outras milhares são recuperadas.

Com mais de 18 anos de experiência, a Pastoral da Criança demonstra que é possível reduzir a desnutrição infantil, desenvolver o potencial da criança, educar a mulher, prevenir a marginalidade na família e, consequentemente nas comunidades e nas ruas, promover a paz e a fraternidade cristã, através da formação de redes de solidariedade humana nas comunidades pobres, continuamente aperfeiçoadas. Através de sua experiência comunitária e participativa, a Pastoral da Criança estimula cada pessoa a desenvolver o protagonismo e intervir na organização de sua comunidade, na discussão sobre as políticas que lhe afetam e, principalmente, os laços de convivência e partilha. (PASTORAL DA CRIANÇA – CONCLUSÃO, 2003)

É incrível e orgulhoso o trabalho destes voluntários realizado em comunidades carentes. Mais incrível ainda são os resultados obtidos e com muito sucesso. Financeiramente falando, torna-se muito mais vantajoso investir em programas deste porte – de baixo custo – , do que, futuramente, ter de tolerar gastos com hospitais, crianças prejudicadas física e mentalmente, indivíduos cada vez mais pobres, gerando mais desigualdades sociais.
Ações simples, como as da Pastoral da Criança, merecem destaque e respeito por parte de toda a sociedade, pois como comente Dª Zilda Arns: “A criança é semente de paz ou de violência no futuro, a depender da maneira como é cuidada e estimulada. Seu contexto familiar e comunitário deve ser compreendido como a grande sementeira para a construção de um mundo fraterno, a serviço da vida e da esperança”. (PASTORAL DA CRIANÇA – PALAVRA DE Dª ZILDA ARNS, 2003).

 

 

 

 

 

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Toda pessoa humana têm direitos. Isso acontece em qualquer parte do mundo. Em grande número de países há pessoas que têm mais direitos do que as outras. Existem diferenças também quanto ao respeito pelos direitos, pois enquanto em certos países os direitos fundamentais da pessoa humana são muito respeitados, em outros quase não há respeito. Por que existem esses direitos? Porque todas as pessoas têm algumas necessidades fundamentais que precisam ser atendidas para que elas possam sobreviver e para que mantenham sua dignidade. Cada pessoa deve ter a possibilidade de exigir que a sociedade e todas as demais pessoas respeitem sua dignidade e garantam os meios de atendimento daquelas necessidades básicas. (DALLARI, 1984, p. 07)

A alimentação adequada constitui um direito básico do ser humano, inserido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovado pela ONU, em 1948. No entanto, o desrespeito para com este compromisso, vem causando fome e desnutrição em âmbito mundial. Cerca de 36 milhões de pessoas morrem, direta ou indiretamente, em decorrência da fome anualmente.
Inadmissível é o fato de que há alimento o bastante para suprir as necessidades diárias de todos os habitantes terrestres. O Brasil, por exemplo, é um dos maiores exportadores do mundo, contudo, milhões de brasileiros não dispõe de comida o suficiente para saciar de forma satisfatória sua fome. O faminto de hoje, vive num mundo de fartura, mas que tem uma deficiência muito preocupante: a má distribuição dos recursos existentes.
Os maiores prejudicados com esta situação, são as crianças. Estas sofrem com as conseqüências da desnutrição, muitas vezes por toda a vida, quando conseguem sobreviver da doença.
Ficou evidente o fato de que, uma boa alimentação infantil, desde o período fetal até a idade escolar, constitui um dos requisitos mais importantes para o pleno desenvolvimento físico e mental nas crianças pois, neste período, ocorre grande parte da estrutura e formação das funções vitais do indivíduo.
Quando após o diagnóstico é constatado o problema da desnutrição, é extremamente necessário que haja uma mobilização, por parte dos responsáveis, para que este quadro seja modificado, o mais rapidamente possível e o organismo doente se recupere, se não totalmente, apenas reduzindo os efeitos que atrasariam o seu progresso.
As conseqüências da má nutrição podem ser amenizadas, desde que a criança seja tratada e posteriormente bem estimulada. Comprovou-se inclusive, que crianças que enfrentaram períodos graves de desnutrição, tiveram desenvolvimento motor e cognitivo adequados, quando receberam a oportunidade de crescer em um ambiente social estimulante, que lhes propiciaram condições para isto. Caso contrário, esta enfrenta sérios problemas de memória, inteligência, aprendizagem, bem como, torna-se propícia a adquirir doenças e é fisicamente prejudicada.
Não faz-se necessário raciocinar muito para chegar à conclusão de que a própria nação, é a maior prejudicada neste caso. As crianças constituem o futuro de um povo. Delas e de seu poder de conduzir e gerar soluções práticas, depende o progresso de um país. Quantas são as mentes afetadas pela desnutrição. Quanto potencial é privado de desenvolvimento. Isto gera miséria, que gera fome e consequentemente a sociedade é atingida por inúmeros outros problemas sociais, um decorrente do outro. Onde há crianças desnutridas, provavelmente, há famílias com fome, analfabetas, sem autonomia para garantir a própria sobrevivência.
Programas vêm sendo criados, muito tem se discutido em debates, fóruns e encontros entre representantes de diversos países a respeito da desnutrição, de como bani-la, ou ao menos diminuir o número de suas vítimas.
Contudo, assinar decretos e declarações não basta. Soluções aparentes e deixadas no papel são inúmeras, mas o que realmente deve ser feito é uma mobilização por parte de toda a sociedade, na tentativa de reincluir os excluídos. A solução para este problema resume-se em uma palavra: AÇÃO. Se cada homem conscientizar-se e agir em favor de seu próximo, muita coisa pode ser revertida. Começando no bairro, na cidade, as soluções podem se estender por todo o mundo e os direitos humanos serem finalmente respeitados.
Exemplos que deram certo no combate à desnutrição, é a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, a Pastoral da Criança, além de várias iniciativas independentes da sociedade civil.
A responsabilidade é de todos os cidadãos, governantes, autoridades, que devem se engajar em programas e fazer sua parte na luta contra este mal que aflige a humanidade.

Não há dúvida que a caminhada é longa, mas ela não começa em um ponto futuro. Ela já começou, e temos que cada dia dar mais um passo. Nossas crianças não podem esperar por longas discussões teóricas sobre as contradições inerentes a modelos econômicos e/ou estratégias de estabilização da moeda. Elas costumam morrer de fome se não comem e se não recebem amor, proteção e carinho. VALENTE (2002, p.34)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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AS CONSEQUÊNCIAS DA DESNUTRIÇÃO NO DESENVOLVIMENTO FÍSICO E MENTAL INFANTIL
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