Crianças que ficavam sem ir à escola por conta das monções têm acesso ao currículo tradicional, além de aulas sobre direitos da mulher e agricultura sustentável.
Além das disciplinas tradicionais, crianças aprendem sobre direitos da mulher e agricultura sustentável
São 58 os rios que desembocam nas planícies de Bangladesh, país asiático que faz fronteira com a Índia. Seus habitantes levam uma vida anfíbia: os tigres aprenderam a nadar para buscar os peixes; as crianças aprenderam a nadar para mudar de casa cada vez que uma monção inunda os córregos; e os adultos aprenderam a nadar para fechar as portas das escolas nos alagamentos.
De julho e outubro, milhares de crianças ficam sem acesso à educação. Na região de Bengala, brinca-se que ali é a Atlântida: assim como a cidade submersa da mitologia grega, tudo fica debaixo da água. E o ruído das bicicletas no asfalto dá lugar ao ronco dos motores de barcos.
Mas nem todo barco é de pesca ou de transporte. No balanço de noka, embarcação típica da região com até quinze metros de comprimento, estão acontecendo aulas de matemática. Trinta crianças prestam atenção a uma professora de sari – vestimenta tradicional e colorida usada por mulheres – que leciona aritmética entre respingos de água e ligeiras oscilações da embarcação. Uma das alunas, Sweeti Kathun, tem na bolsa um livro que conseguiu na biblioteca flutuante.
Esse barco-escola é um dos 52 da frota criada pela ONG Shidhulai Swanirvar Sangstha. Fundada em 2012 por Mohammed Rezwan, a organização é responsável pela criação de escolas-barco que funcionam durante todo o ano, principalmente na época das monções – época de chuva intensa e alagamentos. Cerca de 77 mil estudantes são atendidos.
A inspiração para criar os barcos veio de quando Rezwan era estudante. Por ter tido uma infância privilegiada, o arquiteto nunca faltou na escola, e acreditava ser possível criar mecanismos para que outras crianças, principalmente aquelas em situação de vulnerabilidade, também não precisassem deixar de estudar.
Segundo o representante Pascal Villeneuve, em entrevista para o New York Times, ser capaz de ir para a escola e aprender um novo conteúdo é fundamental frente a desastres naturais ou mudanças abruptas: “Ter certeza de que as escolas são resilientes contra desastres naturais deveria ser uma prioridade. Sabemos por experiência que fazer as crianças voltarem o mais rápido possível para um ambiente escolar é o melhor jeito de se recuperar do choque”.
Ainda que cada escola seja diferente entre si, elas possuem algumas características em comum. Suas cabines podem comportar cerca de 30 alunos e um professor. Os telhados são à prova de água, e painéis de energia solar garantem que aulas possam acontecer à noite.
Alguns possuem bibliotecas e outros são centros de estudo computadorizados. Geralmente os alunos participam de aulas durante três ou quatro horas, durante seis dias da semana. Como a escola percorre vilas em situação de pobreza, é possível que essa seja toda a educação que os alunos recebam durante a vida.
O livro Viagem à Escola do Século XXI, do pesquisador Alfredo Hernando Calvo, em parceria com a Fundação Telefônica, mapeou a experiência das escolas-barco como uma das mais inovadoras do mundo, promovendo um ambiente perene e inovador de educação, ao transformar a vida agrícola da população local.
Além das aulas do currículo tradicional, aulas de sustentabilidade e direito das mulheres também ocupam as horas dos alunos. Os adultos também podem frequentar a disciplina sobre agricultura ou outros ofícios para complementar a renda familiar. Como grande parte das famílias é composta por fazendeiros, a ONG tem preocupação com educação ambiental: trabalhadores rurais são ensinados a manejar técnicas livres de pesticidas para controle de insetos e melhorias nos seus cultivos.
“As escolas da terra estão fechadas durante as monções”, fala a aluna Eti Khatum, de nove anos. “Nossa escola flutua durante todo o ano”. A experiência é tão inovadora que está sendo replicada em outros países que também enfrentam adversidades climáticas.
*Com informações da matéria ‘Escola Flutuantes’ trazem aulas para crianças encalhadas, no The New York Times.