Especialista conduz oficina do projeto Aula Digital e estimula os profissionais da educação a criarem novas possibilidades dentro de suas vivências
Cerca de 300 professores, coordenadores e diretores do Ensino Fundamental de Sergipe foram convidados a fazer uma lição de casa: pensar o espaço escolar em que atuam. O resultado dessa tarefa foi compartilhado na Oficina de Educadores, que aconteceu nos dias 27 e 28 de novembro na capital, Aracajú. Os profissionais se reuniram para debater novos formatos, que inovem o uso dos ambientes dentro das escolas e contribuam na forma de ensinar os estudantes.
Sergipe se destaca no projeto Aula Digital, apoiado pelas Secretarias de Educação do Estado e dos Municípios e que beneficia 469 escolas distribuídas em 30 municípios com atendimento a cerca de 4.700 educadores. O encontro foi dedicado aos profissionais da educação que ainda não participam da iniciativa, promovida pela Fundação Telefônica Vivo, com o objetivo de inspirar ações junto à comunidade, envolvendo o entorno da escola para a melhoria da qualidade do ensino.
A arquiteta, urbanista e pesquisadora Beatriz Goulart, diretora do centro de pesquisas e projetos Cenários Pedagógicos e do Projeto Âncora, foi quem conduziu as atividades. Entre suas experiências, destacam-se a participação da concepção e da implantação dos CEUs em SP, do Bairro-Escola de Nova Iguaçu-RJ, do Mais Educação/MEC, programa do Governo Federal, entre outros projetos desenvolvidos por meio de metodologias participativas.
Troca com os educadores
Para mobilizar o grupo formado por professores de cidades que variam de 3.000 a 500 mil habitantes, a especialista trouxe ao debate exemplos de espaços transformadores e atitudes que fazem os alunos se encantarem dando um toque de magia ao ensino.
“Temos que ouvir o que os estudantes estão dizendo. E os professores serem ouvidos também. Trazer esse pensamento para os pais e para o território é fundamental para o ensino”, disse Beatriz Goulart, sendo aplaudida.
Após a palestra, os professores tiveram oportunidade de vivenciar uma experiência concreta de trabalho criativo e ativo. Eles se dividiram em mesas para falar o que gostam e o que não gostam nos espaços das escolas em que trabalham. Em seguida, trocaram respostas para que outro professor pudesse dar uma solução ao problema apresentado. Ao final, cada grupo escolheu um caso e apresentou para todos os participantes da oficina.
“Agregou à visão que eu tenho da estrutura escolar. Comecei a enxergar potencialidades em espaços que nunca pensei antes. Agora, posso buscar novas formas de interagir com a comunidade, com o formato das minhas aulas e os planos de ensino também”, comentou o professor Clóvis Messias Mendes, da EMEF Adeval Cavalcanti Baptista em Umbaúba-SE.
A visão da especialista
Inspirada pelo evento e a participação ativa dos professores, a arquiteta, urbanista e pesquisadora Beatriz Goulart se mostrou muito esperançosa com a educação brasileira. Ela respondeu a algumas perguntas sobre a escola do futuro e o conceito de inovação, defendeu a valorização de espaços muitas vezes vistos como precários e chamou a atenção para a necessidade de construir o ensino junto dos alunos. Confira a seguir!
Como você avalia este evento do programa Aula Digital com professores?
Beatriz Goulart: Senti uma esperança imensa. O Brasil que estamos vendo na mídia não é real. No país como um todo está acontecendo uma educação democrática, militante, sem partido. Mais política. É impressionante a paixão pelo ofício.
São de cidades muito pequenas, fazendo a diferença, mostrando diversidade. Mesmo sem uma gestão democrática, vivendo a falta de tempo, em um espaço muitas vezes não ideal para a prática, eles têm o pensamento de fazer do jeito que dá. Isso é muito forte. Essas pessoas precisam ter mais voz. Toda escola brasileira é uma escola transformadora.
Como os professores brasileiros podem se inspirar a tentar coisas novas?
Beatriz Goulart: O corpo tem uma história de racionalidade, ordem e progresso, de cada coisa no seu lugar. De que não é bem o momento, de vigiar e punir. E como você muda esse registro de um corpo tão viciado? É normal ficar perdido. O que muda é a prática. Insistir nessas outras formas. A educação integral, por exemplo, é dar lugar para mais espaços, mais tempos, mais oportunidades e mais sujeitos educativos. Ampliar tudo isso juntos.
Não acho que seja uma arquitetura nova, necessariamente. Mas o objetivo é que a escola vá visitar, conviver com outras escolas, instituições, com a casa das pessoas do bairro. A escola ser mais nômade em vez de dar um endereço novo ou bonito. O ideal é sair do lugar para ocupar outro novo. Olhar a mesma coisa de outro jeito ajuda a tirar um pouco da rigidez.
Como você analisa os projetos educacionais tão inovadores vindos de cidades tão pequenas e fora do polo tradicional?
Beatriz Goulart: Eles têm muito mais riquezas. Uma aula debaixo de um pé de manga, ou com um boi mugindo perto da sua sala, é inspiradora. Não defendo a precariedade. Mas existe uma natureza no Brasil que nós desconsideramos.
O Brasil é um país rural, formado por cidades pequenas na sua maioria. E a gente considera isso precariedade? Tem que urbanizar tudo? Devemos priorizar o wi-fi, por exemplo. A possibilidade de você ir para o Japão e a China com alguns cliques se tornou um direito. Mas é possível descobrir potencias no campo. É possível ficar lá. E essa educação sempre foi menosprezada, precisamos valorizar o professor rural.
Que caminhos fazer para estabelecer diálogos com os territórios?
Beatriz Goulart: Sinto os professores e gestores mais abertos para isso. Esse projeto precisa nascer de um conselho. Não só de uma política municipal ou uma ONG que vá fazer o trabalho. É uma discussão para levar ao conselho escolar: que espaços da cidade precisam de nós? Onde a escola precisa iluminar e quem da comunidade precisa vir iluminar a escola?
Esse intercâmbio é uma conversa entre conselhos. Eles podem medir também algumas questões, como perigos e potenciais, levando em consideração o contexto de cada uma das cidades. Fazer um desenho de como é cada cidade educadora.
Como você definiria o conceito de inovação?
Beatriz Goulart: Penso sempre um passo anterior, que é a consciência. Senão vira apenas uma espécie de produto que eu compro. (A inovação) só pode ser efetiva quando eu sei o que faço. É preciso olhar para dentro de si e medir a capacidade que tenho e o que tenho ao meu dispor.
Inovação é o que vem melhorar a minha análise crítica sobre como funciono. O mundo maker que veio com tantas parafernálias de uma só vez acaba virando um laboratório, porque, antes de usar essas tecnologias, é preciso alimentar o fazer com as próprias mãos. É preciso olhar para dentro: o maker com a sua comida, com o seu plantio, a sua marcenaria. Investir na artesania. Nesse momento de sustentabilidade, podemos olhar para os artefatos que já temos e investigar as potencialidades que oferecem.
O que é uma escola do futuro?
Beatriz Goulart: Depende muito do contexto de onde você está. Chove muito? O terreno é íngreme? O que se come nesse lugar? A que horas as pessoas acordam? Quem são as pessoas que moram na cidade? Qual o tamanho da cidade? Esse desenho vem do diálogo com o território e, a partir disso, desvendar qual a função social de uma escola neste lugar. É construir investindo nas potencialidades como, por exemplo, se a cidade fabrica algum tipo de piso, telha, madeira. É pensar em tudo isso.
Como os professores podem ganhar tempo para pensarem no planejamento escolar?
Beatriz Goulart: Há um apego grande ao conteúdo. Então, muitos deles não enxergam que o conteúdo está em fazer um planejamento com a participação de alunos, por exemplo. Existe uma forma de desapego e revisão do que realmente importa ser trabalhado em sala de aula. É perder aula levar o planejamento para ser discutido no horário de aula? Defendo muito a ideia de mudar a estrutura das coisas. Isso faz uma diferença muito grande.