Muito além de abrigar livros, o espaço, que fica em um cemitério, tornou-se um ponto de referência cultural na região de Parelheiros, extremo sul de São Paulo
Muito além de abrigar livros, o espaço, que fica em um cemitério, tornou-se um ponto de referência cultural na região de Parelheiros, extremo sul de São Paulo
O distrito de Parelheiros, no extremo sul da cidade de São Paulo é uma área de patrimônio ambiental, conhecida pelas represas que abastecem boa parte da cidade e por abrigar comunidades indígenas. Por outro lado, concentra altos índices de violência em uma área considerada de extrema vulnerabilidade social.
É nessa região de contrastes que se encontra a Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura, localizada dentro do cemitério da região, na antiga casa do coveiro. A sede inusitada poderia ser motivo de apreensão do público, mas tornou-se um dos grandes atrativos turísticos do local e virou até tema dos saraus realizados no espaço, com direito a encenações e passeios locais.
“Queríamos mudar a visão que as pessoas têm sobre os cemitérios e aproveitamos o cenário para trabalhar a relação da morte com a vida em diferentes culturas”, conta Sidineia Chagas, 26 anos, uma das gestoras do espaço.
Sidineia é a mais velha do grupo responsável pela biblioteca, formado ainda por Silvani Chagas (22 anos), Bruno Souza de Araújo (22), Ketlin Santos (21) e Suellen de Bessa (17). Juntos, eles cuidam de diversos projetos realizados dentro e fora do espaço e fazem o papel de articuladores com a comunidade.
Grupo de mães e gestantes se reúne na biblioteca para mediação de leituras sobre o tema
O grupo ainda integra o coletivo Escritureiros, iniciativa formada por jovens escritores de Parelheiros que usam a literatura para transformar o entorno que vivem. “Somos educadores sociais, e a partir dos livros dialogamos com temas presentes na sociedade como questões raciais, de gênero e direitos humanos”, explica Sidineia, que atua no projeto desde os 17 anos.
Da UBS ao Cemitério
Em 2008, o Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC), que há 36 anos atua na área de direitos humanos e educação, realizou um projeto com foco social em Parelheiros. Após se reunirem com os jovens da comunidade e ouvir quais eram as demandas consideradas mais urgentes para a região, surgiu a ideia de criar uma biblioteca comunitária com o apoio de instituições parceiras.
A biblioteca começou em um consultório desativado, dentro de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), em 2008. Um ano depois, o consultório voltou a funcionar e a biblioteca acabou migrando para o cemitério, o único espaço disponível na época.
A proposta inicial de aumentar o número de leitores da região aos poucos foi ganhando novos contornos e começou a atrair principalmente os jovens para a nova sede.
Dentre as atividades voltadas à comunidade, o grupo realiza mediação de leitura para as crianças dentro das escolas, cortejos literários, exibição de filmes, oficinas, cursos e rodas de conversa sobre temas como direitos humanos e violência contra mulher.
“No começo, sofríamos preconceito e não éramos levados a sério por conta da nossa idade, mas aos poucos fomos ganhando a confiança das pessoas, novas parcerias começaram a surgir e passamos a frequentar reuniões na Prefeitura Regional para defender melhorias em nosso espaço”, relata Silvani Chagas, irmã de Sidineia.
Aprendizado e novos horizontes
O que começou como um trabalho voluntário há nove anos tornou-se uma perspectiva de futuro para os cinco jovens, que hoje recebem uma bolsa auxílio do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário, IBEAC, para tocarem o projeto e já estão na faculdade.
“A formação acadêmica fortalece o trabalho que estamos realizando aqui, que é nossa segunda casa e onde descobrimos nossos sonhos, desejos e os caminhos profissionais que queremos seguir”, diz Sidineia, estudante de administração.
Já a irmã Silvani está cursando pedagogia e atribui sua formação à descoberta da literatura. “O contato com os livros trouxe referências e autoconhecimento que fortaleceram minha identidade. Hoje, eu me encontrei como militante da juventude e como mulher negra e sei que posso ajudar outras pessoas da comunidade com o meu trabalho”, conclui a jovem.