Ao lado da colega Patrícia Médici, a pesquisadora Gabriela Rezende ganhou um dos prêmios mais importantes do mundo sobre conservação ambiental. Confira a entrevista!
Uma estuda o maior mamífero terrestre da América do Sul, conhecido como jardineiro da floresta. A outra estuda a espécie decretada em 2014 como símbolo da conservação no Estado de São Paulo. No fim de abril, as cientistas brasileiras Patrícia Médici e Gabriela Rezende foram reconhecidas pelo prêmio de conservação Whitley Award por suas pesquisas com a anta e o mico-leão-preto, respectivamente. O reconhecimento global ajuda a valorizar a Ciência e a compreender a urgência de defender a biodiversidade.
Ambas atuam pelo Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). Patrícia Médici já havia sido reconhecida em anos anteriores, o que possibilitou expandir seu projeto de conservação ao Pantanal (MS) e contribuiu para criar o maior banco de dados sobre a anta no mundo.
“É um animal que está há 50 milhões de anos na Terra. As antas sobreviveram por fases evolutivas. É o ser humano que entrou na equação da resiliência deste animal. E não só as antas estão passando por isso agora”, declarou ao National Geographic ao ser agraciada com o Whitley Gold Award.
Considerado extinto na década de 1970, o mico-leão-preto conta com cerca de 1.800 indivíduos espalhados pelo interior de São Paulo e continua entre as espécies mais ameaçadas do mundo. Por isso o trabalho de conservação, que já dura 35 anos, é tão relevante. À frente da iniciativa desde 2011, Gabriela Rezende atua tanto pela recuperação e conexão de trechos fragmentados da Mata Atlântica, habitat deles, quanto em um trabalho de conscientização da população e da sociedade como um todo.
“Quando as pessoas se reconectam à natureza e percebem a importância dela, passam a compreender que somos parte e temos a responsabilidade de cuidar dela, assim como cuidamos da nossa família e do local onde vivemos”, conta a bióloga, que gostaria de ver a Ciência mais valorizada tanto pelo mercado de trabalho quanto como uma carreira a ser seguida.
“O cientista é curioso, tem um olhar sistemático e buscar novas soluções para os problemas. Como não pensar que essas características podem ser úteis para qualquer coisa que for fazer na vida?”, questiona Gabriela.
No Dia de Proteção às Florestas, conversamos com Gabriela Rezende sobre sua trajetória, em assuntos como maternidade, as dificuldades de atuar na pesquisa científica no Brasil e as lições que a Ciência lhe aplicou para a vida. Leia abaixo!
Poderia contar um pouco sobre o prêmio Whitley Award. Qual a importância de receber esse reconhecimento neste contexto atual em que o campo da Ciência está em evidência no mundo?
Gabriela Rezende: O Whitley Award chega em um momento muito bom, tanto pessoalmente, quanto em relação à visibilidade que trouxe para algumas questões ambientais. Pudemos ver a repercussão como sendo “uma boa notícia em tempos de pandemia”. Promover essa reconexão homem-natureza é um dos objetivos do projeto que será executado com os recursos do prêmio.
“Tenho uma filha que completou dois anos. Quem é mãe sabe o impacto que um filho traz à vida profissional. Receber o Whitley Award nesse momento da minha vida veio como um reconhecimento do trabalho que venho fazendo há quase 10 anos, mas também como um fortalecimento enquanto mulher, mãe, cientista e profissional. Com a visibilidade, senti em mãos uma grande oportunidade de inspirar outras pessoas a seguirem por esse caminho”.
Como essa premiação contribui para o projeto de conservação do mico-leão-preto?
Gabriela Rezende: O mico-leão-preto é uma espécie bandeira para a conservação da Mata Atlântica de São Paulo. Auxilia-nos a sensibilizar as pessoas sobre a importância da floresta, principalmente por ser um animal que compartilha tantas características e comportamentos com a gente. Um exemplo é o cuidado parental e a vida em família.
“Quando as pessoas se reconectam à natureza e percebem a importância dela, passam a compreender que somos parte e temos a responsabilidade de cuidar dela, assim como cuidamos da nossa família e do local onde vivemos. Com os recursos do prêmio também cuidaremos dos micos nesse sentido, trazendo de volta parte do ambiente que foi destruído e garantindo que possam viver nessas áreas de floresta”.
Você sempre quis seguir Biologia? Por que escolheu o mico-leão-preto para estudar?
Com oito anos me lembro de dizer que queria ser bióloga. Na época de decidir pelo vestibular, algumas outras ideias surgiram e acabei prestando para Ciências Biológicas e Relações Internacionais. Mas durante a faculdade pensava ‘ainda bem que não passei para R.I., pois me sentia muito realizada.
Desde o começo quis seguir na área de Conservação da Natureza. Fiz estágios e quando me formei fui trabalhar com conservação marinha. Nessa época, tinha uma lista de animais com os quais gostaria de trabalhar: baleias, primatas e araras. Enquanto morava na Bahia e trabalhava no Projeto Tamar, decidi que queria voltar para São Paulo.
Durante o mestrado, tive a oportunidade de conhecer e me envolver com o Programa de Conservação do Mico-leão-preto. Fiz meu projeto com essa espécie e, ao final, senti que ainda poderia contribuir de alguma forma com sua conservação. Quando o Instituto IPÊ me convidou para assumir a coordenação da iniciativa foi uma grande realização por poder atuar na conservação da Mata Atlântica com uma espécie de primata carismática e que é única no meu Estado natal!
Como é ser uma cientista no Brasil e quais lições a Ciência lhe ensinou para a vida?
Gabriela Rezende: A carreira de cientista no Brasil apresenta muitos desafios, principalmente por haver pouco reconhecimento por parte do mercado de trabalho. Mas o que mais faz falta, na verdade, é a compreensão de que é possível trabalhar com Ciência em diversos setores, e que nos formar cientistas significa adquirir habilidades que podemos aplicar em qualquer trabalho ou até em atividades do dia a dia.
“O cientista é curioso, tem um olhar sistemático, gosta de aprender coisas novas e com isso buscar novas soluções para os problemas que são apresentados. Como não pensar que essas características podem ser úteis para qualquer coisa que for fazer na vida?”
O mercado deveria ter mais reconhecimento disso e criar melhores oportunidades para quem investe numa carreira de cientista. Precisamos entender que não é preciso estar na academia para trabalhar com Ciência, abrir horizontes. Eu trabalho no terceiro setor e a Ciência entra no meu trabalho no sentido de melhorar a qualidade das atividades que desenvolvo, visando alcançar melhores resultados, que justamente refletem na conservação das espécies e na melhoria da qualidade de vida das pessoas.