A edição de 2022 da Campus Party refletiu sobre como a tecnologia pode contribuir para um futuro mais harmonioso, inclusivo e integrador.
A edição de 2022 da Campus Party, maior evento de cultura digital do Brasil, aconteceu entre os dias 11 e 15 de novembro, no Centro de Exposições do Anhembi, em São Paulo (SP). A feira reuniu estudantes, professores, empresários, empreendedores, desenvolvedores e geeks para compartilhar conhecimento, fomentar tendências e reescrever o código fonte do mundo.
Ao longo dos cinco dias, o evento recebeu um público de mais de 200 mil visitantes, sendo 12 mil campuseiros – nome dado aos participantes que vêm de todo o Brasil e, inclusive, armam barracas para dormir no local do evento. Eles tiveram acesso a diversas palestras e atividades sobre os impactos da tecnologia na educação, arte, cultura e nos desenvolvimentos econômico e social.
A Campus Party é a maior experiência tecnológica do mundo em Internet das Coisas, Blockchain, Cultura Maker, Educação e Empreendedorismo. Atualmente, o evento conta com mais de 550 mil campuseiros cadastrados em todo mundo, já tendo realizado edições em países como Espanha, Holanda, México, Alemanha, Reino Unido, Argentina, Panamá, El Salvador, Costa Rica, Colômbia e Equador. O evento está presente no Brasil há dez anos.
Campus Party 2022 e o futuro do mercado de trabalho
A edição de 2022 marcou a retomada da versão presencial da Campus Party, tendo como destaque a reflexão sobre como a tecnologia pode contribuir para um futuro mais harmonioso, inclusivo e integrador. Neste sentido, o evento apresentou tendências como a utilização de tecnologia nas periferias das grandes cidades, as possibilidades do metaverso e a inserção de mulheres na economia criativa.
Para o diretor geral da Campus Party 2022, Ricardo Queiroz, debater o viés tecnológico presente em diversas áreas do conhecimento é o DNA da Campus Party. “Quando falamos de tecnologia, não olhamos apenas para o desenvolvimento tecnológico de fácil acesso – como o celular -, mas também para temas mais complexos e de grande interesse público, como o hackeamento genético”, aponta.
O Laboratório CRISPR (Conjunto de Repetições Palindrômicas Curtas Regularmente Espaçadas), por exemplo, possibilitou aos visitantes uma imersão das células, entendendo melhor células tronco, tumorais e neurológicas, além de acompanhar o processo de amplificação de DNA e miniórgãos. O espaço também realizou a impressão de carne de proteína vegetal, criada em uma impressora 3D. “Queremos olhar para essa infinidade de pautas relacionadas à tecnologia que são relevantes, já que o mercado de trabalho do futuro é muito amplo”, explica o diretor.
Ricardo reflete sobre o perfil dos campuseiros. “Predominantemente, nosso público tem entre 18 e 34 anos, é universitário e está buscando um amadurecimento de carreira, querendo entender como a tecnologia pode ser aplicada em seu segmento de atuação”, define. Mas vai muito além desse recorte. “A Campus Party é uma grande experiência que proporciona diversos tipos de benefícios, seja conectando o público com empresas e investidores, seja adquirindo novos conhecimentos.”
O diretor também aponta a necessidade de uma reflexão cada vez mais apurada sobre o papel da tecnologia na sociedade. “Ela sempre será um meio, e acho que precisamos estar cada vez mais preparados porque o próximo analfabetismo vai ser justamente o digital. Não digo que necessariamente as pessoas devam aprender a desenvolver, pois hoje já existem diversas plataformas que criam soluções incríveis sem nenhuma linha de código, mas precisamos entender como a tecnologia potencializa todos os conhecimentos, e acho que essa é uma das grandes missões da Campus Party.”
A edição de 2023 da Campus Party já tem data marcada: 25 a 30 de julho de 2023. E seguirá explorando temas como robótica, machine learning, energias limpas, metaverso e inteligência artificial.
Tecnologia e as periferias brasileiras
O evento proporcionou diversas discussões e debates. Na palestra Reprogramando a quebrada, o empreendedor social Tauan Souza Matos apresentou o trabalho da +1Code. Fundada por ele em 2019, a EdTech é uma escola gratuita de programação voltada para a inserção de jovens das periferias brasileiras no mercado da tecnologia. Já são mais de cinco mil jovens impactados diretamente pelo projeto em todo o Brasil – desses, 70% são mulheres.
“De 2020 para cá, temos 13 milhões de pessoas desempregadas, sendo que 71% delas são moradoras das periferias. Quando olhamos para a área de tecnologia, existe uma demanda anual no Brasil de 73 mil vagas de emprego, mas apenas 46 mil são preenchidas. Há falta de talentos qualificados numa ponta e falta de diversidade entre quem já atua na área”, explica Matos. “Com esse conceito de reprogramar a quebrada, nós entendemos que criar uma comunidade de desenvolvedores dentro das periferias brasileiras é uma oportunidade de fazer com que as pessoas mudem de vida. Uma pessoa que ganharia R$ 1.500 com um emprego mais tradicional, consegue ganhar o dobro como desenvolvedora”, aponta.
Durante sua participação no evento, o empreendedor apresentou alguns cases de sucesso da +1Code, como a recém-lançada coleção de tokens não fungíveis (NFT) com características dos diferentes jovens das periferias brasileiras. A cada NFT vendida, uma bolsa de estudos em desenvolvimento é custeada para um jovem de periferia. Matos também chamou atenção para outras iniciativas voltadas para o mesmo público e que estão transformando a vida nas comunidades brasileiras, como o Perifacode e o TecnoGueto.
Metaverso: onde o físico e o interativo se encontram
Quem também está agregando tecnologia às potencialidades das comunidades periféricas brasileiras é a multinacional Accenture, que se uniu à ONG Gerando Falcões, liderada por Eduardo Lyra, para desenvolver o game Favela X, que cria um ambiente imersivo para que os jogadores entendam os problemas que mais atingem os moradores.
A iniciativa foi apresentada pelo publicitário Eco Moliterno, na palestra Metaverso social: como transformar uma realidade alternativa em uma alternativa à realidade social. “Antes do nascimento da internet, só existia o mundo físico. Passamos a ter o mundo virtual e hoje vemos a junção dessas duas coisas. O metaverso é onde o físico e o interativo se encontram para criar o imersivo. Ele vai gamificar o planeta e mudar a nossa relação com todas as coisas”, anuncia.
Durante a Campus Party 2022, foram organizados cinco hackathons, com a intenção de usar a tecnologia para ajudar na transformação digital de setores como educação, turismo e inclusão.
Moliterno, que é o líder criativo da Accenture para América Latina, explica que o metaverso surge de uma evolução entre a interação de pessoas e telas que pode ser mensurada por ciclos de 50 anos. “Lá na origem do cinema, a tela era enorme e estava a dez metros de distância das pessoas. Nos anos 50, a televisão foi para a casa das pessoas. Os computadores chegaram nos anos 2000, trazendo um conteúdo sob demanda. Hoje, com os smartphones, as telas diminuíram de tamanho e estão o tempo todo em nossas mãos ou a menos de 10 cm de distância do nosso rosto. Em 2050, a gente vai estar totalmente no mundo imersivo”, aposta. “É uma evolução clara, linear e quase lógica da relação entre pessoas e telas. Quanto mais próxima a tela fica, mais protagonismo a gente tem.”
Campus Party 2022: Novas economias, outros futuros possíveis
Da mesma forma com que a evolução das tecnologias transforma a dinâmica de participação e protagonismo, ela permite também o surgimento de novas economias, com destaque para modelos mais inclusivos e sustentáveis.
A advogada, antropóloga e pesquisadora de gênero Sophia Prado é fundadora da plataforma Freelas Conecta, que promove a inserção de mulheres na economia criativa. Em sua palestra sobre Tecnologias e comunidades como estratégias de transformação social, ela propõe outros significados para a palavra recurso, buscando ajudar na criação de futuros mais inclusivos e sustentáveis.
“Enquanto a economia tradicional é pautada pela maximização dos lucros, da produtividade, em recursos como sinônimo de dinheiro e com foco em competitividade, as novas economias lançam luz sobre o capital humano, que pode ser potencializado para gerar riquezas”, explica.
Como exemplo, ela cita quatro tipos de economia que ajudam a construir essas novas possibilidades de futuro. “A economia criativa está relacionada à dimensão cultural, são as nossas ideias e as nossas habilidades. Ela é infinita. A economia compartilhada tem um aspecto ambiental e está relacionada aos espaços, equipamentos e materiais de infraestrutura que usamos. E ela desperta em nós o questionamento sobre se precisamos ter tudo o que temos ou se podemos apenas usufruir dos espaços e compartilhá-los”.
A empreendedora cita ainda a economia colaborativa, ligada aos relacionamentos, contatos, redes de pessoas e reputação, e a economia multivalor, relacionada às diferentes moedas da nossa sociedade, como criptomoedas, dólares, milhas, crédito e, a mais importante delas, o tempo. “O tempo é o nosso maior recurso. Quando a gente compreende o valor do nosso tempo, conseguimos administrá-lo melhor. E quando a gente entende essas novas formas de economia e os recursos que temos, a gente consegue se unir a pessoas com interesses convergentes para co-criar futuros desejáveis, futuros de abundância, não de escassez”, diz Sophia, enfatizando o papel da tecnologia como meio para criar propósito e conectar as pessoas.