Aprimorar o pensamento crítico e a criatividade, além da construção de projetos de vida estão entre os ganhos que a Ciência pode trazer para a vida de estudantes no Ensino Médio
A Ciência está no centro do debate atual devido ao contexto em que vivemos pela pandemia provocada pelo coronavírus. E tornar esse campo do conhecimento acessível passa pela valorização e promoção da área, pelo estímulo de jovens em ingressar em carreiras relacionadas à pesquisa científica e pela mudança de ideias pré-concebidas.
Pensamento científico, crítico e criativo, uma das dez competências listadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e a construção de projeto de vida — que permeia toda a estruturação do novo Ensino Médio, são alguns exemplos dos atributos que a Ciência ajuda a desenvolver.
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Segundo Márcia Barbosa, doutora e pesquisadora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) reconhecida internacionalmente, toda criança exercita a curiosidade e já nasce cientista com a capacidade de melhorar o mundo.
“Temos que fazer nossos jovens lembrarem porque perguntavam sobre as coisas. É o que o cientista faz: ele pergunta e coleta evidências. Você imagina uma solução e não importa se a resposta é ou não verdadeira, pois as evidências sobrevivem a isso. E aí você entende o mundo ao seu redor”, afirma a especialista, que foi mencionada pela ONU Mulheres com uma das sete cientistas que moldam o mundo e eleita pela revista Forbes como uma das 20 mulheres mais influentes no Brasil.
Para profissionais e estudiosos da área, um dos desafios é vencer a distância entre a Ciência e a sociedade. Quando se pensa em cultura: música, filme, ou teatro, por exemplo, sabemos citar de memória o nome de centenas de referências atuais. Mas, quando se trata de cientistas, os nomes citados geralmente são de pessoas que viveram séculos atrás.
“Antes de começar a fazer pesquisa eu achava que para ser cientista era preciso estar morto, porque os mais famosos já tinham morrido”, relata, entre risadas, Juliana Estradioto. “Por isso há esse distanciamento e desvalorização da Ciência no nosso dia a dia, mas tudo o que a gente faz ou usa tem um pouco de Ciência”, acredita.
Aos 19 anos, Juliana já coleciona reconhecimentos importantes, como o Prêmio Jovem Cientista de 2018 e um primeiro lugar no Intel ISEF 2019, a maior feira de Ciências para estudantes pré-universitários no mundo. E foi no Ensino Médio, quando ingressou no Instituto Federal do Rio Grande do Sul no município de Osório, que tudo começou.
Mesmo matriculada no curso técnico em Administração, ela se envolveu em um projeto para auxiliar agricultores familiares da região e conheceu sua orientadora, Flávia Twardowski. A partir daí foi se apaixonando pela pesquisa. “Ela sentava comigo e dava muito suporte em Química, Bioquímica, e demais matérias biológicas. A Administração trouxe conhecimento sobre empreendedorismo, gestão ambiental e sustentabilidade”, explica.
Da casca do maracujá à cerimônia do Nobel
O primeiro projeto de pesquisa de Juliana surgiu a partir da provocação para resolver um problema: diminuir a quantidade de rejeitos de agricultores familiares. A ideia inicial era incorporar a casca do maracujá na produção de geleias. Em meio aos estudos, e ao longo dos anos em que cursou o Ensino Médio, os projetos iam se modificando.
A casca do maracujá acabou sendo usada para a produção de um plástico biodegradável. Posteriormente, passou a estudar as sementes do fruto para remover o corante de efluentes têxteis e deixar a água transparente. A partir disso, um professor do Instituto Federal do Espírito Santo entrou em contato com ela e com sua orientadora para que usassem a casca da macadâmia para o mesmo fim. “A casca da macadâmia é como se fosse o alimento para esses microorganismos e eles produzem esse material biológico que é incrível. Pode ser usado como alternativa para plásticos até na área de medicina e saúde para fazer pele artificial”, detalha.
Movida pela curiosidade e a vontade de sair da zona de conforto e testar conhecimentos, acabou mudando o rumo da pesquisa. Vegetariana, ela tinha a vontade de desenvolver uma alternativa ao couro de origem animal e que não envolvesse derivados do petróleo. Com a ajuda da internet, encontrou uma jaqueta produzida por microorganismos.
“Antes de começar a fazer pesquisa, eu não me considerava curiosa ou criativa. Mas aí você começa a prestar muito mais atenção nas coisas, questiona muito mais. Cheguei na minha professora e falei: é isso que eu quero fazer!”, conta.
Juliana Estradioto acredita que o envolvimento com a Ciência e a trajetória em uma instituição pública foram fundamentais, pois lhe trouxeram uma questão de propósito e a motivação para ajudar as pessoas. Além disso, lhe proporcionou a participação e o destaque em importantes feiras nacionais, como a Mostratec e Febrace.
A partir de premiações nacionais, ela chegou, com o projeto da macadâmia, ao primeiro lugar no Intel ISEF 2019, na categoria Ciência dos Materiais. Acumulou assim um prêmio ligado ao prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), de nomear um asteroide com seu sobrenome, além da participação no seminário juvenil de Ciência, em Estocolmo, e um convite para acompanhar a cerimônia do Prêmio Nobel,
“Um dos melhores dias da minha vida foi na Suécia! A gente apresentou nossos projetos, o que envolveu fazer tipo um Ted Talks, em inglês. Depois, fomos à recepção do Nobel e tive a oportunidade de conversar com todos aqueles cientistas! A gente estava falando com o nobel de física, o Didier Queloz. Ele perguntou por que estávamos ali, ficou muito impressionado e falou que a gente era o futuro da Ciência. Aquilo me marcou demais!”, relata a jovem.
Abrindo caminhos e incentivando as mulheres
Juliana se prepara para continuar seus estudos em uma universidade nos Estados Unidos, mas sem esquecer o sonho de proporcionar oportunidades similares às que teve no Ensino Médio a outros jovens da rede de ensino público.
Atualmente, trabalha como diretora da Associação Brasileira de Incentivo à Ciência (Abric) com voluntários espalhados pelo Brasil que vão a escolas falar sobre pesquisa e método científico. Também cofundou a Feira Brasileira de Jovens Cientistas, desenhada para ser totalmente virtual, em junho. As inscrições vão até 22 de maio e além de workshops e palestras, haverá um evento sobre inovação, como um hackathon.
Além disso, fundou o Meninas Cientistas para divulgar histórias inspiradoras e incentivar outras mulheres. “Recebia muitas mensagens de pessoas que não sabiam que era possível fazer pesquisa no Ensino Médio e eu conhecia tantas histórias, que ninguém contava, sobre meninas incríveis com projetos maravilhosos”, resume.
Para Márcia Barbosa, que também é diretora da Academia Brasileira de Ciências e integrante da Academia Mundial de Ciências, é necessário incentivar mulheres e tornar o ambiente da pesquisa científica mais diverso.
Vinda da escola pública, terminou a graduação, o mestrado e o doutorado na UFRGS e passou dois anos atuando fora do país, período que considerou muito importante para alimentar reflexões que não via no Brasil.
Acostumada a ser precursora, já que se destaca em uma área onde apenas 4% dos profissionais em topo de carreira são mulheres, foi a primeira a presidir o diretório acadêmico da Física durante sua graduação. No período no exterior, presidiu um grupo de união internacional de físicos. Além de organizar conferências, isso também a ajudou a se fortalecer, pois conheceu outras mulheres da Física em todo o mundo.
Considera que o prêmio da L’oréal Unesco, que conquistou em 2013 por suas descobertas sobre o comportamento inesperado da água, lhe abriu a oportunidade de falar para as mulheres que elas poderiam ser cientistas. “Pude ir em programas de rádio, TV, jornal falar dos estudos e também dizer: olha, vocês podem chegar lá! Sou filha da escola pública, classe média baixa. Pude dizer a elas como a Ciência é divertida!”, relembra.
A pesquisadora ainda ressalta a importância da Ciência para diversas áreas do conhecimento e a transformação da vida das pessoas.
“Nós estamos usando um celular para nos comunicar. Sem Ciência, ele sequer existiria. Compreender as coisas faz com que a gente consiga produzir soluções ou somente compreender por compreender, porque é um prazer enorme ser a primeira pessoa que entender uma coisa no mundo. Esse sentimento não tem igual!”, finaliza.