De dez estudantes brasileiros de 19 anos, quatro não concluíram o Ensino Médio em 2018, o que atesta os desafios da última etapa do Ensino Básico
Em um grupo de dez brasileiros de 19 anos, quatro não concluíram o Ensino Médio em 2018. Entre eles, 62% não frequentam mais a escola e 55% pararam de estudar ainda no fundamental. Os números alarmantes foram colhidos com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) e divulgados pelo Todos pela Educação e mostram a realidade da evasão escolar no País.
Thaiane Pereira, coordenadora de projetos do Todos pela Educação, enfatiza que o desempenho dos estudantes começa a cair no Fundamental e vai se alastrando para a etapa seguinte. “É o reflexo de um cenário que traz altos índices de reprovação, de abandono e está intimamente ligado ao nível crítico de aprendizado”.
Abandono ou evasão?
Quando o aluno deixa de frequentar as aulas durante o ano letivo, tem-se uma situação de abandono escolar. Já evasão ocorre quando o aluno que abandonou ou reprovou determinado ano letivo não se matricula no ano seguinte para dar continuar os estudos.
Quase um quarto dos jovens de 16 anos ainda não concluiu o Ensino Fundamental, o que agrava o cenário da distorção idade-série, medida pelo percentual de alunos que estão dois ou mais anos atrasados em relação à série que deveriam estar cursando. Há quase três milhões de alunos dos anos finais do Ensino Fundamental da rede pública e mais de dois milhões no Ensino Médio nessa situação, aponta o Censo Escolar 2017.
A distorção idade-série, decorrente principalmente das elevadas taxas de repetência no Brasil, é a principal característica de alunos com alto risco de abandono e evasão escolar. Os dados da Pnad também mostram que, uma vez ingressado na escola, a quase totalidade dos alunos permanecem estudando até os 14 anos. A partir dos 15, a proporção de evadidos aumenta significativamente até chegar perto dos 20% aos 17 anos (excluindo-se os estudantes que concluem o Ensino Médio).
Por que eles vão embora?
Há muitos fatores que levam o aluno a deixar de estudar: necessidade de trabalhar, falta de interesse pela escola, dificuldades de aprendizado ou de acesso à escola e ao transporte escolar, falta de incentivo de familiares, gravidez precoce, mudança de endereço, situações de violência doméstica ou conflitos armados no território.
Vale destacar também uma importante questão cultural, herança do nosso passado colonial escravista. Quem explica é Wander Augusto Silva, doutor em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que pesquisa evasão no Ensino Médio do Brasil e do mundo. “Na América Latina, de maneira geral, existe uma visão histórica de que a elite deve prosseguir nos estudos enquanto os mais pobres devem se dedicar somente ao trabalho”.
Há grupos em maior risco, por isso, entender o perfil do jovem que evade e identificar os momentos em que esse movimento é mais provável são ações fundamentais. “A evasão não é um ato repentino, mas fruto de um processo lento de desengajamento do estudante da escola. Os sinais da evasão escolar costumam ocorrer muito antes: faltas, repetências, não realização das tarefas, etc…”, observa Reynaldo Fernandes, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), responsável por uma análise de estudos sobre alguns desses fatores.
A seguir, especialistas ouvidos pela Fundação Telefônica Vivo apontam 5 caminhos para combater a evasão escolar. Confira!
1 – Aproximação entre família e escola
Aumentar a participação das famílias e conscientizar a comunidade sobre seu papel no combate à evasão escolar são ações que podem partir da escola, com algumas estratégias possíveis, como visitas às casas dos alunos, adoção de tutores que dialogam com a comunidade, cartazes informativos.
O próprio uso das redes sociais pode ser eficiente, como atestou a experiência da escola do Rio de Janeiro André Urani / GENTE, que integra o programa Inova Escola. Localizada na Rocinha, a escola recorreu ao Facebook para não perder o vínculo com os alunos durante o período de Intervenção Militar. “A rede social passou a ser nossa principal forma de comunicação e depositório de atividades. A facilidade de acesso à escola fez com que os pais começassem a participar mais ativamente. Tanto que tenho orgulho de dizer que terminamos 2017 sem evasão escolar”, relatou a diretora Marcela Oliveira, durante evento em São Paulo.
2 – Apostar no vínculo entre os próprios alunos
“Prezado colega Francisco Ronildo da Silva, já faz um tempinho que não nos vemos. Então, resolvemos te convidar para retornar à nossa escola, que está cada dia mais cheia de surpresas. Aqui podemos nos expressar, perguntar, expor nossas opiniões, ouvir a opinião do outro, tirar nossas conclusões. Não perca mais tempo. Retorne agora mesmo em busca da realização dos seus sonhos. Forte abraço daqueles que não lhe esquecem.”
A carta acima foi escrita por colegas de turma e entregue a Francisco depois que o jovem havia desistido de ir à escola por se achar incapaz de acompanhar as aulas. O caso aconteceu em Campos Sales, no Ceará, e é relatado no documentário Nunca me Sonharam (Maria Farinha Filmes). É um exemplo de como a valorização do adolescente pelos próprios colegas e o sistema de busca ativa gestado na comunidade escolar pode ser eficiente.
3 – Currículos menos engessados e mais integrados
“A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) aponta para um caminho mais positivo, já que é uma tentativa de deixar o ensino mais interessante, dar protagonismo e escuta ao jovem, trazer projeto de vida e maior flexibilidade”, afirma a coordenadora Thaiane Pereira, do Todos pela Educação, reforçando que o sucesso disso depende da boa implementação dessas diretrizes, da colaboração entre os estados e do apoio técnico e financeiro do Ministério da Educação.
4 – Responsabilização de diversos atores
A ideia de que o aluno é desinteressado e descomprometido pode até proceder em alguns casos, mas cai no erro de responsabilizar o indivíduo por um problema que é muito mais complexo. O mesmo acontece quando a culpa é atribuída aos professores.
“Enquanto sociedade, temos o dever de cobrar que as políticas públicas de qualidade sejam eficientes no enfrentamento do problema. Precisamos encontrar um modelo de gestão que consiga exigir as responsabilidades de diversos atores do município”, afirma Julia Ventura, gestora do projeto Aluno Presente, que de 2013 a 2016 atuou na identificação, localização e reinserção de crianças e adolescentes que estavam fora da escola ou com risco de evasão no Rio de Janeiro.
A iniciativa, realizada pela Associação Cidade Escola Aprendiz, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e com a Fundação Education Above All, do Qatar, conseguiu reinserir mais de 22 mil crianças em unidades escolares.
Julia Ventura explica que a educação não deve ser vista como um direito apartado de outros. “A população precisa ter também acesso à saúde, transporte, trabalho e outras oportunidades para além da escola. Não podemos esquecer que grande parte dos adolescentes que evadem estão numa situação de extrema pobreza”.
5 – Valorização do professor e bolsas de estudo
Para Wander Augusto, da UFMG, não existe mágica na educação, mas investimento. Isso vai desde a valorização dos profissionais da educação, com aumento de salário e oferecimento de formação mais qualificada, até a instalação de aparelhos culturais e esportivos ao redor da escola, que aumente a atratividade do espaço e o acesso a diferentes formas de conhecimento.
Segundo suas pesquisas, os estados que mais investiram no Ensino Médio de 2007 a 2010 foram os que tiveram menor taxa de evasão escolar e vice-versa. “Durante esse período, Pará foi o estado que menos investiu no Ensino Médio e o que ostentou as maiores taxas de adolescentes fora da escola”.
Outro fator que o especialista destaca como importante no combate à evasão é uma política eficiente de bolsas de estudo, que contemple um valor para também custear transporte e alimentação, diminuindo a necessidade de o estudante largar a escola para buscar trabalho.