Ferramenta para enfrentar o racismo, a lei 10.639/03 possibilita que professores utilizem diversas obras sobre o tema em aula. Veja alguns exemplos.
Desde 2003, a Lei 10.639/03 torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, inserindo em sala de aula a luta e contribuição dos negros ao país para a formação da sociedade e seu impacto nas áreas social, econômica e política. Além disso, a medida incluiu o Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, no calendário escolar.
“A lei é fruto de uma longa batalha que ainda está em curso. Apesar dela, por si mesma, não garantir o respeito à diversidade racial na educação brasileira, a 10.639/03 funciona como uma ferramenta fundamental para enfrentar o racismo, respaldando a atuação de grupos sociais que querem construir uma educação antirracista”, afirma Janete Santos Ribeiro, mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense e professora de História da Educação Básica.
A especialista diz que ainda existem desafios para a aplicação da legislação. “É um exemplo parecido ao da lei Maria da Penha, que coíbe a violência contra a mulher, mas não quer dizer que essa violência não exista”. Os conteúdos que deveriam ser ensinados nas escolas passam “pelo crivo do professor e da escola”, conta. “Se ambos não considerarem esse conteúdo importante, ele não será mostrado em sala de aula. Esse é o grande desafio da lei: ela é obrigatória, mas as escolas de um modo geral não acreditam nela. Existe algo estrutural que deve ser mexido e que a lei ainda não conseguiu, pois não abalou as estruturas do racismo”.
Com a contribuição de Ribeiro, listamos alguns materiais que podem ajudar educadores no ensino da História e Cultura Afro-Brasileira. São livros, filmes e outras produções que dinamizam o ensino relacionado à questão racial brasileira e contribuem para o cumprimento da lei 10.639/03.
A Cor da Cultura
O projeto “A Cor da Cultura” é uma ação educativa de valorização da cultura afro-brasileira que traz produtos audiovisuais, ações culturais e coletivas que visam práticas positivas, valorizando a história negra sob um ponto de vista afirmativo. Entre os kits disponibilizados pelo projeto para educadores, a especialista destaca os cadernos Modos de sentir, Modos de ver, Modos de fazer e Modos de interagir.
Kiriku e a Feiticeira
A animação Kiriku e a Feiticeira se baseia numa lenda da África Ocidental que traz assuntos como ancestralidades, amizade, cooperação, respeito e autoestima, e pode ser trabalhada tanto com crianças pequenas quanto com jovens. “A animação também aborda opressões de gênero e raciais, a escravidão e a coragem de quem luta pela emancipação. É um filme para toda a família e uma animação que aproxima África e Brasil”, diz. Ela também cita o filme “O menino que descobriu o vento“, da Netflix.
Inovação Ancestral de Mulheres Negras
O livro “Inovação Ancestral de Mulheres Negras” é “imprescindível em uma biblioteca escolar antirracista”, segundo Janete Ribeiro. A obra traz produções de 27 mulheres negras de diferentes perspectivas. “Mulheres múltiplas e diversas, culturalmente, geograficamente e socialmente que trazem nos textos testemunhos sólidos de que ‘nossos passos vêm de longe’ e que o movimentar das mulheres negras é fundamentalmente eficaz no lapidar de outro mundo possível com base no bem viver e na generosidade coletiva”.
Além dessa obra, a literatura infanto-juvenil é sempre uma aliada, na opinião da especialista, que cita trabalhos como “A Cor da Ternura“, de Geni Guimarães, e “Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis”, de Jarid Arraes.
A Mulher do Fim do Mundo
“Elza Soares me acompanha desde criança”, diz a professora, que recomenda o álbum “A Mulher do Fim do Mundo” para educadores trabalharem questões raciais em sala de aula. A obra fala de violência de gênero, estigmatização e racismo, entre outros assuntos. “Nunca tive medo de defender aquilo que acredito. Porque é isso que é ser mulher: defender o que pensa. Acho que a mulher do fim do mundo é a mulher que tem alma”, disse a cantora para a Rolling Stone Brasil.
Angola Janga
A HQ “Angola Janga – Uma História de Palmares” é resultado de 11 anos de pesquisa do quadrinista e mestre em História da Arte pela USP Marcelo D’Salete, vencedor do Oscar dos Quadrinhos, o Prêmio Eisner, por outro trabalho relacionado ao tema racial, Cumbe. As duas obras foram incluídas no catálogo de leituras para escolas públicas e privadas.
Trata-se de um romance em quadrinhos que traz uma das possíveis histórias para Palmares, quilombo formado no século XVI, que chegou a ter 20 mil habitantes e segue sendo um símbolo de luta contra a opressão e o racismo no Brasil.
Um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos também foi vítima do racismo que a lei 10.639/03 pretende combater na educação brasileira. Machado de Assis era um homem negro, mas sua foto oficial, reproduzida até hoje, muda a cor da sua pele, traços e ignora sua origem. É o que relata o projeto Machado de Assis Real, criado pela Faculdade Zumbi dos Palmares, que disponibiliza uma nova imagem oficial do escritor.
Segundo o site do projeto, o intuito é “impedir que o racismo na literatura seja perpetuado, encorajar novos escritores negros e dar a chance de a sociedade se retratar com o maior autor do Brasil para que todas as gerações reconheçam a pessoa genial e negra que ele foi”.