Saltar para o menu de navegação
Saltar para o rodapé
Saltar para os conteúdos
Saltar para o menu de acessibilidade

Protestos por igualdade racial ganham relevância no mundo e iniciativas como o Diário Antirracista se propõem a educar para mudar a estrutura da sociedade

Imagem mostra uma mulher negra na frente de um grupo de jovens com a mão levantada

“Não basta simplesmente educar as pessoas para que elas sejam antirracistas. É justamente a educação que torna possível a reprodução do racismo quando ela não é capaz de confrontar a normalização dos parâmetros racializados dos quais a sociedade se serve”. A afirmação feita no programa Roda Viva por Silvio Almeida, doutor e pós-doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito e professor de universidades como Fundação Getúlio Vargas e Mackenzie, mostra a urgência de uma educação antirracista capaz de apoiar o combate ao racismo estrutural que permeia a sociedade.

No final de maio, a cidade de Minneapolis, nos Estados Unidos, foi o palco inicial de protestos que se espalharam por inúmeros países e imortalizaram a frase I Can’t Breathe (Não consigo respirar), as últimas palavras ditas por George Floyd, em gritos de ordem de movimentos como o Black Lives Matter. O combate ao racismo também foi trazido para o centro da discussão no Brasil, ganhando corpo especialmente nas redes sociais e na grande mídia.

Foi nesse contexto que o autor do importante estudo Racismo Estrutural, deu uma aula no programa da TV Cultura sobre o tema. Entre muitos pontos, defendeu que é preciso desconstruir a normalização, reproduzida de forma secular em nossa história, da discriminação racial e da desigualdade. E esse caminho passa pela política, pela economia e pelo campo da educação.

Silvia Almeida, durante participação no programa Roda Viva, da TV Cultura

Silvia Almeida, durante participação no programa Roda Viva, da TV Cultura

“Uma educação que não questiona o racismo se torna uma educação que vai simplesmente reproduzir como parâmetro de normalidade a discriminação racial”, disse o advogado, filósofo e professor Silvio Almeida aos entrevistadores.

O especialista é uma das referências citadas por Samuel Emílio, que justamente pelo interesse em fortalecer a educação antirracista e pelo aumento do interesse na procura por conteúdos sobre a temática racial, fundou o Diário Antirracista.

O integrante do comitê estratégico do movimento Acredito e ex-coordenador de diversidade e inclusão na Tribo e de Políticas Públicas na Educafro conta que, após o assassinato de George Floyd, amigos passaram a pedir indicação de artigos, vídeos e livros sobre a temática racial. “Passava o dia todo falando para as pessoas o que elas podiam ler e estudar”, afirma. Em determinado momento, achou mais sustentável fazer vídeos para tirar as dúvidas que se repetiam.

“Na internet tem muito conteúdo, mas não estão necessariamente organizados e muitas vezes exigem uma série de conhecimentos prévios de quem lê. E a verdade é que, hoje, a sociedade não aprende nada sobre racismo na escola. Então a gente precisava começar com algo muito didático”, resume Samuel Emílio.

E assim surgiu o diário, que mistura uma abordagem teórica e prática: a proposta é acompanhar por 30 dias pílulas de conteúdo distribuídas via redes sociais. A cada dia é feita uma reflexão sobre uma esfera do racismo estrutural no Brasil, ao mesmo tempo em que os participantes vão escrevendo em seus diários o que sentem, anotam aprendizados e pensam em ações para colocar em prática.

O conceito de racismo estrutural

Apesar da influência do que ocorreu nos Estados Unidos, não faltam casos que envolvam discriminação racial no cotidiano brasileiro. Um fato que ganhou notoriedade ocorreu com Ndeye Fatou Ndiaye, de apenas 15 anos, que sofreu agressões de cunho racista por colegas de classe em um colégio particular do Rio de Janeiro. Também circulou nas redes o caso envolvendo Adriel Oliveira, de 12 anos, que recebeu apoio de famosos e empresas após ser vítima de mensagens de ódio em seu perfil livrosdodrii, que aborda leitura e cultura geek.

Para o fundador do Diário Antirracista, esses exemplos são apenas a ponta do iceberg, mas é importante falar deles, porque ajudam a tangibilizar como o racismo atua e opera de forma estrutural. Isso implica refletir que, após quase 400 anos de escravidão, houve pouquíssima participação de pessoas negras na construção das instituições brasileiras, como o que hoje se conhece como Política Militar ou o poder Judiciário.

Samuel Emílio, criador do Diário Antirracista
Samuel Emílio, criador do Diário Antirracista

“Por mais que você individualmente não discrimine de maneira intencional negros de brancos, as instituições vão continuar fazendo isso até que a gente mude as regras do jogo. Essa soma de instituições faz isso na Saúde, na Educação, no mercado de trabalho, na Segurança Pública, ou seja, elas criam essa estrutura social e ajudam a manter o que se chama de racismo estrutural”, explica Samuel Emílio.

 

Referências para manter o assunto em evidência

Lançado no calor da discussão e dos protestos que se espalharam em todo o mundo, o Diário Antirracista recebeu cerca de 12 mil inscritos na primeira semana. Os conteúdos são enviados pelo Youtube e por listas no Whatsapp e Telegram e feitos em parceria com nomes como Júlia Gomes, líder de Diversidade e Inclusão na Eureca!; Keit Lima, ativista e cofundadora do movimento Engaja Negritude; Fabio Sousa, psicoterapeuta e criador do coletivo Ressignificando Masculinidades; entre outros.

Conceitos como lugar de fala, branquitude, masculinidades negras, interseccionalidade, filtragem racial e colorismo são explicados em vídeos.

O criador da iniciativa calcula que ainda será necessário mais um século de luta para empurrar o racismo para os livros de história e enfatiza a necessidade de criação de políticas públicas, aliada a pressão para o cumprimento delas, na construção de uma educação antirracista. Nessa direção, está a Lei 10.639/03, que prevê a obrigatoriedade do ensino da cultura e história afro-brasileira no currículo escolar.

“A gente tem uma legislação desde 2003, mas só agora os pais começam a cobrar as escolas para que se ensine a história da África e das pessoas negras. Ainda temos de passar por mais algumas manifestações de porte similar até que a norma seja você ser uma pessoa antirracista”, acredita Samuel Emílio.

Confira algumas iniciativas para aprofundar o tema sobre racismo estrutural e educação antirracista:

  • A coleção Feminismos Plurais, organizada pela filósofa Djamila Ribeiro, reúnem livros que são referência, como o próprio Racismo Estrutural, escrito por Silvio Almeida, além de outros títulos, como Encarceramento em massa, de Juliana borges.
  • Assista na íntegra o Roda Viva, programa da TV Cultura comandado pela jornalista Vera Magalhães e que recebeu o filósofo, jurista e professor Silvio Almeida.
  • Segundo a Folha de S. Paulo, o movimento global Black Lives Matter alavancou em junho a venda de importantes obras, como Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro; Olhos d’Água, de Conceição Evaristo; e Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil, de Sueli Carneiro.
  • Produzido pela Piraporiando, o e-book Conteúdo Antirracista para Crianças, disponível via download gratuito, traz referências de autores, pesquisadores, educadores, pensadores, artistas e projetos que reforçam o protagonismo negro na sociedade.
  • O jornalista, escritor, ator e mestre em antropologia Ernesto Xavier criou a página Senti Na Pele, em que traz relatos sobre racismo e se propõe a mostrar como o preconceito marca a vida dos negros.
Como a educação antirracista pode ajudar a combater o racismo estrutural
Como a educação antirracista pode ajudar a combater o racismo estrutural