Para o especialista Cesar Pazinatto, os professores estão em uma posição privilegiada para falar sobre o uso de drogas na adolescência, mas devem fazer parte de um programa de prevenção guiado pela escola
Curiosidade, diversão, pressão do grupo social, ansiedade, problemas de autoestima e saúde mental fragilizada. São muitos os motivos que fazem os adolescentes iniciarem o consumo de drogas precocemente, especialmente o de álcool, o que tem reflexo sobre seus comportamentos na escola.
Segundo levantamento nacional sobre consumo de drogas psicotrópicas entre estudantes, 15% das crianças entre 10 e 12 anos declararam ter consumido álcool no ano da pesquisa. A proporção subiu para 43,6% entre os jovens de 13 a 15 anos. A maioria consumiu a substância em casa.
Um dos maiores problemas do uso precoce e prolongado de substâncias químicas está no poder de afetar um cérebro ainda em formação. É preciso ter diálogo com jovens em casa, mas, principalmente, na escola. É o que defende o biólogo e educador Cesar Pazinatto, que há 30 anos trabalha com consultoria e implantação de programas de prevenção de uso de álcool e drogas nas escolas da rede pública e privada de São Paulo.
Baseado em sua experiência, escreveu junto com a psicóloga Ilana Pinsky o livro Álcool e drogas na adolescência: um guia para pais e professores (Editora Contexto, 2014). Os autores enfatizam que a parceria entre pais e escola, diálogo sincero e muita informação são essenciais para a redução de danos.
Em entrevista à Fundação Telefônica Vivo, ele indica maneiras da escola começar a trabalhar o assunto com os jovens de forma atrativa e eficiente, além de reforçar os passos para um bom programa de prevenção do uso de drogas. Confira:
As consequências do uso de drogas, sejam lícitas ou ilícitas, são piores na adolescência?
Cesar Pazinatto: O consumo de álcool e outras drogas pelo adolescente é sempre um comportamento arriscado. O cérebro do jovem, ainda em formação, é mais sensível que o do adulto em relação aos efeitos das drogas psicotrópicas. O uso prematuro e prolongado pode causar comprometimento cognitivo e queda na capacidade de concentração e aprendizado.
As escolas ainda consideram tabu trazer esse assunto para sala de aula?
Cesar Pazinatto: Algumas escolas começam a falar do tema somente a partir de problemas com alunos usuários. Só que esse é um assunto que não dá para se ignorar.Em algum momento, as instituições de ensino precisarão falar sobre maconha, cigarro e, principalmente, sobre o álcool, que é a porta de entrada.
Felizmente também encontro muitas escolas que trabalham habilidades socioemocionais, que dão espaço para os jovens expressarem suas angústias, e isso é, sem dúvida, uma forma de cuidar dos fatores de proteção da saúde dos adolescentes.
Algumas pesquisas apontam que as drogas lícitas, álcool e tabaco, são as mais consumidas pelos adolescentes…
Cesar Pazinatto: Nos últimos anos, houve até uma diminuição no consumo de tabaco, mas agora começa uma moda dos cigarros eletrônicos. Por falta de informação, muita gente acha que eles são menos prejudiciais. É a mesma confusão que se faz com o Narguilé, que colocam tabaco aromatizado. Muitos acham que não faz mal, mas são substâncias tão tóxicas quanto os cigarros tradicionais.
Pelo fácil acesso, o álcool é a droga mais nociva?
Cesar Pazinatto: O álcool é a real porta de entrada e o consumo está aumentando ao longo dos anos. Os apelos vêm das propagandas, da vinculação com esporte e com momentos alegres, de uma série de músicas que fazem apologia ao consumo. A indústria lança uma série de destilados mais adocicados que agrada o paladar de quem não é muito fã de cerveja.
Sabemos também que a bebida alcoólica começa a ser consumida pelos jovens dentro de casa, faz parte da cultura do brasileiro. Sendo assim, os programas de prevenção das escolas precisam discutir essa questão com urgência.
Existe uma idade certa se para trabalhar o tema em sala de aula?
Cesar Pazinatto: Quanto mais cedo começar, melhor. Desde a Educação Infantil, a escola pode trabalhar questões como a alimentação saudável,por exemplo. No Ensino Fundamental, por exemplo, já é possível trazer discussões mais aprofundadas sobre os efeitos das drogas no corpo.
Como deve ser esse programa de prevenção para que ele não seja considerado chato e desperte o engajamento dos estudantes?
Cesar Pazinatto: Primeiro, a escola precisa conhecer seus alunos e o contexto no qual estão inseridos. Outra coisa fundamental é dar protagonismo ao estudante. Em algumas escolas que trabalhei, adotamos o modelo de educação pelos pares.
Quando um aluno passa uma mensagem a outro, ele está aprendendo com isso, independentemente do seu interlocutor. Essa estratégia é fundamental para diminuir situações de bullying, criar mais empatia, maior respeito e interação entre diferentes faixa-etárias.
Ou seja, um bom programa de prevenção deve proporcionar rodas de conversa, debates, seminários desenvolvidos pelos próprios alunos, envolvê-los em ações sociais. Além disso, a escola deve estar aberta e pronta para lidar com temas que envolvem o consumo de drogas, seja por uma notícia de jornal, revista, TV, propaganda oficial do governo ou, principalmente, se algum aluno for flagrado usando na escola. Na prevenção, falar sobre as substâncias é apenas uma parte.
É importante coordenar um programa formativo para professores também?
Cesar Pazinatto: Sem dúvida! Sempre digo que o professor está num papel muito privilegiado para avaliar a condição do adolescente, mas ele não consegue fazer muito sozinho. A escola tem que ter um programa de prevenção como parte de seu Projeto Político Pedagógico.
Geralmente, esse assunto é delegado ao professor de Ciências ou Química, mas seria mais eficiente se identificassem educadores que consigam cativar a molecada e, assim, dar um suporte. Que saibam conduzir uma discussão aprofundada. Ter uma equipe multidisciplinar em um programa consistente é o melhor dos mundos.
Adotar uma estratégia de repressão funciona?
Cesar Pazinatto: Clima de terror não ajuda em absolutamente nada e pode até dificultar. Isso porque as primeiras experiências de consumo de drogas são prazerosas, então o aluno terá dificuldade de entender a seriedade do problema. Recomendo ter informações para contrapor.
O pai e a escola não são mais a primeira fonte de informação sobre a droga. É a rua, o colega, a internet. A comoção gerada por notícias de artistas que morreram por overdose ou de jovens que, embriagados, bateram o carro dura até o jovem perceber que nada de ruim está acontecendo com ele. O adolescente está mais disposto a correr riscos e têm dificuldade de medir as consequências de seus atos. Gosto muito da metáfora usada pela Suzana Herculano de que o adulto precisa emprestar o cérebro ao jovem porque ele não tem ainda a capacidade de prever arrependimentos.