O isolamento social impactou toda a comunidade escolar. Veja alguns caminhos para promover acolhimento na volta às aulas
“De forma geral, as pessoas não estão bem”, afirma a psicanalista e coordenadora da Rede de Psicanálise Inconsciente Real, Paula Licursi Prates, ao ser questionada sobre a saúde mental e o impacto psicológico gerado pelo isolamento social em seus pacientes.
Paula atende pais e educadores que desde março de 2020 viram as atividades escolares serem suspensas por causa da pandemia da covid-19. “Há um cansaço e frustração. Os professores, por exemplo, tiveram que adaptar suas aulas para o remoto. Eles passaram a trabalhar mais do que quando estavam em formato presencial”, conta a psicanalista.
Uma pesquisa da Nova Escola entrevistou cerca de 1.800 educadores, entre professores, diretores escolares e coordenadores pedagógicos, nos dias 3 e 6 de agosto de 2020 para avaliar a saúde psíquica desses profissionais. Os dados mostraram que 72% classificaram a saúde emocional como regular, ruim ou péssima.
Trabalhar no computador já é, em si, muito mais cansativo do que no formato presencial, explica Paula. “A nossa atenção é diferente. Quando estamos ao vivo, temos outras fontes de comunicação, como a postura. Ao ver só um pedaço da pessoa, como é o caso nas videochamadas, temos que redobrar a atenção. O dia todo trabalhando desse jeito é mais exaustivo”.
Além do expediente remoto, os professores afirmaram trabalhar em dobro durante o isolamento, apoiando alunos em todos os períodos do dia. Há inclusive aqueles que vão às casas dos estudantes que não têm acesso ao ensino on-line para entregar tarefas impressas.
Projeto Fique Bem
O projeto Fique Bem foi criado para apoiar a saúde mental dos educadores no período de distanciamento social. Em 2020, os conteúdos abordados foram relacionados ao autocuidado e à pandemia. Em 2021, são apresentados diálogos com profissionais experientes, tanto em educação quanto em saúde mental.
O Fique Bem é uma realização da ONG Gaia+ em parceria com o Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, o estúdio de animação ClubToon e plataforma educacional Dágora.
O que veem os pais
Suzana Maria Ketelhut é ecóloga e mora em Ribeirão Preto (SP). Ela é mãe de dois pré-adolescentes, Júlia, de 14 anos, e Tito, de 13. “O fato desta geração ser mais tecnológica facilitou a adaptação, mas a disciplina de estudos e a absorção de conteúdos foram bem piores”, compartilha.
Suzana explica que o garoto interagia muito com os amigos pelo ambiente virtual de jogo, mas Júlia, que tinha um perfil mais comunicativo, relacionava-se mais no presencial com os colegas de classe. “Ela sofreu muito com a nova dinâmica de ficar dentro de casa, quase perdeu o semestre na escola e entrou em um universo paralelo em que assistia animes (desenho animado japonês) e vídeos de TikTok (aplicativo de compartilhamento de vídeos curtos) no celular”, conta.
No meio do ano passado, a menina pediu para ter acompanhamento psicológico. “Se tiveram faixas etárias punidas na pandemia, foram os idosos, as crianças e os adolescentes, pois o convívio social é o que dá sustentação psicológica. Os mais velhos para não entrar em degeneração mental e os jovens para ter construção mental”, analisa a mãe.
Suzana aponta sobrecarga nas ações cotidianas e o desafio de apoiar os filhos durante as atividades remotas, comum aos adultos durante o isolamento. Um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), com a participação de 69 pais de crianças entre 5 e 12 anos, registrou o aumento dos níveis de depressão e ansiedade de pais e filhos durante a pandemia.
Saúde mental e as crianças
Com o isolamento social, as crianças foram submetidas a uma mudança drástica no cotidiano, o que se pode qualificar como estressor, segundo a auxiliar em psicologia escolar Luiza Lapietra, atualmente assistente psicológica em uma escola particular de educação infantil em São Paulo. Até o fim do ano passado, a especialista trabalhou em um serviço de acolhimento institucional com crianças em situação de vulnerabilidade.
“O afastamento dos alunos da escola se dá de maneira muito desigual”, conta. Ele está relacionado às condições materiais das crianças e tem a ver com o ambiente familiar, com o território que elas habitam e com as escolas que frequentam. “Como muitas famílias atravessam por um momento de fome, de pobreza ou de desemprego, isso faz com que o espaço doméstico, onde as crianças passam a maior parte do tempo, se configure em um local estressante, o que acentua a ansiedade delas”, explica.
Luiza chama a atenção para o fato de que as escolas têm um papel importante de proteção social das crianças e pondera que, com o isolamento social, as relações ficam muito limitadas e nem sempre os poucos convívios que restam são satisfatórios, o que agrava o estresse.
“Os professores têm uma capacidade mais apurada de notar o sofrimento psíquico dos alunos que às vezes, no dia a dia da família, pode ser negligenciado pelo excesso de outros estímulos”, alerta Luiza.
Acolhimento e adaptações na volta às aulas
Há uma forte preocupação, por parte dos gestores e professores, de repor os conteúdos pedagógicos perdidos no retorno às aulas presenciais. No entanto, os impactos emocionais precisam ser considerados. “Uma recepção calorosa e o investimento em espaços de escuta já são os primeiros passos”, defende a assistente psicológica Luiza.
“A escola por si só já é capaz de fazer este acolhimento, porque possibilita a retomada da criança a uma socialização e a convivência com as outras”, afirma. No entanto, será preciso fazer adaptações. “Ela não retorna para a escola como conhecia. Ela entra em uma escola diferente, com restrições, um lugar em que a maneira de existir é outra.” Isto demanda tolerância da instituição para entender as necessidades dos pequenos para que se adaptem ao novo modelo e contexto de socialização com suas regras.
Em sua atuação profissional, ao longo da pandemia, Luiza notou maior irritabilidade e intolerância nas crianças. “É possível também perceber como o coronavírus aparece no ambiente lúdico, com os menores brincando de eliminar o covid ou de salvar o amiguinho de uma doença”, explica.
Acolhendo os alunos