As mudanças climáticas provocadas pelas atividades humanas afetam a vida de crianças e jovens de maneira integral, inclusive afastando-os da escola. Saiba os motivos.
Os olhos de todo o mundo se voltaram para Glasgow, na Escócia, entre 31 de outubro a 12 de novembro. A cidade sediou a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 26), principal cúpula da ONU (Organização das Nações Unidas) para o clima.
Seguindo os passos da sueca Greta Thunberg, jovens ativistas do meio ambiente, de diversas partes do mundo, inclusive do Brasil, foram ao evento dar o seu recado nas ruas e nos palcos da cúpula do clima sobre o que pensam das consequências das mudanças climáticas.
Seja no campo, nas comunidades tradicionais ou nas grandes metrópoles, os efeitos das mudanças climáticas extrapolam o risco ao meio ambiente. Elas interferem diretamente na rotina de crianças e jovens e no seu acesso à educação, podendo prejudicar a fase fundamental da aprendizagem, conforme explica Tereza Cristina Melo, coordenadora geral do Laboratório de Sustentabilidade, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).
“As emergências climáticas podem impactar a vida das crianças e jovens de modo geral. Mas a educação também é fortemente afetada. Não podemos pensar em meio ambiente sem associá-lo à vida integral, à vida humana e de tudo o que fazemos. Dependemos da natureza para qualquer atividade na vida.”
Realizado em 2019, o levantamento “Climate change and educational attainment in the global tropics” se propôs a entender como as condições climáticas vivenciadas no útero e durante a primeira infância afetam a escolaridade dos 12 aos 16 anos. De acordo com a pesquisa, se uma criança passa a viver em situação de insegurança alimentar por conta das mudanças do clima, ela terá o seu desenvolvimento cognitivo e físico limitado. E isso prejudicará seu rendimento escolar.
O estudo revela que no Sudeste Asiático, por exemplo, a exposição das gestantes e da criança no início da vida às temperaturas acima da média está associada a menos anos de escolaridade.
Segundo a professora Tereza Cristina, para compreender melhor os efeitos das mudanças climáticas é preciso olhar para a sociedade como um todo. Nesse sentido, não é possível tratar o meio ambiente apenas pensando nos malefícios à natureza.
“Quando a gente fala que não vai ter alimento, por causa da seca, estamos falando em insegurança alimentar. Sabemos que ela vai impedir uma criança de ter as principais refeições do dia. Ela não terá o mínimo para se concentrar em uma aula, por exemplo. Se a saúde da família for afetada, vem a instabilidade financeira. Podemos dizer que a prioridade será outra. Talvez, essa criança precise trabalhar para sustentar sua família”, alerta.
Mudanças climáticas: os efeitos das desigualdades
Ainda que todas as crianças sejam impactadas pelos efeitos da crise climática, nem todas sentem seus efeitos da mesma forma. Isso porque as crianças e os jovens periféricos, negros, pobres e de comunidades tradicionais são os mais afetados.
“A diferença para uma criança ou jovem de baixa renda é que para ela não existem alternativas. Se a casa dela é derrubada pelo excesso de chuvas, a sua família não tem para onde ir. Se o acesso à escola pública é interrompido, ela não pode acompanhar as aulas remotamente. Isso porque muitas vezes não tem computador ou acesso à internet”, explica a especialista.
Um levantamento feito pelo Unicef mostra que as taxas de abandono escolar são superiores às médias nacionais nos territórios do semiárido brasileiro, dentre elas a Amazônia Legal brasileira, e outras regiões como o Nordeste, que enfrentam fortes secas.
Educação para o fim das mudanças climáticas
Sabemos que a educação é um fator cada vez mais urgente no combate aos efeitos das mudanças climáticas. Os conhecimentos gerados sobre os fenômenos ambientais ajudam os jovens a entender e tratar as consequências do aquecimento do planeta.
A professora Tereza Cristina enxerga na educação o caminho para motivar os estudantes a modificar suas condutas, colaborando com a preservação do meio ambiente e da vida.
“Formar e conscientizar os cidadãos, especialmente as crianças, sobre as causas e consequências das mudanças climáticas é fundamental. As mudanças climáticas são um problema de origem humana e os nossos próximos passos podem determinar o futuro. Por isso mesmo, é fundamental garantir que todo indivíduo tenha acesso à escola.”
Nesse sentido, ela destaca a importância de começar a utilizar em sala de aula conceitos que, até então, pareciam ser de conhecimento apenas dos cientistas.
“É preciso conversar com os estudantes sobre aquecimento global, efeito estufa, energias renováveis, desmatamento, reciclagem e alimentação saudável. Ao conhecerem mais sobre esses temas, eles mudarão seus hábitos e os de sua família, podendo atingir toda a comunidade com a cultura de cuidado ao clima”, reforça.
No Brasil, a Educação Ambiental é lei desde 1999, fundamentando que todas as escolas têm o dever de ensinar métodos de preservação aos estudantes. Além disso, deve incentivar processos de reciclagem e conscientizar os alunos sobre a importância de usar os recursos naturais de maneira equilibrada.
Essa disciplina permite aos estudantes entenderem melhor as alterações físicas do ambiente, de modo que tenham ferramentas para lutar contra as mudanças climáticas.
Mas pelo fato de cada criança ser impactada de maneira diferente pelas mudanças climáticas, a professora defende que a educação deve ser diferente para cada grupo. Devem ser apontados os caminhos para resolver esses problemas, levando em consideração o nível de conhecimento, a idade, a renda e todos os fatores que atravessam a vida do aluno.
“É dentro da sala de aula que temos os instrumentos necessários para mudar o nosso futuro. Mas é preciso que essa matéria vá para além do currículo da escola, que seja transversal. Por isso, devemos ensinar os estudantes a desenvolver valores e conhecimentos que vão mostrar os benefícios reais de uma vida mais sustentável”, conclui.
Juventude brasileira na COP 26
Os brasileiros marcaram presença na COP 26. O evento contou com cerca de 80 jovens ativistas do país. Entre eles, Txai Suruí, de 24 anos, que representou a população indígena, da etnia paiter-suruí. Ela tornou-se a primeira indígena a discursar na abertura de uma conferência do clima e reivindicou espaço para a cultura e a herança de seus antepassados. Ainda defendeu a biodiversidade e a riqueza da Amazônia, exigindo a proteção dos líderes indígenas.
Um grupo formado por 12 jovens de 16 a 24 anos, de oito estados do país, entregou um manifesto exigindo, entre outros pontos, a educação climática como parte dos currículos de Educação Básica no Brasil, tanto no sistema público como no privado. O documento vem da parceria entre o Fridays for Future e o Climate Reality Project Brasil.
Entre os jovens periféricos que defenderam suas comunidades estava a ativista climática Amanda da Cruz Costa, 24. Ela vive na região da Brasilândia, na capital paulista, e foi à conferência levar para o debate como a crise climática vai impactar mais os territórios vulnerabilizados e os povos periféricos.
A ativista passou a acompanhar o tema quando ganhou uma bolsa para representar a juventude brasileira na COP23, em 2017, na Alemanha, e encontrou um espaço onde não se viu representada.