Distante de qualquer estereótipo, a pedagogia indígena alia conhecimentos tradicionais com maneiras inovadoras de usar materiais digitais.
Distante de qualquer estereótipo, a pedagogia indígena alia conhecimentos tradicionais com maneiras inovadoras de usar materiais digitais.
Olhos atentos, o assovio na ponta da língua, nas mãos um gravador. O professor que tem tudo na memória na hora da caçada de pássaros quer transmitir seus conhecimentos para os alunos, e caminhando no fio entre tradição e modernidade, recorda sua empreitada na mata com o gravador. A sala de aula onde leciona é como qualquer outra, ansiosa para aprender. A diferença é que outras escolas não são bilíngues e também não sofrem o estereótipo a que são submetidas escolas em comunidades tradicionais. Quem sabe da escola indígena é o indígena, e ele sabe que ela é muito apta à inovação.
A educação indígena é garantida pela Constituição Brasileira de 1988; está previsto na Resolução nº5, Art. 1º que todas as populações indígenas têm direito a uma educação escolar com especificidades próprias a sua realidade. As aulas devem ser bilíngues, para manutenção e preservação da língua materna; também deve haver uma promoção da interculturalidade, para que os conhecimentos que vem de fora da comunidade consigam potencializar e agregar ao que é produzido em seu meio. Para que isso aconteça, é fundamental que os educadores responsáveis sejam indígenas e participem ativamente, se possível liderem, qualquer discussão e realização de um plano curricular.
Contudo, a realidade das 3085 escolas indígenas é muito diferente. “A legislação prevê a participação de professores indígenas, mas infelizmente os currículos são organizados a partir das secretarias estaduais de educação. Há uma luta acontecendo e educadores indígenas se organizando em função de uma educação mais específica e diferenciada, mas é difícil”. As palavras são da professora e pesquisadora Maria Isabel Alonso Alves. Ela é autora do artigo Tecnologias e Formação de Professores Indígenas, onde acompanhou a licenciatura de educadores em Rondônia.
Assim como a tecnologia tem alterado a realidade das populações urbanas, as comunidades indígenas também têm em seu cotidiano os telefones móveis, computadores e acesso à internet. Muitas das escolas contam com laboratórios de informática.
Durante o acompanhamento dos educadores, Marina pode perceber a vontade que os professores possuíam de usar as tecnologias em classe, tanto para fazer uma ponte com o universo não indígena como para manutenção de suas próprias culturas. Os usos são os mais variados, desde o manejo básico dos computadores até usar o GPS para mapeamento de território. O próprio uso de dispositivos de gravação, como no caso do professor que gravou a caçada, mostra potências que uso de TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) podem encerrar.
Francisca de Magalhães Melo, coordenadora do núcleo de Tecnologia Educacional (NTE) de Cruzeiro do Sul, no Acre, trabalha na implementação de tecnologias dentro de escolas rurais e indígenas. Ela comenta outras experiências positivas, pautadas também na pedagogia bilíngue, como a que aconteceu na Escola Ixubay Rabui Puyanawa, em Mâncio Lima, também no Acre. “Os professores e alunos indígenas sempre se mostram interessados e se apropriam do conteúdo. Em aula, por exemplo, eles desenhavam os animais na lousa digital e depois os nomeavam em suas duas línguas”.
As tecnologias podem fazer com que os naturais choques culturais entre culturas não tradicionais e comunidades indígenas sejam motivo de fortalecimento, estabelecendo pontos de diálogo que não são simples quando se fala em territórios físicos e geográficos a serem transpostos. Um laboratório no meio da comunidade serve tanto para preservar uma língua que vai sendo diluída pelo tempo ou pelos poucos falantes quanto para conectar a juventude com o universo que pode auxiliá-los a compreender e melhorar o seu entorno.