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O fortalecimento de uma cultura antirracista na escola requer esforços contínuos e engajamento ativo de indivíduos, comunidades e instituições

#Educação#EducaçãoAntirracista

Imagem mostra duas crianças de ensino fundamental 1. O menino está à esquerda da imagem e abraça a menina que está à direita. Os dois usam camiseta branca. O menino está de mochila preta nas costas.

Já se passaram vinte anos desde a sanção da Lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares. Apesar de a legislação ser um marco na educação básica, ela ainda é insuficiente para avançar na implementação de uma cultura antirracista na escola.

Uma pesquisa realizada entre outubro e novembro de 2022 pela Nova Escola ouviu 1.847 professores de todo o Brasil para entender como eles têm enfrentado desafios ligados às desigualdades étnico-raciais.

Os resultados mostraram que 85% dos respondentes sabem da existência da Lei 10.639. Porém, 6 em cada 10 afirmam que não existe investimento em ações relacionadas ao ensino de história e cultura afro-brasileira em suas escolas. Além disso, 7 de 10 professores respondentes não sabem ou afirmam não ter autores negros na grade curricular do ano que lecionam. Apenas 1 em cada 10 profissionais citaram pessoas negras como referência pedagógica.

“Esses dados nos mostram que há muito espaço para avançar na promoção de uma cultura antirracista na escola. A educação antirracista deveria ser pensada em tudo o que está nos espaços escolares, desde as mensagens espalhadas pelos corredores até a maneira como ela recepciona seus alunos, escolhe os materiais, organiza o acervo da biblioteca e as rodas de conversa entre educadores e estudantes”, defende Lígia Scachetti, diretora-executiva da Nova Escola.

Cultura antirracista na escola: reconhecer o racismo é o primeiro passo

A redução das desigualdades étnico-raciais é um dos maiores e mais complexos desafios da educação básica no Brasil. Como contextualiza o caderno Educação Já, do Todos Pela Educação, a limitação do acesso ao direito à educação de populações negras e quilombolas está na gênese do nosso país e vai se recriando de diferentes formas no decorrer da nossa história.

No período colonial, por exemplo, legislações impediam o acesso de pessoas escravizadas às escolas públicas. Com a República, o estado brasileiro não garantiu a inclusão de africanos e seus descendentes nas mais diferentes esferas da vida social, incluindo a educação. Adicionalmente, manuais de história com a promoção de ideias eugenistas (que consideraram a raça branca como superior) foram amplamente utilizados na formação docente e de estudantes até metade do século 20.

Atualmente, os resultados desse processo histórico de exclusão são visíveis em praticamente qualquer dado educacional que se olhe com recorte racial, do acesso à permanência e formação no ensino médio.

Em 2019, por exemplo, havia mais de 700 mil crianças e jovens negros fora do escola, número 1,5 vezes maior que a taxa de pessoas brancas. Considerando o recorte étnico-racial nos dados do Pisa, um estudante negro que está no 9º ano do ensino fundamental tem um nível médio de aprendizagem de um estudante branco que cursa o 7º ano.

“É preciso reconhecer as violências e os abismos criados pelo racismo. Há portas estão sendo fechadas para crianças e jovens negros. Sem esse entendimento é difícil avançar na promoção de uma cultura antirracista na escola”, observa Luana Tolentino, autora do livro Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula (Mazza Edições).

Esforços contínuos

O racismo afeta não só o desempenho escolar de crianças e jovens negros, mas tem efeitos profundos nas subjetividades, tanto dos estudantes quanto dos professores. No último dia 8 de março, a imagem da professora Edmar Sônia Vieira correu a internet após um caso de racismo sofrido por ela, que recebeu de presente de um aluno uma esponja de aço.

“Eu tive quase um choque emocional. Será que eu sofri isso [racismo]?”, contou Vieira ao G1. “Comecei a reter de fato o que havia acontecido pela repercussão e pelas ações das meninas que usavam o cabelo afrodescendente”, completou a professora. O caso aconteceu no Centro de Ensino Médio 9, em Ceilândia (DF).

Casos como o sofrido por Vieira não são isolados. Metade dos educadores ouvidos pela pesquisa da Nova Escola afirmaram que presenciaram situações de racismo nas escolas onde trabalham. Assim, avançar na criação e no fortalecimento de uma cultura antirracista na escola requer esforços contínuos e engajamento ativo de indivíduos, comunidades e instituições.

Fazem parte desses esforços a capacitação contínua de professores em relação às temáticas étnico-raciais e a elaboração de ações para a construção de um ambiente escolar que valorize a diversidade e o respeito às diferenças. Adicionalmente, os currículos devem estar constantemente atualizados para garantir que a história e a cultura das populações historicamente minorizadas, como negros, indígenas e quilombolas, estejam representadas de maneira transversal.

“Muitos professores acreditam que trabalhar cultura e história afro-brasileira e africana é responsabilidade das aulas de História, mas sabemos que a educação antirracista só é efetiva se é incorporada por toda a escola, em todas as aulas, em atividades extraclasse e ações com a comunidade escolar”, defende Lígia Scachetti, da Nova Escola.

Quebrando o ciclo vicioso

A diretora programática da ActionAid Brasil, Ana Paula Brandão, acredita que a estrutura racista que sustenta a sociedade brasileira é a maior responsável por nós estarmos falhando em avançar na promoção de uma cultura antirracista na escola e na institucionalização da Lei 10.639.

“Nós temos legislação bem feita, temos várias organizações da sociedade civil, coletivos e lutas sociais estabelecidas com muito sucesso. Temos boas soluções propostas para alcançar a equidade racial na educação. É como um baobá bem poderoso, com suas raízes profundas no solo, mas que tem dificuldade de crescer. Se não tiver vontade política e recursos bem definidos, não conseguimos avançar na implementação de uma educação verdadeiramente antirracista”, defende.

É, sobretudo, um ciclo vicioso onde se desenvolve projetos inovadores, promove parcerias com secretarias de educação, mas depois isso se rompe. “Ou porque muda o governo ou porque está concentrado na mão de algumas pessoas. Então a promoção de uma cultura antirracista na escola é algo frágil porque não se consolida”, reforça Brandão.

A fim de romper o ciclo e regar esse baobá, a ActionAid Brasil se uniu a outras seis organizações sociais, dentre elas Ação Educativa, Geledés – Instituto da Mulher Negra e CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). Desde outubro de 2022, essa aliança está desenvolvendo o Projeto SETA, que pretende construir no Brasil o primeiro sistema educacional antirracista do mundo.

Brasil na vanguarda

O Projeto SETA foi um dos finalistas do grande desafio de equidade racial 2030, lançado em 2021 pela Fundação W. K. Kellogg, dos Estados Unidos, e desde então conta com recursos para desenvolver sua atuação, que se dará em três principais frentes: ação política, formação e pesquisa.

Até 2030, as organizações envolvidas no projeto serão responsáveis por realizar diversas pesquisas de diagnóstico e mapeamento de ações, lançar campanhas de informação e mobilização da sociedade civil, oferecer formação para professores e legisladores, distribuir materiais e cartilhas e dialogar com fundos internacionais e outros países. A meta é capacitar mais de 740 mil educadores, diretores e coordenadores de quase 50 mil escolas públicas, em 10 estados brasileiros.

Ana Paula Brandão, que é gestora do Projeto SETA, reforça que boa parte desse trabalho já é realizado constantemente pelas organizações sociais que integram o movimento e, por isso, ela acredita que o Brasil tem a chance de estar na vanguarda do movimento educacional antirracista.

“Por incrível que pareça, o Brasil é um dos países mais avançados nessa questão. Poucos têm um marco legal completo igual ao nosso, avançado em projetos e propostas. Nossa aposta é que nós podemos sim ser exemplo para o resto do mundo por conta da estrutura que já temos. Temos muito o que entregar e o que mostrar, desde que se tenha vontade política”, enfatiza Brandão.

Acompanhe o site do Projeto SETA para mais informações. “Esse é um trabalho que não se esgota em 2030, mas até lá nós queremos ter um sistema de educação antirracista desenhado, com soluções que sejam palatáveis aos diferentes estados brasileiros”, finaliza a gestora.

Como avançar na promoção de uma cultura antirracista na escola
Como avançar na promoção de uma cultura antirracista na escola