Há pouco mais de 1% de PCD no mercado de trabalho formal. Entenda os principais desafios e como reverter este cenário, promovendo mais inclusão e acolhimento.
Há 29 anos, a Lei de Cotas (8.213/91) prevê que empresas com 100 ou mais funcionários tenham entre 2% e 5% de Pessoas com Deficiência (PCD) como colaboradores, a fim de incluí-las do mercado de trabalho. Mas apesar do aparato legal, nem todas as empresas realmente seguem essa lei na prática e de forma correta, que afeta a oferta de emprego para este contingente.
Segundo dados da Secretaria do Trabalho, do Ministério da Economia, o percentual de pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal nunca passou de 1%. “Temos um cenário de empregabilidade que coloca o PCD em subempregos ou em áreas que não visam o desenvolvimento na sua carreira. Os PCDs ocupam espaços pela obrigatoriedade, mas não é necessariamente um espaço ocupado com plenitude”, aponta Vinicius Schmidt, pessoa com deficiência, formado em jornalismo e psicologia, e analista de diversidade e inclusão na empresa Resultados Digitais, em Florianópolis (SC).
Vinicius pontua que as Pessoas com Deficiência enfrentam barreiras tanto para a sua inserção no mercado, como também para a sua permanência. “Muitas vezes a carreira da PCD não é considerada enquanto uma carreira potente, e sim como uma carreira estagnada. A gente vê muitas oportunidades para PCD para posições que não tem plano de carreira e não visam crescimento e oportunidades de evolução”.
Para o analista, há muitos PCDs formados que não conseguem estabelecer um vínculo empregatício também pela falta de acessibilidade ou estrutura no ambiente de trabalho. “Na grande maioria das vezes são pessoas que precisam de uma acessibilidade e inclusão mais personalizadas, como pessoas com deficiência intelectual”, explica Vinícius.
A necessidade de desenvolver e monitorar a carreira de PCDs está prevista na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que entrou em vigor em 2016.
A importância da educação inclusiva
Janaína Bernardino, natural de São Paulo (SP), não tem a visão do olho esquerdo desde os cinco anos de idade. Em 2019, por conta de uma cirurgia feita às pressas para a retirada do tumor, ela também perdeu a visão do olho direito.
“Mesmo com todos os percalços que uma deficiência traz, como tratamentos médicos e cirurgias, eu estudei em um colégio regular, fiz universidade e ingressei no mercado de trabalho”, conta ela, que hoje é líder de acessibilidade digital na Zup Innovation.
Essa, no entanto, não é a realidade de todas as PCD. Há crianças com deficiência que, por distintos motivos, acabam se ausentando do ensino. “Até que todos consigam estar de igual para igual na Educação Básica, isso é ainda uma barreira. A pessoa com deficiência já se forma com anos postergados. Eu entrei no mercado de trabalho mais tarde e não consegui fazer os mesmos cursos que os outros”, compara.
De acordo com os dados do censo demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 44,9% da população com deficiência brasileira, com 15 anos ou mais, ainda se encontra no nível sem instrução e fundamental incompleto. Entre aqueles que finalizaram a Educação Básica, menos de 0,5% estão inseridos no Ensino Superior.
Para Vinicius Schmidt, mesmo com a lei de 2017 que institui cotas para pessoas com deficiência em universidades federais, não houve preparação suficiente para práticas de inclusão e metodologias de ensino.
“As pessoas com deficiência entraram na universidade, mas foram embora. Inclusão não se faz com o coração, e sim com conhecimento, metodologia, aprendizado”, diz. “As empresas precisam ser cobradas sim, mas também tem todo um preparo de inclusão que vem antes”, afirma.
Programas estruturados, escuta e diálogo
Para ambos os entrevistados, atingir o número de contratações previstas na Lei de Cotas tem que ser consequência de um programa de inclusão bem desenvolvido nas organizações.
Uma das causas de evasão de PCDs das organizações é a falta de escuta e diálogo. “Se o trabalhador foi contratado unicamente para preencher as cotas, ele não se sentirá à vontade para exigir alguma melhoria no ambiente. Muitos, diante desta tanta falta de incentivo, acabam saindo ou se aposentando mais cedo por invalidez. Apenas contratar, não é promover inclusão”, ressalta Janaína.
“A gente começou a construir um programa de inclusão do zero, que passou pela conscientização e capacitação de todos envolvidos no processo seletivo, entendendo quais são os tipos de deficiência, as barreiras que as pessoas vivenciam, e como promover o diálogo. Passamos também pela revisão do próprio ambiente da empresa, reavaliando se o espaço físico e on-line foi pensado para pessoas com deficiência”, relata o analista. “Contratamos somente duas PCDs nos primeiros seis meses e hoje já são mais 20 pessoas contratadas devido ao programa de inclusão”, comemora.
“Nem sempre as empresas estão preparadas para receber as pessoas com deficiência da forma mais qualitativa possível, o importante é estar disposto a encontrar uma solução. A deficiência é a pluralidade de corpos. A pergunta não é mais ‘o que eu preciso mudar nesta pessoa?’ e sim ‘o que eu preciso mudar no ambiente para que esta pessoa consiga trabalhar?”, indaga Vinicius.
Vivo e acessibilidade
Em busca de ferramentas para tornar a companhia mais inclusiva para pessoas com deficiência visual, a Wayra, hub de inovação da empresa Vivo, lançou um desafio para encontrar startups que pudessem avaliar e desenvolver uma solução que viabilize a utilização de ferramentas de leituras nas plataformas de comunicação interna utilizadas na Vivo.
A ação faz parte da estratégia da área de Pessoas, que possui o Programa Vivo Diversidade para assegurar uma cultura mais inclusiva e um ambiente mais diverso e representativo, por meio dos pilares de Gênero, LGBTI+, Raça e Pessoas com Deficiência.
“É a coisa certa a se fazer”
Há uma gama de benefícios que a contratação de PCD traz para as organizações. Segundo Vinícius, isso passa pela maior resiliência, ou pelo olhar inovador frente a desafios. “Muitas vezes o trabalho de inclusão de pessoas com deficiência gera oportunidades de trabalho que antes não eram perceptíveis para a organização. Isso gera novos postos”. Um ambiente inclusivo é um ambiente mais seguro, positivo, acolhedor e isso tem impacto no bem-estar e na retenção dos funcionários.
“Quando eu trouxe a pauta de inclusão de pessoas com deficiência para a empresa, o meu discurso foi muito direto: temos que fazer isso pois é a coisa certa a se fazer. Se a gente não percebe a importância da inclusão, nós falhamos. O nosso objetivo é reparação histórica”, afirma.
Apesar do cenário atual de pandemia, os dois profissionais acreditam que o aumento do trabalho remoto pode beneficiar a inclusão.”O cenário de home office do último ano é um movimento interessante de inclusão, porque permite que pessoas que tenham deficiência física, baixa mobilidade, e até mesmo deficiência auditiva e visual, consigam ter mais acesso a recursos digitais, e por isso, mais acesso a emprego”, diz Vinicius, otimista.
“Muitos PCDs já viviam em quarentena desde antes da pandemia, por serem excluídos dos espaços públicos. Espero que agora existam mais oportunidades para que essas pessoas ganhem espaço, voz e estejam economicamente ativas”, finaliza Janaína.