Empreendedores, voluntários, educadores e instituições podem se beneficiar das técnicas trabalhadas pela Teoria U, que tem como objetivo alcançar a transformação social por meio de soluções conscientes
Solucionar problemas é uma necessidade constante diante do futuro que se apresenta. Empresas, instituições e organizações sociais estão em busca de ideias inovadoras e eficazes para lidar com os desafios que já não encontram solução em modelos antigos. A Teoria U é uma das metodologias que surgiram, ao longo do tempo, para auxiliar nesse processo estratégico e tem como objetivo desenvolver habilidades de liderança capazes de gerar impacto social positivo no mundo através de decisões conscientes.
A primeira vez que se ouviu falar sobre Teoria U foi no fim dos anos 1960, na Holanda, quando pesquisas sobre metodologias pedagógicas inovadoras começaram a surgir. Mas a consolidação do conceito veio a partir dos estudos de Otto Scharmer, economista e professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em 1996.
Junto com outros dois colegas do Instituto, Peter Senge e Joseph Jaworski, o professor testou e pesquisou modelos matemáticos que resultaram em uma teoria elaborada sobre mudanças comportamentais e organizacionais. O grupo de estudos tinha um olhar crítico e analítico para o papel das lideranças globais na época. Treze anos depois, o livro Theory U foi lançado como uma proposta de pensamento sistêmico que serviria para toda e qualquer organização.
“A Teoria U é uma tecnologia social ou metodologia de inovação que traz como proposta uma jornada de percepção do todo. A ideia é que a pessoa, empresa ou organização possa livrar-se do que não é essencial, pensando em soluções e gerenciando conflitos internos e externos para chegar a um resultado”, explica Giuliana Preziosi, especialista em sustentabilidade e sócia da Conexão-Trabalho, empresa de consultoria em metodologias de inovação, voltada para projetos sociais.
Teoria U e a transformação social
O mundo moderno, na visão de Otto Scharmer, passa por constantes mudanças. Com isso, ele quer dizer que estamos vivendo um tempo de quebra de paradigmas, no qual as soluções do passado já não funcionam mais e trazem consequências sociais, ambientais e espirituais. O planeta Terra dá sinais de uma crise ecológica, a pobreza e as desigualdades sociais aumentam a cada dia, e a saúde mental da sociedade pede atenção.
Levando este cenário em consideração, a Teoria U se apresenta como uma forma de organizar nossas ações e percepções no sentido de encontrar soluções mais conscientes e adaptadas a este futuro que emerge. A jornada passa por um processo de autoconhecimento, entendimento do outro e consciência do coletivo para criar um ponto de conexão com a fonte dos sintomas, onde esses agentes se encontram.
DICIONÁRIO DA TEORIA U
Mindfulness: A expressão, em inglês, significa atingir o máximo potencial da mente, livrando-a de distrações. A partir de um conjunto de técnicas — que podem incluir a meditação e a respiração – é possível direcionar o foco para o momento presente, ganhando mais consciência sobre os sentimentos e emoções.
Change-management: Um dos princípios defendidos por Scharmer é o gerenciamento para mudança (change-management). A Teoria U acredita que através de processos e etapas estruturadas e sistêmicas é possível alcançar a transformação social.
Letting go: Trata-se do objetivo principal das primeiras etapas da jornada “U” e significa deixar ir (letting go). Nessa fase, o convite é para deixar qualquer tipo de julgamento, preconceito ou influência de concepções para trás. Dessa maneira, é possível mergulhar em um processo de autoconhecimento e percepção do outro.
Presencing: A palavra, em inglês, significa uma junção de duas outras “presenciar” e “sentir”, representando não apenas o reconhecimento das características que formam o lado individual e coletivo, mas também a conexão desses dois agentes no ecossistema geral. Trata-se do côncavo do “U”, que trabalha a habilidade de sentir e emergir a solução ideal.
Letting come: A expressão significa deixar vir e, no caso da Teoria U, representa as últimas etapas da jornada. Uma vez consciente do ecossistema em que está inserido, a subida é o caminho para as soluções inovadoras que serão prototipadas até que se chegue na melhor alternativa.
Teatro da Presença Social — Cada etapa é trabalhada, na prática, com atividades e exercícios de social theater presence (Teatro da Presença Social), que desenvolve a consciência corporal e o aprendizado prático pra reavaliar as ações coletivas.
“Na maior parte das vezes, quando temos um problema, a gente costuma pular a etapa da descida, passando direto de uma ponta a outra para encontrar a solução. A Teoria U apresenta uma proposta de caminho mais aprofundado e experiencial”, complementa Giuliana Preziosi. “Esse convite para vivenciar a solução, faz com que seja possível testar uma ideia e avaliar se ela faz sentido para o objetivo de transformação social que pretende atingir”, complementa.
Teoria U na prática
Empreendedores, voluntários, educadores e empresas podem se beneficiar com as técnicas trabalhadas pela Teoria U. Mas, afinal, como ela pode ser aplicada na prática? O programa Tá na Hora, do Instituto Liberta, faz uso da metodologia para engajar estudantes em uma estratégia de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.
Seis escolas de São Paulo receberam um plano de atividades para aprofundar a necessidade de discutir sobre exploração sexual infantil. Ao longo de seis meses, no ano de 2019, jovens do Ensino Médio entenderam o que era e quais os tipos de violência infantil, qual era a diferença entre exploração e abuso, quais políticas públicas já existiam para combater essa questão e como uma rede de proteção funciona.
“Nós fazíamos dinâmicas em roda, falando sobre empatia, sobre o que eu sinto e o que as pessoas da minha família pensam sobre isso. Com esse trabalho, abrimos uma porta. Muitos jovens se sentiram confortáveis para compartilhar suas histórias e muitos educadores entenderam que poderiam replicar essa metodologia”, conta Paula Lottemberg, analista de projetos do Instituto Liberta.
Os 300 jovens que participaram do programa ficaram encarregados de criar campanhas de conscientização sobre o problema. Desenhos, músicas, canais no YouTube e até mesmo rodas de conversas com a comunidade foram mobilizadas por eles, alcançando cerca de 12 mil pessoas. Ao final da experiência, os estudantes transformaram-se em líderes e multiplicadores de uma causa essencial para a transformação social.