Kiara Terra relata como uma das práticas mais antigas da humanidade se renova e mantém sua importância
Aos 3 anos, a paulistana Kiara Terra ouviu da vizinha de sua avó a pergunta que os adultos mais gostam de fazer às crianças: o que você vai ser quando crescer? A resposta foi imediata. “Vou contar histórias às pessoas”. O tempo passou, Kiara se formou atriz e, aos 19 anos e quase por acaso, acabou como monitora de um projeto que contava histórias às crianças. Foi o início de um casamento que já dura mais de vinte anos. Hoje, Dia Internacional do Contador de Histórias, a Fundação Telefônica Vivo conversa com Kiara para entender um pouco mais sobre seu trabalho e sobre como a contação de histórias pode fazer a diferença na educação. Confira:
Você criou um método de narração autoral e colaborativa, construída a partir da participação do público. Pode explicar melhor o que é a História Aberta?
Isso veio da minha percepção de que mais do que só ouvir histórias, o público, especialmente as crianças, também gostam de interagir. Então, eu trabalho basicamente com improvisação.
Faço exercícios narrativos em que as pessoas colaboram não só colocando elementos, como dando nome à princesa, por exemplo, mas também colaboram com a dramaturgia, opinando se deve ou não acontecer isto ou aquilo. Dessa forma, relatos muito diferentes ou absurdos cabem na história também.
O que o público costuma trazer de inusitado para suas histórias?
Por mais que parta de uma história que eu trago de casa, a colaboração faz com que cada narrativa seja única. Quando você conta uma história, muitas outras acordam dentro de quem escuta. Teve uma vez que eu estava em uma livraria contando a história do meu livro, “Hocus Pocus: um pai de presente” (2012, Cia das Letras) para um grupo de crianças.
Uma menininha de 7 anos levantou a mão e disse que a mãe havia morrido. Eu a perguntei se ela fazia as coisas que eu estava narrando com a mãe dela, ela respondeu que sim e eu segui contando a história. Dali um pouco ela levanta a mão e diz que o pai também morreu. Não há nada que se diga nessa hora, então eu contei que também havia perdido o meu pai. Ela respondeu: “eu sei, foi por isso que você escreveu esse livro. Porque você tem muitas saudades”. Então a experiência, a memória, as narrativas ajudam a lidar com os sentimentos.
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Kiara Terra em uma performance durante uma história
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O que é, afinal, uma boa história?
Eu defino as histórias como um movimento de caber ou não, uma coisa dinâmica, mas que só é viva se servir para as pessoas como uma experiência que acolhe e gera pertencimento. Sabe quando você lê um livro ou vê um filme que parece que foi feito para você? Parece que esse livro ou filme te olha e diz “eu também passei por isso, também partilho da sua experiência”. Eu digo que quando as narrativas conseguem trazer isso às pessoas que as escutam e as contam, elas são boas não só porque criam o tal do pertencimento e a empatia, mas porque ajuda a criar um monte de laços.
Você percorre o Brasil fazendo formação de professores. No ano passado, foram 78 cidades ao longo do ano, das mais cosmopolitas até a zona rural do nordeste. O que você ensina a eles?
Toda boa aula é uma boa história contada. Toda boa história contada é um ser humano diante do mundo que olhou e falou: “nossa gente, o que é isso aqui?” A matemática é o homem diante do incomensurável, a geografia é um homem diante da natureza e das forças políticas, a história é um homem diante do que é viver coletivamente.
Aí a capacidade narrativa não é só contar uma boa história, mas de atribuir sentido, de entender contexto, de interpretação de texto, de ler a si próprio e ao outro, de se posicionar. A minha ideia quando eu faço as formações é sensibilizar o professor para todas as vezes em que a capacidade narrativa dele fez com que ele construísse caminhos importantes, que refletisse sobre quem ele é, o que faz e como lida com as pessoas.
Que dicas você dá para que os educadores incluam mais histórias em seus trabalhos?
Primeiro é encontrar as histórias que você ama, que te dão prazer ou que você acha muito engraçadas. Segundo, acolha as perguntas das crianças mesmo que você não tenha resposta para elas. A gente acha que tem que saber de tudo, quando talvez a nossa potência esteja justamente em não saber de tudo.
Olhe nos olhos de seus alunos, escute o que eles dizem, encontre o ponto de empatia entre você e eles. Lembre-se, as crianças são construídas pelas histórias que as atravessam. Então, que a gente tenha toda a delicadeza possível com as histórias de quem está começando a viver.