Em entrevista com a arquiteta Beatriz Goulart, um debate sobre a necessidade de se pensar a arquitetura escolar como relação da escola com a cidade.
Para a educação no século XXI, pensar a arquitetura escolar é pensar a relação da escola com a cidade.
Nos anos 1930, o educador Anísio Teixeira sonhava. Para diminuir as desigualdades ante o inchaço repentino das cidades brasileiras, ele pensava uma escola pública, mista e gratuita, onde os conhecimentos não estariam presos às paredes de conteúdo. Era a criação do sistema educacional Escola-Parque, um antepassado – muito mais ambicioso – do que seriam os inovadores Centros de Educação Unificados da prefeitura de São Paulo, os CEUs. O sonho de Anísio se dava num lugar de conhecimento humanista e diversificado, onde o espaço, para parafrasear o pedagogo Antonio Vinão, também ensinava, ainda que silenciosamente.
Mais de setenta anos depois, a arquitetura das escolas brasileiras conserva-se como que em um formol do tempo. Amplos corredores, salas sem conexão, espaços em desuso, uma arquitetura interior que não possibilita novos projetos e uma exterior que não dialoga com o bairro e a cidade ao redor. Como que inimiga da pedagogia, hora anda completamente desconexa e hora alimenta sua falta de renovação, sendo o último fator ponto necessário para pensar a educação no século XXI.
Para a arquiteta e pesquisadora Beatriz Goulart, a homogeneização da construção escolar mostra que as referências escolhidas são as do século passado: “Você tem uma lógica de legislação e tradição que desconsidera qualquer questão geográfica, cultural e ambiental”. A escola ainda usa noções ultrapassadas do código de obras, que faz contas como metros quadrados por criança. “Os técnicos que constroem estão fora da discussão da educação”, ela complementa.
Os abismos que separam a arquitetura e pedagogia estão conectados à divisão que existe entre o que acontece dentro e fora da escola. É o território da infância, tão diverso ao cruzar os muros entre rua e sala de aula: “Fora da escola eu aprendo a pular os muros, subir em árvore, a ir à padaria comprar pão. Dentro, aprendo matemática, não posso mascar chiclete, nem usar boné. Temos que encerrar a concorrência entre territórios”.
Movimentações interessantes têm sido tomadas para construir pontes entre tais abismos, em especial, entre arquitetos e educadores – o último grupo, segundo Beatriz, sempre mais disposto a dialogar. Prefeituras e governos estaduais procuram trabalhos como o da pesquisadora. Uma iniciativa do governo federal, alguns anos atrás, reuniu um grupo de estudiosos para imergir nas relações entre arquitetura e pedagogia. As faculdades de arquitetura têm renovado seu currículo, pensando a escola em sua totalidade integral, acessível e inclusiva.
Para que a arquitetura faça conversão com a pedagogia, Beatriz trabalha e incentiva o ideal de um espaço educador sustentável, apoiado no tripé território-gestão-currículo. O território fala de uma arquitetura flexível, que como “borracha”, molde não somente seu interior, mas toda a relação como organismo vital da comunidade ao redor. “A cidade usando a escola como espaço”, fala Beatriz.
A gestão diz de uma abordagem que inclua não somente os gestores da escola, e também seus alunos, que teriam como continuação a pedagogia a participação na tomada de decisões da escola, até mesmo em sua manutenção (em saber como é feita a merenda, por exemplo). Por fim, o currículo, que implica a utilização do espaço para atividades que vão além de um conteúdo elementar, mas de debate e protagonismo.
Essa arquitetura escolar renovada só é possível se for sonhada coletivamente, o que pode, como todo processo de participação do indivíduo, gerar negativas e críticas. “Tudo tem que ser perguntado: como são os banheiros, se os meninos e meninas não podem escovar os dentes na pia unissex, como é a questão LGBT na escola, porque temos uma cantina, ou outros ambientes que não têm mais sentido de existir”. A feitura de muitas mãos e pensamentos enriquece o projeto escolar e afeta diretamente a construção de seus espaços.
A arquitetura escolar, entretanto, não pode falar somente de um prédio solitário – é justamente contra o isolamento espacial que ela luta. “É menos prédio, mais conjunto.” Como bom exemplo, Beatriz indica o Território CEU, projeto da prefeitura de São Paulo que se apropria de espaços desocupados para criar territórios de educação e interação. Ela sugere que a época de construir novos edifícios termine: deve-se reaproveitar espaços abandonados e revitalizar escolas.
São de Lina Bo Bardi, uma das arquitetas mais renomadas do mundo, as palavras: Comecemos pelas escolas: se alguma coisa deve ser feita para “reformar” os homens, a primeira coisa é “formá-los”. São os engenheiros e educadores, professores e alunos, que fornecem a alma sustentadora de vigas e concreto. A arquitetura escolar precisa de menos edifícios e de mais de humanos dispostos a transformá-los.