No Dia Mundial do Braille, especialista da Fundação Dorina Nowill aponta falta de livros acessíveis para crianças com deficiência visual no Brasil
No Dia Mundial do Braille, Regina Oliveira, da Fundação Dorina Nowill, comenta os principais desafios para a difusão da leitura tátil no Brasil
Em 1812, um garoto francês de três anos perdeu a visão ao se acidentar na oficina do pai. Treze anos depois, já adolescente, apresentou ao mundo um método revolucionário, que daria a cegos uma chance de levar uma vida mais independente e produtiva. Estamos falando de Louis Braille, inventor do braille, cujo dia mundial, celebrado em 4 de janeiro, é uma homenagem à data de nascimento do jovem que mudou a história das pessoas com deficiência visual.
A combinação de seis pontos, dispostos em duas colunas de três pontos, formando 63 caracteres diferentes em alto relevo, de tamanho padrão, devolveu aos cegos o infinito universo da leitura e da escrita, e a possibilidade da alfabetização. Mas, passados quase 200 anos da sua invenção, a leitura acessível continua sendo um obstáculo.
No Brasil, onde havia 528 mil cegos em 2010, além de 6 milhões de pessoas com grande dificuldade de enxergar, segundo o último censo do IBGE, crianças com deficiência visual ainda sofrem para começar o ano letivo com um direito básico, garantido por lei: um livro didático adaptado para a sua realidade, diz Regina Oliveira, Coordenadora de Revisão da Fundação Dorina Nowill.
A instituição é referência no atendimento a cegos, com uma das maiores gráficas de impressão em braille da América Latina. Apesar de ter mais de três mil livros em formatos acessíveis, como braille e audiobook, ainda não consegue fazer frente a uma triste realidade: somente de 1% e 5% dos livros produzidos no mundo são adaptados para deficientes visuais, de acordo com estimativa da União Mundial de Cegos.
Entrevista
Na entrevista abaixo, Regina Oliveira, cega desde os sete anos, membro do Conselho Mundial e do Conselho Ibero-Americano do Braille, analisa quais os principais obstáculos para a difusão dessa linguagem no Brasil:
A oferta de livros em braille no mundo ainda é muito pequena frente a quantidade de títulos lançados. Qual é a realidade hoje no Brasil?
A oferta também não atende a demanda, mesmo o uso do braille sendo uma recomendação internacional. Não temos dados precisos do Censo Escolar, mas a produção de livros em braile em 2016 e 2017 foi muito inferior ao necessário em todo o país.
Como isso se reflete na educação?
Lamentavelmente, ainda existem muitas crianças nas escolas que não recebem seus livros didáticos em braille. No geral, a demanda chega quando as aulas já começaram, e muitas vezes o aluno passa um período sem o seu livro. O sonho de todos nós que trabalhamos com pessoas com deficiência visual é de que as crianças cegas possam, no primeiro dia de aula, já receber o seu livro em braille. Esse é o principal obstáculo a ser vencido.
Como se dá o acesso a livros didáticos por alunos com deficiência visual em cada ano letivo?
Todos os anos os professores escolhem os livros didáticos que vão adotar em sala de aula e o governo compra das editoras, distribuindo depois para todas as escolas do Brasil. São cerca de 450 títulos. Não tem como disponibilizar isso em braille, mas se o censo escolar indicar um aluno cego ou com baixa visão a cada início de ano, o governo terá que oferecer o livro didático acessível.
O Instituto Benjamin Constant, ligado ao Ministério da Educação, é o órgão oficial no Brasil responsável por produzir material didático para alunos com deficiência visual.
Livros digitais falados podem suprir a demanda por braille?
Os livros digitais, como audiobooks, têm uma produção bem maior do que os livros em braille. Mas quando a gente fala em livros de alfabetização, especialmente do 1º ao 4º ano do ensino fundamental, é necessário o braille. É o único sistema natural de leitura. A única maneira que a criança cega tem de tocar as palavras, aprender ortografia, sinais de matemática, línguas estrangeiras. Isso faz toda diferença, até para o seu desenvolvimento cognitivo.
Qual a principal dificuldade para a produção em braille?
Não tem como passar para o braille tudo o que existe no mercado editorial: é um texto bem maior, a produção é mais demorada, mais cara. Não defendemos a produção apenas do braille, mas que ele seja garantido ao menos para as crianças e para as pessoas com deficiência visual que gostam de ler.
Como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, em vigor desde 2016, impactou na produção de livros em braile?
Os responsáveis por políticas públicas relacionadas à oferta de livros acessíveis começaram a ser mais cobrados. Se os livros não chegam às mãos das pessoas, elas podem procurar o Ministério Público, entrar com uma ação e recebê-los rapidamente. Acho que essa conscientização está levando alguns órgãos de governo a pensar mais sobre o tema.
Legislação
Estatuto da Pessoa com Deficiência (2016)
Garante a educação inclusiva no Brasil e obriga o Estado a ofertar o sistema braille na rede de ensino
Tratado de Marraqueche (2013)
Prevê que países signatários, como o Brasil, devem permitir a reprodução de obras literárias e artísticas em formatos acessíveis
Qual o principal desafio que temos pela frente para avançar mais na difusão de livros acessíveis?
Nossa luta é para garantir que as crianças cegas tenham seus livros em braile, senão vamos formar uma geração que daqui a 20 anos vai saber falar, mas não vai conhecer ortografia. Há pessoas cegas que não sabem que existem espaços entre as palavras. Você tem que conhecer a sua língua para ter de fato uma inclusão.
0s 10 livros mais lidos em braille. Fonte: Fundação Dorina Nowill
TOP 10 (BRAILE, AUDIOLIVRO OU DIGITAL ACESSÍVEL) | ||
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1 | Uma curva na estrada | Nicholas Sparks |
2 | Ar irmãs | Danielle Steel |
3 | Amor sem igual | Danielle Steel |
4 | Eternidade por um fio | Ken Follet |
5 | O guardião | Nicholas Sparks |
6 | Querido John | Nicholas Sparks |
7 | A jornada | Danielle Steel |
8 | Cinquenta tons de cinza | E. L. James |
9 | Não conte a ninguém | Harlan Coben |
10 | A culpa é das estrelas | John Green |