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A dislexia é um transtorno específico de aprendizagem relacionado às habilidades de leitura e escrita. Saiba o que é, como identificar e quais caminhos podem ser seguidos pelos educadores após o diagnóstico

“A dislexia não é uma doença”. É assim que Luiz Gustavo Simi, psicólogo, pesquisador e coordenador de projetos da Associação Brasileira de Dislexia (ABD) introduz o tema. A dislexia é um transtorno específico de aprendizagem, de origem neurobiológica, relacionado às habilidades de leitura e escrita dos alunos afetados. Segundo a ABD, é o distúrbio de maior incidência nas salas de aula e atinge entre 5% e 17% da população mundial.

Há dois tipos de dislexia: a dislexia do desenvolvimento que é de caráter genético e hereditário, e está presente em 80% dos casos. Já o segundo tipo, a dislexia adquirida, que como o próprio nome diz, é adquirida em virtude de um fato, lesão ou acidente, na região do lobo temporal, parte lateral esquerda do cérebro. Isto acontece pois o lobo temporal é o responsável pelo processamento das habilidades de leitura e escrita. Existem graus diferentes de dislexia, podendo ser leve, moderada e grave.

Os primeiros sinais e sintomas são percebidos na alfabetização. Crianças disléxicas provavelmente vão demorar a se alfabetizar e será mais custoso e desgastante para elas. No entanto, é muito comum não reconhecerem a dislexia em alunos neste primeiro momento. “As pessoas não sabem o que é a dislexia, tampouco como lidar com ela; 60% das pessoas que são disléxicas, não possuem diagnósticos formalizados”, conta o psicólogo Luiz Gustavo.

É importante ressaltar que dislexia nada tem a ver com “inteligência”. As pessoas que têm dislexia, possuem recursos intelectuais cognitivos suficientes para superar suas dificuldades. Nenhum transtorno de neurodesenvolvimento, de forma geral, é um impeditivo no desenvolvimento de uma criança.

“O nível de inteligência deles está na média, ou acima da média. As crianças podem falhar e demorar mais, mas elas passam pela alfabetização, porque possuem uma estrutura e condições cognitivos intelectuais suficientes para isso”, explica Gustavo. “Ainda assim, é importante que a dislexia seja identificada nos alunos, caso contrário o emocional será prejudicado, causando baixa autoestima e insegurança. Muitas vezes estas crianças são consideradas preguiçosas, desinteressadas ou distraídas”.

Dislexia – busca pelo diagnóstico

O percurso para saber se uma criança é ou não disléxica pode ser longo e o papel do educador é muito importante neste processo. Não é ele quem vai diagnosticar os alunos com dislexia, mas quem poderá ajudar a identificá-lo. O próximo passo é entrar em contato com uma equipe multidisciplinar para que possam fazer o diagnóstico.

“A gente precisa fazer um mapeamento de toda as esferas do conhecimento para ser o mais assertivo possível na resposta. A criança precisará fazer avaliação neuropsicológica, fonoaudiológica, psicopedagógica, audiometria, avaliação neurológica ou neuropediatra. Um mapa completo do desenvolvimento”, explica o Gustavo.

Identificar um ou mais alunos com dislexia pode ser bastante desafiador, afinal de contas, os sintomas se expressam de maneira diferente para cada pessoa. Veja abaixo alguns sinais que aparecem nas crianças disléxicas.

Na Pré-escola ● Dispersão; ● Dificuldade no desenvolvimento da atenção; ● Atraso do desenvolvimento da fala e da linguagem; ● Dificuldade de aprender rimas e canções; ● Dificuldade no desenvolvimento da coordenação motora; ● Dificuldade com quebra-cabeças; ● Falta de interesse por livros impressos. Na Idade Escolar ● Dificuldade na aquisição e automação da leitura e da escrita; ● Pouco conhecimento de rima (sons iguais no final das palavras) e aliteração (sons iguais no início das palavras); ● Desatenção e dispersão; ● Dificuldade em copiar de livros e da lousa; ● Dificuldade na coordenação motora fina (letras, desenhos, pinturas etc.) e/ou grossa (ginástica, dança etc.); ● Desorganização geral, constantes atrasos na entrega de trabalho escolares e perda de seus pertences; ● Confusão para nomear esquerda e direita; ● Dificuldade em manusear mapas, dicionários, listas telefônicas e etc; ● Pouco vocabulário, com sentenças curtas ou longas e vagas. Fonte: Associação Brasileira de Dislexia

Dislexia: desenvolvendo outras habilidades

“A gente não vive em um mundo que favorece o disléxico, pois tudo é pautado em escrita e números”, afirma o artista visual e disléxico Erick Amarante. Ele conta que as suas primeiras dificuldades escolares foram notadas nos anos iniciais, já que não conseguia aprender na mesma velocidade que os outros alunos.

Erick aprendeu a ler e a escrever somente no 3º ano do Ensino Fundamental, com uma professora que o alfabetizou através de desenhos, formas e da leitura de poesias. “Ficou bem claro nesta época que eu não tinha uma dificuldade cognitiva eu só tinha condições diferentes para aprender”. A arte entrou na vida do Erick na alfabetização e o acompanhou ao longo da vida. “Eu sempre me destaquei nas aulas de artes, de esporte, nas aulas em campo, tudo o que não tinha a ver com estar parado em uma sala”.

Pessoas com dislexia possuem um funcionamento cerebral diferente dos demais, e por isto, para se adaptarem, dependem da neuroplasticidade. Esta é a capacidade de o cérebro se adaptar a mudanças por meio do sistema nervoso. Quem é deficiente visual, por exemplo, desenvolve uma audição muito apurada. Com a dislexia acontece a mesma coisa. Há o desenvolvimento de outras habilidades, como a artística. Este é o motivo pelo qual há conhecidos atores ou pintotes disléxicos, como Plabo Picasso ou Vincent Van Gogh.

Por ter dificuldade em ler os livros da escola, Erick e sua mãe desenvolveram um método de aprendizagem próprio: enquanto ela lia os livros e explicava para ele o conteúdo, ele cozinhava as refeições da casa. “Por conta disso eu desenvolvi um aprendizado por escuta muito bom, além de saber cozinhar muito bem”, relata.

Ao longo da vida ele desenvolveu fortes habilidades de memorização, observação e escuta. “Eu consigo observar alguém fazendo pizza, ou consertando um telhado e depois aplicar na prática. Você enxerga coisas que os outros não veem”, conta.

Erick sonha em ser embaixador do Made by Dyslexia no Brasil – uma instituição global liderada por disléxicos bem-sucedidos – e mostrar que a dislexia não é uma desvantagem, mas uma forma diferente de ver o mundo.

Dislexia X TDAH

O psicólogo também explica que é muito comum que a dislexia e o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade)  estejam associados a mesma pessoa, e por isso diferenciá-los é muito importante. São dois quadros com diagnósticos diferentes, sintomas diferentes e tratamentos diferentes, mas que merecem a mesma atenção e cuidado.

O TDAH também é um transtorno do neurodesenvolvimento e um transtorno específico da aprendizagem, no entanto ele se aplica às habilidades atencionais, e vai comprometer a memória, atenção, foco. Nas crianças com TDAH existe uma predominância desatenta, hiperativa e impulsiva. Em termos de funcionamento cerebral, enquanto a dislexia se apresenta no lobo temporal, o TDAH se apresenta no lobo frontal – localizado na parte da frente do cérebro, e onde acontece o planejamento de ações e movimentos.

Tratamento para Dislexia

Enquanto o tratamento para o TDAH é medicamentoso, para a dislexia não há remédio. O tratamento consiste em treinar o cérebro para utilizar cada vez mais o lobo temporal.

Já é possível ver, através de uma ressonância magnética, como funciona um cérebro disléxico lendo e escrevendo comparado a um cérebro neurotípico. O cérebro disléxico não ativa o lobo temporal, mas ativa todas as outras regiões do cérebro que não são responsáveis por desempenhar essas tarefas.

Justamente por conta da troca do funcionamento cerebral, na prática, isto produz dificuldade em diferenciar letras e palavras cujo som é semelhante, como /m/ e  /n/, ou /p/ e /q/. Em uma criança que está em idade escolar, e o cérebro está em pleno desenvolvimento, o tratamento fará com que este cérebro crie novas conexões, para que ela possa usar o lobo temporal. Utilizando cada vez mais o lobo temporal os sintomas vão diminuindo e ela irá escrever e ler melhor.

“O método para a alfabetização que é o cientificamente comprovado, e que usamos na ABD, é o método fónico, multissensorial e articulatório. A criança vai ver, vai tocar, vai sentir e tatear as letras, e vai ouvir os sons para fortalecer a consciência fonológica, a relação das letras com o som”, explica Gustavo.

Aluno disléxico em sala de aula: o que fazer?

Disléxicos aprendem melhor quando se movimentam, falam sobre si, desenham e criam. No entanto não há uma fórmula padrão para trabalhar com estes alunos, uma vez que também não há um disléxico igual ao outro. Cada um têm suas características e suas habilidades que representam desafios pedagógicos para o educador. É preciso, primeiramente, dedicar um tempo para compreender o aluno, e assim planejar atividades e elaborar instrumentos de avaliação específicos.

diversas cartilhas e conteúdos no site da Associação Brasileira de Dislexia que exemplificam de forma teórica e prática como um educador pode trabalhar com um aluno disléxico. Veja a seguir algumas atitudes e dicas que podem facilitar a interação e a prática pedagógica, respeitando o desenvolvimento de cada estudante:

● Valorize os acertos e incorpore atividades nas quais o aluno tenha sucesso. ● Tenha momentos de relaxamento e descontração no início e no fim de aulas. ● Observe discretamente se ele fez as anotações da lousa, e de maneira correta, antes de apagá-las. ● O disléxico tem um ritmo diferente dos não-disléxicos, portanto, evite submetê-lo a pressões de tempo ou competição com os colegas. ● Desenvolva hábitos que estimulem o aluno a fazer uso consciente de uma agenda para recados e lembretes. ● Use a linguagem direta, clara e objetiva ao falar ou passar instruções. Muitos disléxicos têm dificuldade para compreender uma linguagem (muito) simbólica, sofisticada e metafórica. ● Não insista em exercícios de “fixação“: repetitivos e numerosos, pois isto não diminui a dificuldade do aluno. ● Sugira-lhe “dicas”, “atalhos”, “jeitos de fazer”, “associações”, que o ajudem a executar atividades ou a resolver problemas. ● Não lhe peça para fazer coisas na frente dos colegas, que o deixem desconfortável: principalmente ler em voz alta. ● Dê mais tempo para realizar a prova ou elabore avaliações com menos conteúdo. ● Fonte: Cartilha "Como interagir com o disléxico em sala de aula" da Associação Brasileira de Dislexia e International Dyslexia Association

Como identificar e trabalhar com alunos com dislexia em sala de aula
Como identificar e trabalhar com alunos com dislexia em sala de aula