ECA: ARTIGO 11 / LIVRO 1 – TEMA: SAÚDE
Comentário de Ilanud
O artigo 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente vem assegurar o direito à saúde da criança e do adolescente, encontrando amparo na Constituição Federal, especificamente nos artigos 6º, que afirma ser a saúde um direito social, e 196: ?a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação?.
Soma-se a estas previsões constitucionais o norma contida no artigo 227 da própria Constituição: ?é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito (…) à saúde?. Deste modo, a saúde, direito social garantido a todos, deve ser assegurado de maneira prioritária às crianças e aos adolescentes. Evidentemente, por sua condição peculiar de desenvolvimento e as peculiaridades que dela decorrem para a formação psíquica e física de maneira saudável.
Pois bem, o citado artigo vem justamente ratificar as previsões constitucionais, assegurando o atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, e garantindo o acesso universal e igualitário às ações para promoção, proteção e recuperação da saúde.
Os parágrafos 1º e 2º prevêem dois pontos que devem ser observados na elaboração de políticas públicas de saúde voltadas a crianças e adolescentes. O primeiro é o atendimento especializado às crianças e aos adolescentes portadores de deficiência, pois, na medida em que têm algum tipo de deficiência, possuem necessidades especiais, não podendo o atendimento a eles oferecido ser igual àquele ofertado a crianças e adolescentes sem deficiência.
Em relação ao segundo parágrafo, prevê de maneira expressa o dever do Estado no fornecimento gratuito de recursos, como medicamentos e próteses, necessários ao tratamento, habilitação e reabilitação. Apesar desta previsão não ser necessária, pois o direito à saúde não significa o mero acesso a tratamento hospitalar, o legislador preferiu, em decorrência da importância do tema, afirmar de maneira expressa este direito da criança e do adolescente.
Tal artigo é um dos exemplos mais taxativos de que a criança e o adolescente gozam dos mesmos direitos econômicos e sociais que qualquer pessoa, mas em virtude de seu estágio de desenvolvimento e do princípio do melhor interesse são titulares prioritários das políticas públicas, em termos de destinação de recursos, meios, formação de pessoal, equipamentos públicos, etc. Ademais para o gozo dos demais direitos a saúde representa um dos aspectos indispensáveis por onde começa o exercício da cidadania.
ARTIGO 11/LIVRO 1 – TEMA: SAÚDE
Comentário de Maria Cecília de Souza Minayo
Rio de Janeiro
O art. 11 repete, ao nível dos direitos da criança e do adolescente, dois princípios básicos da reforma sanitária brasileira, hoje já consagrados na Constituição. O primeiro diz respeito ao direito de todos os brasileiros (sem distinção de raça, cor, condição econômica e social, idade etc.) à saúde; o segundo fala da forma como tal direito, assegurado, deve ser exercido.
Em primeiro lugar, ao Estado incumbe vigiar para que todos tenhamos um meio ambiente sem contaminação, proporcionar políticas de saneamento básico (tratamento de água e esgoto), alimentação suficiente e de boa qualidade e garantir os meios de manter a população saudável. Essa tarefa do Poder Público corresponde, no art. 11, à promoção da saúde.
Junto à promoção, a proteção se garante na Constituição através de uma vigilância sanitária e epidemiológica imprescindível.
Numa sociedade marcada pela desigualdade e por tantas formas de escapismo das responsabilidades sociais como a nossa, essa vigilância protetora do Poder Público deve exigir da sociedade padrões de higiene, qualidade e eficácia na produção e comercialização dos alimentos e medicamentos e cuidados de todo o sistema produtivo seja com as condições de trabalho de seus funcionários, seja com as condições gerais da produção para o meio ambiente e para a saúde da população. Mas, além do papel de vigilância, o Estado tem o dever de desenvolver estudos, políticas e ações para combater endemias, epidemias e toda sorte de doenças preveníveis, que ainda dizimam sobretudo as populações mais desfavorecidas do País.
Por fim, o art. 11 refere-se ao direito constitucional de qualquer brasileiro de ser tratado dentro dos serviços de saúde e de acordo com sua necessidade, independentemente do fato de ter contribuído ou não para a Previdência Social.
Para que o direito de promoção, proteção e recuperação da saúde se torne realidade concreta, a Constituição propõe e o Estatuto reafirma a descentralização dos serviços para o âmbito do Município. Ao Governo Federal caberia estabelecer as grandes linhas políticas, a fiscalização e a coordenação e avaliação das linhas políticas, a fiscalização e a coordenação e avaliação das ações. O Município, como menor unidade político-administrativa de governo, concentra melhores possibilidades de adequação dos serviços às necessidades reais-locais dos cidadãos. Permite, também, maior participação e controle do sistema tanto por parte dos profissionais de saúde como pelas organizações da sociedade civil. Ao retirar os atores sociais do anonimato que os sistemas centralizados provocam, a municipalização torna-se um caminho possível de promoção, vigilância e cuidados com a saúde e de respeito à dignidade e qualidade de vida de quem é alvo de todo o sistema: os cidadãos.
A repetição no Estatuto da Criança e do Adolescente dos dois princípios básicos do SUDS é reconhecer, de um lado, que essa porção jovem de brasileiros deve ser prioritariamente contemplada; mas, de outro lado, é também, implicitamente, reconhecer que esses direitos ainda são um ideário, um alvo a ser atingido: caso contrário, não teria sentido repeti-los.
Por exemplo, é triste ter que nomear o direito dos deficientes físicos, sensoriais e mentais à proteção e ao tratamento; porém, quem desconhece o descaso e o abandono de que é vítima essa porção discriminada de nossa população? Até hoje, seus problemas têm sido tratados no nível das campanhas de caridade pública.
Quem não sabe que muitas de nossas crianças estão morrendo por falta de atendimento, nas filas dos hospitais, ou por não terem acesso aos medicamentos e cuidados de que necessitam? Quem não sabe que, nesta sociedade excludente e de desigualdades profundas, os que mais sofrem com a pobreza e a miséria são as crianças?
Quem não sabe que, de norte a sul do Brasil (hoje, verdadeiro “bolsão de pobreza”), a fome dizima nossas crianças, e grande maioria das que sobrevivem sofrem irrecuperáveis deficiências físicas, psicológicas e mentais?
Quem desconhece que nos nossos hospitais gerais não há espaço pensado para as crianças? Estão ali, quase sempre, como um corpo estranho, esquecidas em seu sofrimento e em suas necessidades particulares.
Quem desconhece a tristeza ainda reinante em tantas enfermarias de crianças, onde são afastadas do convívio de seus pais e amargam, além da dor física, desmedido stress emocional?
Por serem as crianças e os adolescentes tão frágeis e tão fundamentais, nos seus rostos há um julgamento contundente de nosso sistema de saúde. Infelizmente, hoje, esse julgamento é duro e cruel. Portanto, é bom que esteja aí, como reconhecimento e apelo, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas não basta reconhecer-lhes os direitos: é necessário batalhar, na certeza de que a saúde de uma sociedade se espelha no rosto saudável de seus jovens.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, organizado por M. Cury, A.F. Amaral e Silva e E. G. Mendez
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