ECA: ARTIGO 125 / LIVRO 2 – TEMA:MEDIDA PRIVATIVA DA LIBERDADE
Comentário de Emílio Garcia Mendez
UNICEF/América do Sul
Este artigo determina, de forma inequívoca, a plena responsabilidade dos órgãos públicos competentes pela integridade dos adolescentes privados de liberdade.
Esta responsabilidade é de caráter irrenunciável e não delegável. Ao contrário,p. ex., do que determina o art. 227 da CF como sendo dever da família,da sociedade e do Estado garantir ao jovem e ao adolescente, com absoluta prioridade, o conjunto de seus direitos reconhecidos, o art. 125 atribui exclusivamente ao Estado o dever de zelar pela integridade física e mental do interno; isto deve ser entendido como estreitamente vinculado ao caráter sócio-educativo da medida (tal como dispõe o art. 112 do ECA). A partir da medida de privação de liberdade, em nenhuma hipótese poderão resultar, de forma direta ou indireta, outros tipos de privação (de dignidade, identidade etc.), ou seja, não só não previstas no Estatuto mas, inclusive, expressamente proibidas por essa lei.
As medidas de contenção e segurança serão adequadas se voltadas para a proteção da integridade física do adolescente no contexto de um processo de integração ao mundo real.
Cabe, no mínimo, perguntar se o dever do Estado, estabelecido na primeira parte do art. 125 do Estatuto, não deveria ser interpretado no sentido de impedir qualquer forma de “privatização” das práticas de privação de liberdade. Resposta adequada será possível através de uma profunda, detalhada e imperiosa discussão de corte jurídico-social.
Por último, é necessário observar demoradamente aquilo que poderia ser uma exceção ao disposto pelo art. 88 do Estatuto sobre a municipalização da política de atendimento. Estando garantidos os princípios gerais do Direito (legalidade, devido processo, defesa etc.), como estão no Estatuto, a categoria “adolescente infrator” assume uma conotação estritamente jurídica, deixando de ser uma vaga categoria sociológica, como acontecia no marco da velha legislação. Conseqüentemente, a dimensão quantitativa dos infratores passíveis de serem privados de liberdade se vê reduzida, objetivamente, de forma drástica (isto se deduz facilmente das ulteriores restrições impostas a esta medida, tal como o art. 122 do ECA). Isto significa que o número dos potenciais usuários do sistema não justifica uma política geral de municipalização do atendimento, que poderia acarretar o grave risco de uma proliferação deste tipo de instituição, cuja capacidade passaria logo a ser artificialmente ocupada. Recentes estudos realizados no Estado do Rio Grande do Sul constituem um claro indicador do mencionado risco. Segundo este tipo de estudo, a marca anual de potenciais infratores graves aos quais se poderia aplicar a medida de privação de liberdade não passaria de 300; isto no contexto de um Estado que possui mais de 300 Municípios. Neste sentido, parece não haver dúvidas de que o controle estadual do sistema, incorporando, quando necessário, uma ação conjunta de Municípios agrupados em consórcio, constituiria a premissa mais racional para otimizar o atendimento disposto pelo Estatuto.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury
ARTIGO 125/LIVRO 2 – TEMA: MEDIDA PRIVATIVA DA LIBERDADE
Comentário de Antônio carlos Gomes da Costa
Pedagogo/Minas Gerais
O zelo pela integridade física e mental dos adolescentes privados de liberdade é um dever inarredável do Estado.A adoção de medidas de contenção e segurança por parte das autoridades responsáveis pela implementação da política de atendimento deve ser uma preocupação constante, pois este é um ponto dos mais vulneráveis, dos mais frágeis, do sistema de atendimento herdado do antigo Código de Menores (Lei 6.697/79) e da Política Nacional de Bem-Estar do Menor (Lei4.513/64).
Essa segurança deve estar atenta para os diversos níveis em que ocorrem danos á integridade física, psicológica e moral dos adolescentes privados de liberdade.
O primeiro deles é no relacionamento com o pessoal diligente, técnico e auxiliar do estabelecimento sócio-educativo de regime privativo de liberdade. È comum, quase a regra geral no Brasil, os estabelecimentos nessa área contarem com o pessoal despreparado, mal remunerado, insatisfeito e freqüentemente impregnado de mentalidades e práticas de natureza correcional-repressiva fortemente incrustadas na cultura organizacional dessas instituições.
O segundo nível de ameaça à segurança e à integridade dos internos são seus próprios companheiros de internato. Freqüentemente organizados em grupos, com lideranças definidas e rivalidades entre si, muitas vezes esta é a pior ameaça que pode sofrer um jovem interno. São conhecidos dos que atuam nesta área o abuso, a violência, a degradação pessoal e social que podem decorrer dos exercícios de poder no interior de um mesmo grupo ou de um grupo sobre outro em certas situações.
Um terceiro nível de ameaça é aquele constituído pela realidade externa do internato. Nele, costumamos encontrar, atuando de modo quase indistinto, maus policiais, bandidos e grupos de jovens delinqüentes que, por um motivo ou por outro, não abrem mão de projetos de utilização instrumental, de exploração ou de vingança em relação aos adolescentes que se encontram privados de liberdade.
A segurança, portanto, num estabelecimentos para adolescentes privados de liberdade não é uma questão adjetiva e nem secundária. Ela é uma parte essencial do problema e os educadores e trabalhadores sociais, ao mesmo tempo que admitem isso, devem empenhar-se em dotar os estabelecimentos não só de recursos físicos adequados de contenção e segurança, como também de participarem sem preconceitos de elaboração de uma política para esse vital setor de nosso trabalho sócio-educativo.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury