ECA: ARTIGO 174 / LIVRO 2 – TEMA: ATO INFRACIONAL
Comentário de Pedro Caetano de Carvalho
Juiz de Direito/Santa Catarina
Andou bem o legislador do Estatuto da Criança e do Adolescente ao determinar que, “comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será prontamente liberado pela autoridade policial sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no primeiro dia imediato…”.
A apreensão de um adolescente “pela Polícia é traumatizante em todos os sentidos, especialmente quando é arbitrária ou quando se trata da primeira experiência” (Manual Campanha da Fraternidade, Quem Acolhe o Menor a Mim Acolhe, Brasília, CNBB, 1967, p. 23).
A lei, ao determinar a liberação imediata, se houver o comparecimento
de um dos pais ou responsável, leva em consideração o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
A presença de qualquer dos pais ou responsável tem a finalidade de dar maior conforto moral e emocional ao jovem no momento difícil de sua vida, quando está sendo acusado, ou mesmo quando cometeu um crime.
Neste momento, conforme norma de Santo Agostinho, é preciso “abominar o pecado, amar o pecador”. Mesmo não aprovando o ato realizado, “a palavra do pai, a presença da mãe em período de crise, são insubstituíveis, se, além das palavras, eles fazem sentir que o que importa, realmente, não é o que os outros vão dizer, mas a felicidade e o equilíbrio de seu filho” (Claude Olievenstein, La Drougue, Paris, Gallimard, 1978, p. 192, apud Paul Eugene Charbonneau. Adolescência e Liberdade, São Paulo, EPU, 1980, p. 6, nota de rodapé).
O Estatuto, ao prever que a liberação far-se-á mediante termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público, certamente, quis envolver os pais ou responsável na solução do problema, ficando responsável pela apresentação do jovem ao Ministério Público para as providências necessárias, tendo um caráter educativo.
A tendência dos pais ou responsáveis é sentirem-se culpados pelo comportamento do jovem. Contudo, “nos casos patológicos, não se pode debitar todas as culpas nos pais. Eles poderão ter as suas falhas, e falhas graves, mas existem dificuldades externas, exógenas, que também podem ser responsáveis por essa patologia, quando ela ocorra” (Alcides Ferreira Mazó, et allii, “A família. Dificuldade na responsabilidade”, in Valores. Que Valores?,São Paulo, ALMED. 1984, p. 71). Assim, é extremamente importante que qualquer dos pais ou responsável compareça ao local onde o adolescente se encontra recolhido, não só pela solidariedade humana, mas para que sejam trabalhados com o adolescente as causas e efeitos do ato cometido.
Entre a população das classes mais baixas não é costumeiro que a Polícia se preocupe em avisar a família quando alguém é detido sob acusação de atividade criminosa. Com a determinação da Constituição Federal, art. 5º, LXIII, e do art. 107 do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a obrigatoriedade de comunicação à família do preso ou à pessoa por ele indicada, esperamos que a prática mude. Quando se trata dos chamados “filhinhos de papai” acusados de alguma atividade criminosa, quando detidos, a Polícia comunica à família de imediato, às vezes até se desculpando por “ter que incomodar”. Oxalá houvesse a mesma agilidade e providências sempre que se tratasse de jovem proveniente de classes menos favorecidas, uma vez que o Estatuto dá aos adolescentes pobres os mesmos direitos dos demais. . .”
A exceção para não liberação ocorrerá “quando, pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública”.
O Estatuto prevê duas hipóteses que são casos de não liberação do adolescente para os pais ou responsável, quais sejam: quando da prática do ato infracional e/ou sua repercussão social, devendo, nestes casos, permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública.
Poderão ocorrer situações em que o adolescente sozinho ou com outro(s) adolescente(s)comete(m) algum crime de gravidade tal que tenha grande repercussão na comunidade. Neste caso, para salvaguardar o adolescente, para protegê-Io, para assegurar sua garantia pessoal e a manutenção da ordem pública, a lei faculta o seu internamento, desde que seguidos os procedimentos do art. 175 do Estatuto.
Quem irá medir a gravidade do ato infracional e a sua repercussão social, naquele momento, decidindo pela não liberação, é a autoridade policial. Caberá à autoridade judicial examinar a legalidade da internação provisória, quando for feita a comunicação estabelecida pelo art. 107. Esta decisão, contudo, deverá ser pautada, em primeiro lugar, no interesse do adolescente, isto é, quando for para garantir sua segurança pessoal. Neste momento, a lei aplica-se para tutelar o direito de proteção do jovem, e não apenas o da sociedade.
Há situações em que o crime cometido causa clamor público ou revolta familiares e amigos da vítima, levados, muitas vezes, a querer vingança ou fazer justiça com as próprias mãos. Para estes casos, o bom senso indica que a não liberação pode representar a sobrevivência do adolescente.
Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury